Os presidentes de Venezuela e Guiana se reunirão na próxima semana em São Vicente e Granadinas, no Caribe, para discussão sobre o território do Essequibo, que o regime de Nicolás Maduro decidiu anexar. A reunião está sendo organizada pela Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e pela Comunidade do Caribe (Caricom).

A questão também chegou ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU). O assessor especial da presidência da República, embaixador Celso Amorim, é quem vai representar o Brasil no encontro. 

O que algumas pessoas não sabem é que parte do território de Essequibo, que representa 70% da Guiana e é rico em petróleo, fez parte do Brasil. O país inclusive entrou em disputa com a Inglaterra, que colonizou a Guiana, por causa do pedaço de terra hoje reivindicado pela Venezuela.

No conflito diplomático, iniciado no século 19 e finalizado em 1904, o Brasil saiu derrotado. Essa, aliás, foi a única vez que o país perdeu parte do território após uma arbitragem internacional – o Brasil perdeu o território que hoje é o Uruguai, mas isso foi em uma guerra, e não em uma negociação.

  • A disputa entre Brasil e Inglaterra por Essequibo ficou conhecida como “A Questão do Rio Pirara”, porque ela envolvia a região do Rio Pirara. 
  • O Brasil começou a disputa quando ainda era colônia de Portugal. Ele reivindicava a posse do território que hoje se situa entre o estado de Roraima e a margem do rio Rupunúni na atual República Cooperativa da Guiana, que à época pertencia à Inglaterra. 
  • Até então, de acordo com o Tratado de Utrecht, eram aceitos como limites entre as terras brasileiras e as inglesas o divisor de águas das bacias dos rios Amazonas e Essequibo até as nascentes do Tacutu e, a partir daí, a fronteira seguia pela margem do Rupunúni e pelo divisor natural entre o Maú, o Potaro e o Mazarúni.
  • Com a perda da área, o Brasil não só deixou de ter acesso à bacia do Essequibo, através do Rupunúni, como deu à então Guiana Britânica acesso à bacia Amazônica através dos seus afluentes Tacutu e Maú. 
  • Caso saísse vitorioso, o Brasil ganharia áreas ricas para a agropecuária e em alguns minerais, além de acesso ao mar do Caribe pelos afluentes do rio Amazonas.

Holandeses perderam a região para exército de Napoleão

Antes dos ingleses, os holandeses dominaram não só a atual Guiana visada pela Venezuela como o Suriname e a Guiana Francesa, por meio de colônias. Mas com a França comandada por Napoleão Bonaparte, as tropas francesas avançaram pela Holanda e tomaram as colônias desse país. Já com a posterior derrota de Napoleão para a Coroa Britânica, os países europeus se reuniram no Congresso de Viena, em 1815, e definiram a divisão dos territórios antes pertencentes à França. 

Por meio desse acordo, a Inglaterra ficou com, entre outras, as colônias de Essequiba, Demerara e Berbice – os holandeses ficaram com o Suriname e a França, com a Guiana Francesa. Em 1831, as três colônias separadas tornaram-se uma única colônia britânica, a Guiana Britânica. 

Imbróglio com Brasil começou ainda no domínio holandês

No entanto, ainda durante o domínio holandês, Portugal tentou definir a fronteira do Brasil com as guianas através da linha do divisor de águas. Em 1783, o capitão de fragata Antônio Pires da Silva Pontes, mais bem informado, manifestou-se pelas fronteiras da pretensão neerlandesa, bem mais vantajosas ao Brasil. 

Ou seja, as serras de Pacaraima (onde fica a cidade roraimense de mesmo nome) e uma linha traçada do monte Anaí em direção ao sudeste. Começando na margem direita do Rupunúni, essa linha atravessava o Sipó, ou alto Essequibo, e terminava na serra de Tumucumaque, perto da nascente do Courantine.

Tal fronteira foi apresentada por Laurens Storm van Gravezande em 1758, na época governador das colônias holandesas de Essequibo e de Demerara, aos diretores da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais como os confins meridionais das possessões neerlandesas no subcontinente sul-americano.

Nunca houve tratado de limites entre Portugal e Holanda, mas suas possessões na América do Sul se encontravam de fato delimitadas desde o século XVIII. Portugal adotava as linhas fronteiriças definidas pela Holanda. Assim os ingleses teriam recebido as colônias francesas.

Tropas britânicas invadiram território brasileiro

Já em 1835, um alemão que trabalhava para os ingleses, foi à região supostamente com a intenção de fazer um levantamento da geografia física do interior da Guiana. Mas ele enviou à Coroa Britânica relatórios exaltando a quase inexistente soberania portuguesa no atual estado de Roraima. E sugeriu a ocupação de parte da área. 

A reação brasileira só ocorreu em 1840, com o envio de tropas para a reocupação da região. Mas o pequeno contingente foi forçado a se retirar ante a ameaça de um ataque por forças inglesas em número superior.

Em 1842, o Brasil propôs e a Inglaterra aceitou a neutralização do território até que se chegasse a um acordo definitivo, mas a despeito disso os ingleses estenderam sua influência na área neutralizada.

A corte e a opinião pública britânicas receberam bem o relatório. Um missionário protestante foi enviado à região do Pirara, onde ficou catequizando indígenas para a religião e o domínio britânicos, ensinando ainda o idioma daquele país e hasteando sua bandeira no que era considerado solo brasileiro. Autoridades brasileiras reagiram. O missionário foi embora, mas levou consigo os indígenas catequizados.

Houve mais investidas dos ingleses. Eles iniciaram uma disputa nas cortes internacionais. Em 1840, apresentaram um mapa da região do Essequibo mostrando que era ocupada por “tribos independentes”. Ele indicava uma nova fronteira entre as terras brasileiras e as terras da atual Guiana, tendo como limites os rios Cotingo e Surumu.

O governo do Brasil protestou na capital britânica por meio do embaixador brasileiro. Os protestos fizeram o governo inglês recuar, retirando os marcos provisórios já colocados na região, mas não desistindo de vez. Em 1842, foi recebida em Londres uma recomendação brasileira para que a área em litígio (a região a oeste do rio Rupununi) fosse “neutralizada”.

A Inglaterra concordou apenas com a inclusão das áreas das bacias do Cotingo e do Maú. Essa disputa diplomática se prolongou até 1898, até que o Brasil aceitou submeter a questão ao governo italiano, o qual atuaria como árbitro. O Brasil fez duas contrapropostas, e a Inglaterra outras três. 

A decisão foi tomada em 1904 pelo rei italiano. Com ela, o Brasil perdeu 19.630km², que foram entregues à Inglaterra. 

Maduro quer suspender concessões da Guiana a petroleiras

Na disputa atual, o regime de Nicolás Maduro argumenta que o rio Essequibo é a fronteira natural, como em 1777, quando a Venezuela era colônia espanhola, e apela ao acordo de Genebra, assinado em 1966 antes da independência da Guiana do Reino Unido, que estabelecia as bases para uma solução negociada e anulava um laudo de 1899, que fixou os limites atuais. A Guiana defende esse laudo e pede que seja ratificado pela CIJ.

A disputa por Essequibo reacendeu depois que a companhia norte-americana ExxoMobil descobriu grandes reservas de petróleo na região, em 2015. O cenário piorou quando a Guiana autorizou, em outubro, seis empresas petrolíferas – incluindo a Exxon e a francesa TotalEnergy –, a explorarem petróleo na região. 

A Guiana tem as maiores reservas de petróleo per capita do mundo, enquanto a Venezuela tem as maiores reservas absolutas, mas sua capacidade de produção caiu de 3,4 milhões de barris para apenas 700 mil por dia devido ao colapso da PDVSA, que viu a capacidade de produção despencar por causa da falta de investimento, com a crise econômica que assola todos os setores do país.

Estima-se que na Guiana haja reservas de 11 bilhões de barris de petróleo. A parte mais significativa é “offshore”, ou seja, no mar, perto de Essequibo. Um consórcio liderado pela Exxon Mobil começou a produzir petróleo na costa da Guiana no final de 2019, e as exportações começaram em 2020. Isso levou a Guiana a se tornar o país sul-americano que mais cresce nos últimos anos em números econômicos.

Sabendo das licenças para extração de petróleo em Essequibo, Maduro marcou o plebiscito realizado em 3 de dezembro. E, em meio às medidas anunciadas dois dias depois, Maduro propôs uma lei especial para “proibir” a contratação destas empresas petroleiras que operam sob concessões concedidas pela Guiana. “Proponho [dar] três meses a todas essas empresas para se retirarem dessas operações no mar a delimitar, três meses”, disse. No entanto, afirmou, “estamos abertos a conversar”.