Jô Moraes

Ex-deputada federal pelo PCdoB

Em entrevista ao Café com Política, da rádio Super 91,7 FM, a ex-parlamentar celebrou conquistas políticas das mulheres, mas afirmou que a violência doméstica e o preconceito contra elas são problemas que precisam ser resolvidos pela sociedade.

A senhora foi deputada por vários mandatos, e, no ano passado, foi candidata à vice na chapa do então governador Fernando Pimentel (PT), que não conseguiu chegar no segundo turno. Portanto, depois de muitos anos, a senhora está sem ocupar um cargo eletivo. Como estão sendo esses primeiros momentos sem um mandato, depois de tantos anos?

No meu primeiro dia sem mandato, fiz questão de visitar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por um gesto de homenagem à luta democrática e à liberdade dele. A partir daí, eu estou em uma intensa atividade de conversa com as pessoas. Porque as pessoas estão muito desencantadas, desiludidas. Eu fiz um debate com a diretoria do sindicato dos metalúrgicos, e as primeiras palavras que eles disseram foram: desilusão, decepção, desencanto. Então, nesse momento, eu estou me dedicando a conversar, para recuperar o sentimento transformador, a energia. É um mandato de rua.

Nós temos visto muitos casos de violência doméstica contra a mulher. Nos 15 primeiros dias de janeiro, um levantamento mostrou que uma mulher era assassinada a cada dois dias em Minas Gerais, um dado assustador. Como a senhora, que defendeu a causa das mulheres muitas vezes em seus mandatos, avalia esse cenário de violência doméstica contra as mulheres?

Eu acho que é muito angustiante. Eu fui presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre a violência contra as mulheres em 2013, visitamos vários Estados, e era uma repetição permanente, o que nos levou a buscar quais são as razões dessa repetição. Nós temos que botar na cabeça que não basta punir. Temos que prevenir, e temos que fazer uma intensa formação na sociedade, na cultura, nos homens, nas escolas, nos carnavais, de que a mulher tem que ser respeitada. E não é só o respeito sexual. É o respeito da cidadã, da trabalhadora, da professora. É isso que nós ainda não conquistamos.

Além dessa prevenção, o que precisa ser feito para que tenhamos uma mudança nesse cenário? Fica a sensação de impunidade, que reina não apenas para casos de feminicídio, mas generalizada do país. Falta, na sua avaliação, uma punição efetiva?

Esse problema de crime, de processo penal, é algo que o Brasil ainda não conseguiu resolver. Quem tem dinheiro, resolve. Mas é preciso ter uma cultura de punição que reeduque o criminoso. Isso é algo que a gente tem que estimular. O pacote de combate ao crime, que o ministro (da Justiça) Sergio Moro apresentou, tem uma brecha que fala sobre legítima defesa. A intenção dele, creio eu, é defender os militares que matam nas comunidades. Mas tem um componente que se chama legítima defesa por medo e violenta emoção. Isso daí pode tranquilamente fazer com que um assassino, um criminoso, possa ser liberado. Por isso que eu acho que nos temos é que educar. Vamos nos dedicar aos criminosos? Então vamos reeducá-los, mesmo dentro da cadeia. Vamos criar uma cultura nas escolas de respeito às meninas, vamos assegurar a punição daqueles agentes públicos que são grosseiros, que são agressivos.

Nós tivemos nessas últimas eleições uma representatividade maior das mulheres nas Casas legislativas, mas ainda é muito pouco, se pensarmos que as mulheres são 52% do nosso eleitorado. O que ainda falta para que elas, de fato, possam ocupar esses espaços de poder?

O resultado dessa eleição, que levou a bancada eleita na Câmara dos Deputados a passar de 51 mulheres eleitas em 2014, para 77 em 2018, é fruto da conquista do financiamento público eleitoral. Pela primeira vez, as mulheres tiveram condições melhores de financiamento para realizar a disputa. Acontece que, mesmo com essa conquista – a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de obrigar que os 30% de financiamento do fundo partidário fossem para as mulheres –, já tem deputado querendo tirar esse ganho. Além disso, tem laranja que aparece na história, mesmo com o rigor e a restrição que existe por parte da Justiça Eleitoral. Você vê que são laranjas veiculadas e próximas às estruturas dos poderes partidários. É muito importante pensarmos que 44% dos filiados dos partidos são mulheres. Por isso, a participação de mulheres nas estruturas de poder, a existência de mecanismos que ajudem as mulheres a fazer política, e um treinamento e uma qualificação são questões fundamentais para que a gente possa participar efetivamente desse processo.

Foram quantos anos de vida pública?

Eu comecei em 1997, como vereadora. Então, foram 22 anos. Um mandato e meio como vereadora, um como deputada estadual e três como deputada federal. Nesse processo, aprendi que não basta ser mulher para fazer política para as mulheres. Tem que ser mulher comprometida com a agenda feminista.

De maneira geral, quais foram os maiores desafios que a senhora enfrentou, ao longo desses 22 anos?

Em primeiro lugar, tive que ser muito mais dedicada, estudiosa e inteligente, para ter voz. Na política, os homens escutam por educação. Só depois de muito tempo é que passam a te escutar por respeito político. Em segundo lugar, é muito difícil o cotidiano. Há uma intolerância para a escuta da mulher no Plenário. É desrespeitoso o número de homens que não prestam atenção, ou que ficam falando e gritando quando as mulheres estão atuando. Mas há momentos em que você conquista. Eu fui líder do meu partido, fui presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, uma das comissões mais desafiadoras, e meu respeito veio da minha política mineira, da minha tolerância, e da minha convivência com os divergentes.

Isso mudou com o passar do tempo? Já nessa reta final de mandato, mudou um pouquinho essa situação?

Em relação à mim, sim, pelo nível de convivência e por eu tratar de assuntos que não eram só relativos às mulheres. Fui uma das pessoas que mais atuou na defesa das Forças Armadas. Fui uma pessoa que se intensificou nas relações exteriores, recebendo embaixadores. Isso modificou pela prática, mas ainda assim continua. Eu era barrada – mesmo agora, nos últimos tempos – pelos seguranças, se eu não estivesse de salto alto, se não tivesse de blazer. Até o jeito de vestir importa na vida política. Avançou bastante, nós tivemos conquistas muito importantes. Mas o preconceito ainda continua.

Deputados que não se reelegeram foram buscar a aposentadoria na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Foi o seu caso, e a senhora se aposentou com um salário de R$ 11.500. Em um momento que o país discute a reforma da Previdência, que promete endurecer as regras, o que dizer para quem está preocupado se vai conseguir se aposentar, enquanto os políticos ainda conseguem uma situação diferenciada na aposentadoria?

Eu tenho 72 anos. Contribui 35 anos para a Previdência. Não há, nem do ponto de vista da idade, qualquer questionamento. Já essa proposta de Previdência que o presidente está tendo, é um crime contra o povo. Ele mesmo se aposentou com 33 anos. Sou contra o que está se fazendo na Previdência. O que não pode é pra arranjar uma desculpa de dar dinheiro ao sistema financeiro, botar uma reforma da Previdência e culpar os políticos.