O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, entrou de férias na véspera da greve de servidores do órgão por tempo indeterminado. A paralisação teve início nesta sexta-feira (1º) e é anunciada desde segunda-feira (28), quando foi aprovada em assembleia.
De acordo com a agenda oficial disponibilizada pelo BC, Campos Neto iniciou as férias na quinta-feira (31) e, durante a ausência, está sendo substituído no cargo pelo diretor Otávio Ribeiro Damaso.
“Infelizmente, nessa hora tão importante, o presidente do BC viajou de férias para Miami, o que não ajuda nada no sentido de encontrarmos uma solução para a crise”, disse o presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do BC (Sinal), Fábio Faiad.
A expectativa do Sinal é que a greve tenha a adesão de 60% a 70% dos servidores. O objetivo é pressionar o governo federal a ampliar à categoria o reajuste salarial do funcionalismo público.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) já afirmou a intenção de conceder o aumento apenas para categorias policiais. Há o valor de R$ 1,7 bilhão reservado no Orçamento de 2022 para reajustes salariais.
Com a falta de servidores operando os sistemas do BC, a greve pode deixar serviços como o Pix indisponíveis e prejudicar a distribuição de moedas e cédulas e o atendimento ao público.
A divulgação de taxas e índices econômicos, como o Boletim Focus, que traz uma análise financeira do mercado, também deve ser prejudicada, assim como o monitoramento e a manutenção do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) e da mesa de operações do Departamento de Operações do Mercado Aberto (Demab).
Até o momento, os servidores afirmaram que vão manter serviços essenciais para não paralisar totalmente o serviço financeiro do país. A medida pode ser revista, no entanto, caso o governo publique, até este sábado (2), o reajuste às categorias policiais, excluindo os funcionários do BC.
“Nesse caso, será proposta uma radicalização sem precedentes do movimento”, afirmou Faiad.
A categoria iniciou o movimento de paralisações diárias há algumas semanas, com interrupção de serviços durante a tarde. Além disso, houve a renúncia de cargos em comissão em funções de gerência e assessoramento.
Já foram entregues 700 cargos do total de mil disponíveis no BC. O resultado foi maior do que o esperado, de 500 renúncias. As exonerações, no entanto, não foram efetivadas e publicadas no Diário Oficial da União.
“Tais publicações não saíram no DOU porque a direção do BC decidiu tentar ‘segurar’ as portarias de descomissionamento. O Sinal vai cobrar da direção do BC a efetivação das portarias”, declarou Faiad.
Os servidores do BC querem, ainda, uma proposta de reestruturação de carreira de analistas e técnicos em que afirmam não haver impacto financeiro.
Especialistas veem preocupação na possibilidade de falha de serviços
Especialistas, no entanto, demonstram preocupação com possíveis falhas no sistema, principalmente em relação à forma de pagamento instantâneo.
Mesmo entendendo que reivindicações relacionadas à carreira são usuais na iniciativa pública e na privada, Mariana Chaimovich, legal advisor do ITCN (Instituto de Estudos Estratégicos de Tecnologia e Ciclo de Numerário), vê com apreensão a greve.
“O que nos preocupa particularmente neste cenário é a maneira como essa paralisação de funcionários do BC pode afetar a lógica do Pix como um todo, trazendo potenciais consequências nefastas para a população brasileira. Relatório publicado recentemente pelo BIS, o Banco de Compensações Internacionais, aponta mais de 114 milhões de usuários do Pix, aproximadamente 67% da nossa população adulta”, diz.
Chaimovich alerta que o serviço é novo - foi lançado em novembro de 2020 - e está nas mãos de apenas uma instituição, no caso o BC.
“A concentração de uma estrutura, que cresceu tanto em tão pouco tempo, em um órgão apenas, é algo que nos traz preocupações, como membros da sociedade civil organizada, em relação à capacidade do BC de lidar com empecilhos como o que está ocorrendo agora — e como os que invariavelmente ocorrerão no futuro. Justamente por isso, é importante garantir alternativas de pagamento, seja via transações digitais que não o Pix, seja via dinheiro em espécie”, complementa.
Alexandre Nunes Petti, especialista em Regulatório Bancário e Meios de Pagamento, destaca que muitos usuários adotaram o Pix como principal instrumento de recebimento de valores por seus serviços e produtos e podem ser prejudicados.
“O problema não se resume às milhões de operações que correm o risco de serem interrompidas, já que os dados das chaves Pix continuarão suscetíveis aos, infelizmente, constantes vazamentos. E o pior: como não há alternativa ao Pix (dado que o Banco Central tem exclusividade na solução), não há tempo hábil para que o mercado organize em tão pouco tempo uma ferramenta alternativa. A greve deixa os milhões de usuários sem saber para onde correr”, comenta.
Para Petti, o BC agiria de outra maneira caso não fosse o responsável pelo sistema.
“É curioso imaginar o que o BC faria na qualidade de Supervisor do Sistema Financeiro se o operador do Pix fosse qualquer entidade que não ele próprio. Lembrando que boa parte do suposto ‘sucesso’ do Pix está ligado ao fato de o próprio BC ter obrigado as instituições financeiras a oferecer o serviço a seus clientes, ao mesmo tempo que proibiu a cobrança de tarifas nas operações realizadas por pessoas físicas. Espera-se que o BC aprenda a lição e deixe de concentrar em si as soluções envolvendo pagamentos instantâneos no Brasil”, diz.
Sofia Coelho, especialista em Direito Público, Penal e Consumidor, também aponta riscos à população.
"Função essencial da atuação do BC é a de supervisionar o sistema financeiro do país para garantir que nenhuma instituição cometa irregularidades. A autarquia deve regular e aplicar restrições sempre que necessário. Ao paralisar suas atividades, o Banco Central coloca em risco inúmeras operações, afetando inclusive o sistema de segurança do sistema Pix, por exemplo", analisa.
Ainda de acordo com a advogada, é do BC também a responsabilidade de elaborar as regras que devem guiar o mercado por meio da emissão de resoluções e normativas para prevenir atividades cambiais e financeiras ilícitas. "E com suas atividades paradas em razão da greve, a situação é de grande risco aos consumidores, que acabam ficando ainda mais vulneráveis", conclui.
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