BRASÍLIA - A relação entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional sempre foi marcada por desafios e tensões, com figuras-chave do Judiciário e do Legislativo se enfrentando em questões fundamentais.
Nos últimos anos, o ministro Alexandre de Moraes foi visto como o principal ponto de oposição entre o Supremo e a política, especialmente por suas decisões polêmicas que frequentemente contrariavam os interesses do Legislativo.
No entanto, 2024 trouxe uma mudança significativa nesse cenário, com o ministro Flávio Dino se destacando como uma nova figura de confronto.
Nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o STF em 2023, Flávio Dino rapidamente passou a protagonizar uma série de declarações e decisões que o colocaram em conflito direto com parlamentares - tanto da oposição quanto do centro.
Os desentendimentos começaram a se intensificar, principalmente, após as suas intervenções em duas questões sensíveis a deputados e senadores: as emendas parlamentares e a política ambiental.
Emendas parlamentares: a fronteira entre independência e interferência
Uma das áreas em que Dino gerou forte repercussão foi no debate sobre o uso das emendas parlamentares, um dos principais instrumentos de barganha e poder no Congresso Nacional. Quando o ministro do STF se posicionou contra algumas práticas envolvendo as transferências de recursos públicos sem regras de transparência e rastreabilidade, especialmente no que se refere à sua distribuição, ele provocou a ira de muitos deputados e senadores.
A relação entre os congressistas e o Supremo nunca foi fácil, mas a postura de Dino foi vista por muitos como uma tentativa de limitar o poder do Legislativo em um campo que sempre foi considerado vital para a manutenção da força política dos legisladores.
Os oposicionistas acusam o ministro do STF de atuar com ativismo em prol dos interesses do governo federal, tentando enfraquecer a autonomia do Congresso e minar a eficácia da distribuição de recursos por meio das emendas. Para esses parlamentares, as críticas de Dino não apenas questionam práticas tradicionais, mas também colocam em risco a habilidade do Congresso de agir conforme suas necessidades e prioridades.
Na última segunda-feira (23), o ministro reaqueceu os ânimos da Câmara dos Deputados ao determinar a suspensão imediata do pagamento de 5.449 emendas de comissão, que somam R$ 4,2 bilhões do orçamento da União após denúncias sobre desvios de finalidade, como pagamentos por serviços inexistentes. Neste domingo (29), ele liberou o pagamento de parte delas.
Questão ambiental é outro ponto de conflito
Outro terreno em que Flávio Dino se destacou em 2024 foi nas questões ambientais, um campo de alta relevância política tanto no Brasil quanto internacionalmente. O ministro, que foi anteriormente responsável pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, tem se mostrado um defensor do meio ambiente e das políticas de proteção da Amazônia e outras regiões sensíveis a devastações e queimadas, como o Pantanal.
Sua atuação também gerou reações fortes no Congresso, especialmente entre os integrantes da bancada ruralista, que enxergam as posições do magistrado como uma ameaça aos interesses econômicos ligados ao agro e ao setor produtivo.
As ações de Dino no STF em relação à legislação ambiental têm sido interpretadas por seus críticos como uma forma de alinhamento direto com a agenda do governo federal. Isso reforça a percepção, especialmente no Congresso, de que ele está mais comprometido com a gestão de Lula do que com a independência do Judiciário.
A crítica é que suas decisões acabam favorecendo uma agenda política que desconsidera as necessidades e demandas do Congresso, especialmente nas áreas que envolvem setores econômicos que desempenham um papel fundamental na economia brasileira.
O passado no Congresso: um ministro sempre à frente do confronto
É importante lembrar que Flávio Dino não chegou ao STF sem um histórico de enfrentamentos com o Congresso. Antes de sua ascensão à Suprema Corte, ele já se destacava como uma figura combativa, especialmente durante sua atuação como titular do Ministério da Justiça no primeiro ano do Lula 3.
Tanto que sua sabatina conjunta com o procurador-geral da República, Paulo Gonet, antes da aprovação no Senado, em dezembro de 2023, foi marcada por 10 horas de questionamentos recheados de críticas aos seus pensamentos e comportamentos. Dina manteve o humor, abusou do tom pacificador e foi aprovado por 47 votos favoráveis e 31 contrários, enquanto Gonet teve 65 votos a favor e 11 contra.
Suas posições sobre a segurança pública, a reforma do sistema prisional e a proteção de direitos humanos muitas vezes o colocaram em rota de colisão com deputados e senadores, que viam suas políticas como excessivamente progressistas e intervencionistas. Se não falava em entrevistas, mandava recados diretos nas redes sociais.
Com a chegada ao STF, em fevereiro de 2024, muitos achavam que o relacionamento dele com o Congresso poderia se tornar mais moderado, especialmente devido ao caráter técnico do cargo. Contudo, sua postura assertiva e a forma como tem se posicionado em temas sensíveis indicam que ele continua a ser uma figura disposta a enfrentar os desafios políticos que surgem, especialmente quando considera que há um risco para a democracia ou para os direitos fundamentais dos cidadãos.
O que esperar de Flávio Dino em 2025
Com a aproximação de 2025, as tensões entre o STF e o Congresso devem se intensificar. O terceiro mandato do presidente Lula entra na sua segunda metade e, com ele, questões políticas de grande escala, como a reforma tributária e novas medidas ambientais, continuarão a ser debatidas intensamente. Dino, agora com um perfil mais visível e polêmico no Supremo, pode ser o centro das discussões, não apenas por suas decisões, mas pela postura que continuará a adotar frente a um Congresso cada vez mais fragmentado.
O ambiente de polarização que marca o cenário político atual sugere que as disputas entre o Congresso e o STF, com Dino em uma posição de destaque, serão mais intensas no ano que vem. A acusação de que o ministro age em favor do governo pode ser um ponto-chave no confronto entre os Poderes, colocando o ministro na berlinda e tornando-o uma figura central nas disputas que moldarão os próximos anos.
À medida que a relação entre o Supremo e o Congresso evolui, Flávio Dino, com sua postura firme e, por vezes, desafiadora, promete ser uma figura cada vez mais presente no centro dos debates que determinarão o futuro da política brasileira.