BRASÍLIA - As manifestações do dia 7 de Setembro revelaram uma “fragilidade” do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em mobilizar apoiadores, ao mesmo tempo em que a direita conseguiu mostrar mais força ao reunir um público maior nas ruas. A avaliação é do professor e cientista político Adriano Cerqueira.

Já o professor Moacir de Freitas Junior, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia (MG), viu uma tentativa de Lula de recuperar, em tom de patrimônio nacional, símbolos e cores que refletem o país e foram tomados pela direita, especialmente no tradicional desfile na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. 

De acordo com Cerqueira, os atos da esquerda e da direita funcionaram como uma espécie de “plebiscito ou referendo” em relação ao apoio da população às pautas defendidas. E a direita ganhou de “goleada”, como destacou.   

“Com certeza a direita mostrou mais força do que a esquerda. Virou uma espécie de plebiscito ou referendo: quem leva mais gente para as ruas. E foi uma goleada”, afirmou.   

“A direita mostrou muito mais força, maior capacidade e revelou uma fragilidade da esquerda e do governo na questão da mobilização política”, resumiu.   

Cerqueira também destacou que nos atos de domingo (7/9), os dois grupos reivindicaram pautas distintas. A dois dias da retomada do julgamento contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete réus na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) por suposta tentativa de golpe de Estado, os atos da direita pediram anistia e criticaram a atuação da Corte.  

Bolsonaro é réu por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado por violência ou grave ameaça e deterioração do patrimônio tombado.   

Já a esquerda, além dos gritos de “sem anistia”, defendeu pautas como o fim da escala de trabalho 6x1 e o apoio à causa palestina. O governo Lula também levou para as ruas a campanha "Brasil Soberano", em um contexto de conflito diplomático e tensão com os Estados Unidos.  

“Lembrando que o governo ainda contou com Lula na véspera, às 20h30, fazendo uma espécie de coletiva, uma fala para nação, em que ele praticamente convocou a manifestação pela ‘soberania’, que era o tom da esquerda para ontem”, disse o cientista político Adriano Cerqueira.   

“Enquanto pelo lado da direita era a questão em favor de Bolsonaro, em favor da anistia ao que eles consideram uma injustiça que está sendo cometida nesse processo contra um alegado golpe ou tentativa de golpe que teria acontecido no país”, acrescentou.   

Lula leva Brasil Soberano para desfile 

O governo Lula levou o mote “Brasil Soberano” para o desfile do 7 de Setembro deste ano, com o slogan “Do lado do povo brasileiro”, lançado pela gestao petista após o tarifaço de 50% imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aos produtos brasileiros. A tônica do discurso é “a gente não vai abaixar a cabeça para quem ameaça a nossa soberania”.  No evento, o governo ainda distribuiu bonés com a frase “O Brasil é dos brasileiros”.  

A cientista política e professora da Faculdade Casper Libero Deysi Cioccari alertou para o uso do desfile como “ato político-personalista” e apontou a “dicotomia” entre as diferentes mobilizações. 

“A insistência em transformar o 7 de Setembro em ato político-personalista mostra o quanto a democracia brasileira ainda oscila entre a institucionalidade e o personalismo, entre a celebração da pátria e a disputa de facções”.  

“A simbologia é poderosa: de um lado, a nação que se pretende soberana; de outro, a figura de um ex-presidente que ainda mobiliza multidões em torno de sua narrativa”, disse Cioccari.   

O professor da Universidade Federal de Uberlândia afirmou que Lula busca retomar símbolos brasileiros, como a bandeira e as cores verde e amarelo, que passaram a ser associadas à direita a partir de 2013, “buscando sintonizar o governo e ele próprio com o sentimento de brasilidade da população”.  

“Afinado com a oportunidade de desgastar a extrema direita culpando-a pelos efeitos deletérios que a taxação americana trará para a economia, Lula ao mesmo tempo busca se reconectar com setores do eleitorado dos quais está mais distante, já preparando o terreno para as eleições do ano que vem, deixando os adversários com a missão de explicar por que não atuaram em defesa dos interesses do Brasil”, destacou Moacir de Freitas Junior. 

Por outro lado, ele não acredita que os atos do último domingo refletem a popularidade do governo Lula, que registra os menores índices de seus três mandatos.  

“A melhor forma de analisar é olhando o ‘filme’: quando vemos as pesquisas desde junho, julho, a popularidade de Lula e a aprovação do Governo vem melhorando mês a mês, lentamente, mas de modo perene. E todos estes fatores, aliados aos de mais longo prazo, como a queda no índice de desemprego, no preço dos alimentos e outras iniciativas, ajudam a compreender este movimento de melhora, mais do que os atos em si”.   

Ministros do STF não comparecem ao desfile  

A ausência de ministros do STF, neste ano, no palanque de Lula no tradicional desfile cívico-militar em Brasília também chamou a atenção. No ano passado, por exemplo, a Corte foi representada pelos ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Dias Toffoli e Edson Fachin.   

“Talvez pelo fato de estar entrando na semana que deve haver a conclusão do julgamento e, tendo em vista as sanções, que estão sendo feitas pelo governo americano, o STF pode ter achado melhor não entrar nessa disputa de quem mobiliza mais”, declarou Adriano Cerqueira. 

“Por outro lado, revela uma fragilidade por parte do governo, porque se o governo tivesse a capacidade de atrair mais gente, talvez, os ministros do STF se sentissem mais à vontade para participar do evento”, continuou.   

Cerqueira afirma ainda que a ausência dos ministros do Supremo no desfile pode ser um indicativo de um recuo na politização da Corte.   

“O governo já está enfrentando o isolamento crescente no Congresso Nacional. O STF é hoje sua principal âncora institucional de apoio. Só que nesse momento crítico, a ausência de ministros no palanque é um indicativo de, no mínimo, um recuo na politização do STF em relação a assuntos relacionados à política interna brasileira”.