BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) julga nesta quarta-feira (16) um recurso do Google para evitar a quebra de sigilo de pessoas que teriam buscado informações sobre a vereadora Marielle Franco.
Investigadores pediram acesso aos dados de quem digitou combinações de palavras relacionadas a ela ao longo da semana que antecedeu sua morte, em 14 de março de 2018. Além dela, o seu motorista, Anderson Gomes, foi vítima do atentado.
O recurso discute se o juiz, em investigação criminal, pode decretar a quebra de sigilo de históricos de busca na internet de um conjunto não identificado de pessoas, sem apontar os investigados.
A decisão do STF terá repercussão geral, ou seja, valerá para casos semelhantes, definindo limites para a quebra do sigilo de histórico de buscas de usuários de plataformas digitais.
A 4ª Vara Criminal da Comarca da Capital mandou o Google identificar as informações dos aparelhos que tenham usado a plataforma de buscas entre 10 e 14 de março de 2018.
As consultas verificariam termos de pesquisa como “Marielle Franco” e “Vereadora Marielle”, além de “Casa das Pretas” e “Rua dos Inválidos” — onde ela esteve pouco antes da morte. O Google recorreu, mas o Tribunal de Justiça do RJ manteve a decisão.
O Google recorreu ainda ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que manteve a decisão do tribunal fluminense por entender que a medida era justificada para apurar crimes gravíssimos.
A plataforma alegou violação ao direito à privacidade. Disse que a medida, pedida inicialmente pelo Ministério Público do RJ, abre margem para que pesquisas online se transformem em meios de vigiar cidadãos indevidamente. Com a derrota no STJ, o Google apresentou recurso ao STF.
A big tech sustenta que a realização de varreduras generalizadas em históricos de pesquisa de usuários e o fornecimento de listas temáticas de quem pesquisou certa informação violam o direito à privacidade, protegido pela Constituição Federal.
Segundo a empresa, a medida atinge pessoas inocentes, pois os termos indicados são comuns e envolvem uma pessoa pública, e o período de buscas foi longo (96 horas). Outro argumento é o de que a decisão seria genérica e poderia servir para decretar quebra de sigilo sobre qualquer tema.
Quebra de sigilos pode trazer novas provas
Investigadores afirmaram que as informações sobre as pesquisas são importantes para produção de novas provas, com a abertura da ação penal contra os denunciados.
A Primeira Turma do STF tornou réus o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ); o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Domingos Brazão; o delegado da Polícia Civil Rivaldo Barbosa; o major Ronald Paulo Pereira; e o policial militar Robson Calixto Fonseca.
Na denúncia ao STF, a Procuradoria Geral da República (PGR) disse que Marielle foi morta por representar um obstáculo aos interesses econômicos dos irmãos Brazão.
Os responsáveis por desvendar o crime dizem que a quebra de sigilos que buscaram informações sobre a vereadora na internet pode trazer novas evidências que ajudariam a comprovar, por exemplo, o que o executor confesso do crime, Ronnie Lessa, contou em seu acordo de colaboração premiada — uma vez que ninguém pode ser condenado com base apenas em delações.
Ronnie Lessa será julgado em júri popular marcado para 30 de outubro. O ex-policial Élcio Queiroz, que também participou do crime, será julgado na mesma ocasião.
Ministra votou a favor do Google
O caso começou a ser julgado no STF em setembro de 2023, em sessão virtual. Na ocasião, só votou a então presidente, Rosa Weber – ela se aposentou logo depois.
Ela se posicionou por anular a determinação da 4ª Vara Criminal. Ou seja, a favor do Google e contra a quebra de sigilo de um grupo indeterminado de pessoas que fizeram pesquisas relacionadas a Marielle.
Ao analisar a questão, Rosa Weber destacou a importância da investigação, mas entendeu que a quebra de sigilo indiscriminada é desproporcional e pode atingir até usuários comuns que procuraram informações sobre a morte da vereadora devido à repercussão na imprensa.
“Um número gigantesco de usuários não envolvidos em quaisquer atividades ilícitas, nos termos da decisão objurgada, teria seus sigilos afastados, a demonstrar indevida devassa e a sua absoluta desproporcionalidade em razão do excesso da medida”, argumentou a ministra em seu voto.
Ela ressaltou que os IDs de dispositivos e endereços de IP possibilitam a identificação dos usuários por trás das buscas. Por isso, são dados pessoais. Para ela, a intervenção na proteção de dados pessoais exige lei que autorize a adoção de medidas restritivas.
Tal norma precisa conter os requisitos necessários, detalhar o modo de restrição e viabilizar o controle do Judiciário.
“Acresço, como mero reforço, presente, ainda, a desproporcionalidade da medida adotada, o que pode ser verificada a própria delimitação temporal estabelecida. Os delitos objeto de investigação foram cometidos, segunda a própria decisão do Juízo de primeiro grau, por volta das 21h do dia 14 de março de 2018".
"O pedido da autoridade policial, acolhido pelo Juízo competente, foi de encaminhamento dos endereços de IP e dos Devices ID’s de todos que pesquisaram, no Google Search, o nome da Vereadora Marielle Franco, inclusive, ainda que por curto lapso, após o seu homicídio", escreveu a ministra em seu voto.
O ministro Alexandre de Moraes pediu vista (mais tempo para análise) e paralisou a discussão, que deve ser retomada na tarde desta quarta-feira. O julgamento será reiniciado com o voto-vista do ministro Alexandre de Moraes.