Prazo

Intervenções complexas são gargalos para leilão da BR–381

Previsão é que rodovia seja concedida no primeiro semestre, mas certame pode ficar para o segundo; reassentamentos podem ter afastado iniciativa privada do último edital

Por Letícia Fontes
Publicado em 05 de janeiro de 2024 | 06:00
 
 
 
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Uma das grandes expectativas dos mineiros em 2024 é ver a duplicação da BR–381, no trecho entre Belo Horizonte e Governador Valadares, começar a sair do papel. A promessa do governo federal é conseguir fazer o leilão ainda no primeiro semestre deste ano. Após três editais frustrados nos últimos 11 anos, a viabilidade de o leilão acontecer nos próximos meses, no entanto, ainda é vista com descrença por algumas lideranças políticas. 

Nos corredores do Planalto já há quem acredite que o certame fique para o segundo semestre. A avaliação é que, para conseguir fazer a proposta de concessão da rodovia ser interessante para as concessionárias, será preciso fazer muitos ajustes no edital e, principalmente, ter mais recursos públicos para viabilizar economicamente a Parceria Público-Privada. 

Enquanto isso, a rodovia continua sendo uma das que mais causam ocorrências no Estado e, em 2023, viu os números de feridos crescerem 25%. Nos últimos quatro anos, foram em média dez mortes por mês no trecho entre Belo Horizonte e Valadares. (Veja todos os dados ao final da matéria)

Um dos principais motivos para o desinteresse das concessionárias pela rodovia, segundo fontes ouvidas pela reportagem, é a complexidade das obras de duplicação, que exigem o redesenho das pistas para reduzir o número de curvas. Além da geografia do solo e o traçado da estrada, o reassentamento de quase 800 mil famílias que vivem às margens dos 310 quilômetros de rodovia é um dos grandes empecilhos para a concessão sair do papel.

Pedras no caminho. Desde 2013, ainda no governo Dilma Rousseff (PT), o governo federal tenta viabilizar leilões na BR–381. Na época, o trecho entre BH e Governador Valadares foi dividido em 11 lotes, mas apenas três pontos licitados tiveram as obras concluídas. O restante foi abandonado pelas empresas que venceram as concessões. 

Em 2021, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) tentou relicitar o trecho em bloco com a BR–262, no Espírito Santo, mas, após sucessivos adiamentos, o projeto mais uma vez não atraiu interessados na iniciativa privada.

O mesmo ocorreu no leilão previsto para acontecer no fim do ano passado, que, mesmo após diversas remodelagens, não atraiu investidores. O certame tinha como expectativa duplicar 134 quilômetros da rodovia e atrair R$ 10 bilhões de investimentos em 30 anos de contrato.

Na avaliação de Paulo Resende, coordenador do núcleo de logística da Fundação Dom Cabral, o motivo para a falta de atratividade do certame é a modelagem do edital, que, segundo ele, tem sido mal feita. O especialista cita como exemplo o último leilão, que previa para a empresa vencedora a responsabilidade em realizar quase 800 reassentamentos na região de Sabará. Para ele, colocar essa responsabilidade para a iniciativa privada é como colocar um jabuti na concessão.

"É um paradoxo, porque esse trecho tem um grande volume de tráfego de caminhões e  a arrecadação tende a ser muito boa, mas com a desapropriação os riscos são altos. Não pode haver responsabilização de políticas urbanas à concessionária. Quem sabe fazer reassentamento é a gestão pública, a gestão privada não tem expertise para fazer tudo que envolve o reassentamento (saneamento, telefone  internet”, pontuou Resende. 

Segundo o especialista, o investimento feito pela concessionária do trecho entre Belo Horizonte a Governador Valadares já tende a ser alto, por isso, colocar o reassentamento de milhares de famílias na conta de uma possível empreiteira tira qualquer atratividade na concessão. 

"É preciso entender que o investimento lá é altíssimo por conta dos riscos topográficos e geológicos, precisa de uma engenharia muito bem feita, e tudo isso custa dinheiro e aumentaria o pedágio, mas não inviabilizaria a concessão de jeito nenhum”, analisou. 

Investimentos. 

De acordo com o líder da bancada mineira na Câmara dos deputados, Luiz Fernando Faria (PSD), o governo federal se comprometeu a tratar como prioridade os investimentos em infraestrutura nas rodovias que cortam o Estado.

Uma das alternativas estudadas pelo Ministério do Transporte é realizar investimentos próprios da União antes do leilão para tornar o certame mais atrativo. Caso o acordo de repactuação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Mariana seja concluído, há a expectativa também de que esses recursos sejam usados em obras complexas no trecho. 

Em dezembro, o ministro Renan Filho se reuniu com a bancada mineira em Brasília para discutir a situação das estradas que cortam o Estado. Na ocasião, o ministro dos transportes destacou que no último ano, o governo federal investiu R$ 1.4 bilhão nas rodovias mineiras. O montante representa, de acordo com ele, quase cinco vezes mais do que gastou o último governo.

Alteração no edital teria inviabilizado leilão da BR-381, segundo análise da CNT

A retirada do item que previa que o Estado assumiria o risco geológico das obras de duplicação da BR-381 pode ter sido decisiva para não haver empresas interessadas no leilão realizado no ano passado. Segundo o presidente da  Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vander Costa, o risco geológico previsto nos últimos editais estava defasado com a realidade. Ele cita como exemplo, o chamado "risco de barreira", que é quando o asfalto cede durante as chuvas, por exemplo. Esse mecanismo teria sido retirado do edital.

"Se (o leilão) deu deserto é porque o modelo não foi atrativo e pelo que a gente tem de informação de próprios players que estavam interessados o que houve é que o risco geológico foi retirado. O risco do asfalto ceder ou ter uma queda de barreira não era tão comum no passado, mas tem acontecido com mais frequência. E isso gera um custo que o pessoal não quis arriscar”, destaca. 

Costa afirma ainda que a estrada é muito sinuosa e cercada por montanhas e por isso nos últimos anos aconteceram algumas intempéries provocadas por deslizamentos de terra que a engenharia não consegue ainda precificar. “A ANTT  já tinha essa informação, só que na ocasião que o processo foi avaliado, foi retirado esse risco da União, dizendo que era necessário que em caso de problemas como esses esse ônus ficasse com a empreiteira", afirmou.

Para ele, para deixar "de fora o risco geológico" é preciso aumentar o preço do pedágio. Ele pondera, no entanto, que mais caro do que qualquer possível tarifa, é o risco do trecho não ser licitado e receber as melhorias necessárias.

"Para nós, transportadores, que são os maiores pagadores de pedágio, o mais caro é não ter a licitação e ficarmos sem a duplicação desse trecho. Os empresários do transporte estão dispostos a pagar um pouco mais caro. Primeiro, porque você consegue mensurar a economia de óleo diesel com uma estrada bem conservada e duplicada. Além de poluir menos, você consegue dobrar também a quantidade de viagens, cumprindo a jornada de trabalho e sem colocar em risco o motorista", completou Costa.

Outro lado.

Procurado, o governo federal reforçou que trabalha com a expectativa de que o leilão da BR-381 aconteça ainda no primeiro semestre de 2024. A previsão do Ministério dos Transportes é que com a concessão sejam investidos R$ 10 bilhões no trecho durante os 30 anos de contrato. 

Em nota, a pasta informou ainda que tem ouvido o mercado, a sociedade civil e os parlamentares para entender os motivos que levaram à baixa atratividade do projeto. O ministério tem estudado, inclusive, a possibilidade de modificar a matriz de risco do certamente, “ampliando o compartilhamento pela União dos riscos ambientais e de reassentamento”. 

De acordo com a União, o edital irá prever a possibilidade de aporte público ou privado na rodovia, com o intuito “de promover a modicidade tarifária ou para a execução de obras adicionais, isto é, não previstas no contrato original como ampliações de capacidade”.

Já o Tribunal de Contas da União informou que o processo está sob relatoria do ministro Antonio Anastasia. A última movimentação aconteceu em julho, quando o ex-governador do Estado emitiu um parecer favorável à concessão da rodovia. O leilão, marcado para novembro, contudo, não recebeu propostas e foi cancelado. 

Leilão BR-381 

Veja o raio X do trecho a ser leiloado 

- 304 km é o trecho previsto para ser concedido à iniciativa privada

- O trecho compreende Belo Horizonte a Governador Valadares e tem aproximadamente 310 quilômetros 

- Atualmente, 240 km do trecho é composto por pista simples e 70 km (22%) de pista dupla

- Ao todo, a BR-381 tem 942.2 km de extensão e liga São Mateus, no Espírito Santo, à cidade de São Paulo.

- Minas Gerais compreende a maior parte da rodovia. Logo em seguida vem o Estado do Espírito Santo e depois São Paulo 

Acidentes na BR -381 

Em todo o estado

Ano 2021 (Jan a Dez)

Acidentes: 2.392

Feridos: 895

Mortos: 164

Ano 2022 (Jan a Dez)

Acidentes: 2.453

Feridos: 2.919

Mortos: 154

Ano 2023 (Jan a Nov)

Acidentes: 2.369

Feridos: 3.089

Mortos: 149

Acidentes na BR-381 entre BH a Gov. Valadares

Ano 2021 (Jan a Dez)

Acidentes: 645

Feridos: 895

Mortos: 64

Ano 2022 (Jan a Dez)

Acidentes: 566

Feridos: 688

Mortos: 58

Ano 2023 (Jan a Nov)

Acidentes: 611

Feridos: 865

Mortos: 61

Caminhões e carretas envolvidos em acidentes no trecho BH x Gov Valadares:

Ano 2021 (Jan a Dez): 255

Ano 2022 (Jan a Dez): 242

Ano 2023 (Jan a Nov): 235

Automóveis envolvidos em acidentes no trecho BH x Gov Valadares:

Ano 2021 (Jan a Dez): 399

Ano 2022 (Jan a Dez): 336

Ano 2023 (Jan a Nov): 381

Score:
- 10 mortes e 146 feridos por mês é a média de acidentes nos últimos três anos no trecho a ser leiloado entre BH e Governador Valadares da BR-381

- O número de feridos no trecho entre BH e Governador Valadares aumentou 25% no comparativo entre 2022 e 2023

- O número de mortes no trecho da BR-381 entre BH e Governador Valadares representou 41% do total de mortes registrados em toda a extensão da rodovia em 2023

- Os acidentes envolvendo veículos de passeio na BR-381 no trecho entre BH a Governador Valadares representou 62% de todos os acidentes registrados no trecho em 2023, enquanto os acidentes envolvendo caminhões e carretas representou 38% das ocorrências

Fonte: Polícia Militar Rodoviária (PRF), Ministério dos Transportes, Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e pesquisa direta

 

 

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