As negociações para a repatriação de brasileiros na Faixa de Gaza em meio à guerra entre Israel e o grupo extremista Hamas, apesar de restritas ao campo diplomático, tomaram proporções políticas em uma disputa que parece não se esgotar. Enquanto o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) expõe detalhes dos contatos com outras nações, aliados de Jair Bolsonaro (PL) tentam creditar a ele o resgate do grupo após mais de um mês de conflito.
No último domingo (12), o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, repetiu a participação do petista no contato com outros líderes mundiais. Segundo o chanceler, o presidente “esteve desde o início empenhado” no resgate dos brasileiros, assim como ele, por meio de contatos constantes com autoridades de Israel, do Egito, da Palestina e do Qatar.
“Todo esforço para libertação dos brasileiros foi feito pelo governo do presidente Lula. Por instrução dele, acompanhamento diário, eu fui interlocutor dos contatos com todos os governos envolvidos, e foi isso que resultou na conclusão exitosa desse acordo entre os países envolvidos. Isso é o que eu posso dizer, isso é o que existe. Além disso, acho que é desinformação”, disse em coletiva de imprensa.
“Eu falo com o chefe dele”
Mauro Vieira reforçou a reivindicação do governo brasileiro na negociação diplomática ao ser questionado sobre o embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zohar Zonshine: “Não conheço”, disse, apenas. Ainda na sexta-feira (10), o ministro havia demonstrado irritação com as especulações de que não foi o governo Lula o autor do acordo para a saída de brasileiros de Gaza.
Depois de uma reunião entre Zonshine e Bolsonaro, Vieira disparou em entrevista à “GloboNews”: "Eu não falo com o embaixador de Israel aqui [no Brasil]. Eu falo com o chefe dele, que é o ministro das Relações Exteriores de Israel [Eli Cohen]". O encontro entre Bolsonaro e Zonshine foi na quarta-feira (8), na Câmara dos Deputados, em um ato marcado pela Embaixada para “mostrar as atrocidades cometidas pelo Hamas”.
O evento, repleto de parlamentares da oposição, foi divulgado pelo ex-presidente em suas redes sociais como uma ida ao Parlamento “juntamente com o embaixador de Israel”. A Embaixada, no entanto, negou ter coordenado a presença de Bolsonaro. Nos bastidores, a briga instalada interfere diretamente na atuação dos diplomatas envolvidos nas negociações com os outros países envolvidos na questão humanitária da guerra. Isso porque, além do trabalho diplomático esperado, eles precisam lidar com o mal-estar provocado entre autoridades do Brasil e de Israel.
A disputa também instigou Lula a se mostrar ainda mais presente na situação. Como exemplo, a confirmação da ida do petista à Base Aérea de Brasília (DF), na noite desta segunda-feira (13), para recepcionar os brasileiros que estavam em Gaza. A presença de Lula já estava prevista na última semana, mas virou alvo de dúvidas após não constar na agenda oficial. O mandatário, porém, confirmou que irá ao local por meio de suas redes sociais.
Créditos para quem?
A postura de Zonshine de criticar a diplomacia brasileira, demonstrar simpatia com o grupo de extrema-direita e a proximidade com Bolsonaro foi o suficiente para aliados do ex-presidente tentarem um ganho político com a situação: “Apenas alguns dias depois do diálogo com o presidente Bolsonaro, os brasileiros de Gaza irão voltar para casa”, publicou Ciro Nogueira (PP-PI) no X (antigo Twitter) na sexta.
“Parabéns presidente Bolsonaro! Na mesma semana em que se envolveu diretamente para a solução do drama dos brasileiros em Gaza, após semanas de erros da “diplomacia” radical do PT, nossos irmãos estão livres. O Brasil voltou é isso!”, acrescentou na rede social, em outra publicação feita no domingo e ganhando o apoio de outros aliados.
A ação irritou o entorno de Lula. A presidente nacional do PT e deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) afirmou ser “nojenta a maneira como Bolsonaro e seus aliados tentam se aproveitar do drama dos brasileiros (as) ameaçados pelo massacre da população civil de Gaza”. A fala foi uma resposta direta a Ciro Nogueira, também na sexta-feira.
Na ocasião, quando o grupo ainda aguardava a abertura da passagem de Rafah para deixar Gaza e seguir para o Egito, Gleisi disparou: “34 brasileiros e brasileiras, a metade crianças, seguem retidos na fronteira com o Egito, e Ciro Nogueira vem mentir que Jair Bolsonaro teria negociado sua libertação com o embaixador de Israel no Brasil. Se isso fosse verdade, seria uma confissão de que os brasileiros foram tratados como reféns de uma articulação política entre Bolsonaro e o embaixador de Israel”.