BRASÍLIA - Em seu primeiro discurso como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a ministra Cármen Lúcia, adotou o tom “linha-dura” na solenidade de posse, na noite desta segunda-feira (3). Sem economizar críticas, destacou que seu principal desafio à frente da Justiça Eleitoral será o de combate ao “algoritmo do ódio” que tem provocado o aumento da desinformação e da violência nas eleições brasileiras.
Responsável pelo comando da Justiça Eleitoral nas próximas eleições municipais de outubro deste ano, a magistrada ressaltou que a Corte não irá se acorvadar diante das mentiras espelhadas pelas redes sociais. Ela classificou esse movimento como um "insulto à dignidade do ser humano", um "desaforo tirânico contra integridade das democracias” e uma estratégia usada por “covardes e egoístas”.
“O que distingue esse momento da história de todos os outros é o ódio e violência utilizados como instrumentos anti-democratas para garrotear a liberdade, contaminar escolhas e aproveitar-se do medo como vírus a adoecer pela desconfiança nas relações de cidadãos e cidadãs. Assim, o dono do vírus produz o próprio ganho, político, econômico financeiro social e agora quer também o eleitoral”, disse ela.
Ao lado de presidentes de outros Poderes, a ministra ainda afirmou que há caminhos democráticos a serem seguidos no enfrentamento a esses problemas que alimentam a polarização negativa no processo político e eleitoral do país. Ainda segundo ela, a Justiça Eleitoral irá, nas eleições deste ano, em busca da responsabilização de quem cria e propaga fake news.
Para a atual presidente, sem responsabilização, o “cativeiro digital” não será rompido e matará a democracia. “O algoritmo do ódio, invisível e presente, senta-se à mesa de todos. É preciso ter em mente que ódio e violência não são gratuitos. Instigados por mentiras e vilanias reproduzem-se e esses ódios parecem intransponíveis. Não são. Contra o vírus da mentira há o remédio eficaz da liberdade de informação séria e responsável”, declarou. .
No fim de fevereiro de 2024, Cármen Lúcia foi a relatora das resoluções para as eleições municipais com uma inédita regulamentação do uso de inteligência artificial (IA) e aumentando a responsabilidade das chamadas big techs no controle da propagação de fake news e uso de deep fakes por candidatos em campanha.
“Pelos eleitores e eleitoras que trabalhamos e continuaremos com empenho, engajamento e transparência. A Constituição e as leis da República estão sendo e continuarão a ser cumpridas com rigor e imparcialidade. Eleições com tranquilidade, segurança e integridade ocorrerão neste ano como em anos próximos passados. A mentira continuará a ser duramente combatida, o ilícito será investigado e, se provado, será punido na forma da legislação vigente. O medo não tem assento em alguma casa da Justiça”.
Esta é a segunda vez que Cármen Lúcia assume o comando da Justiça Eleitoral, feito o que a torna a única mulher na história do Judiciário brasileiro a comandar as eleições municipais. Junto com ela, o ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal, foi empossado vice-presidente do TSE.
Mineiros, citações e Moraes
A solenidade de posse, na noite desta segunda-feira (3), encheu o plenário da Corte com cerca de 300 pessoas. Além de chefes de Poderes, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e os chefes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, haviam muitos amigos mineiros. E Cármen Lúcia fez jus à sua “mineirice”.
Natural de Montes Claros, no Norte de Minas, durante a fala ela fez referência à sua origem "geraizeira". Amante da leitura, ela citou autores como Carlos Drummond de Andrade e Ruy Barbosa - esse último, inclusive, para ressaltar o papel como presidente da do tribunal: “Não há salvação para juiz covarde. Em resposta ao aumento de ataques misóginos, também mencionou figuras pioneiras como Hipólita Jacinta, a primeira mulher a integrar o Panteão da Inconfidência em Ouro Preto.
Quem também não foi deixado de lado em seu discurso foi seu antecessor, o ministro Alexandre de Moraes, que deixará o TSE - em seu lugar, assume o ministro do STF André Mendonça. De acordo com Cármen Lúcia, Moraes teve papel decisivo nas eleições nacionais de 2022, no dia 8 de janeiro de 2023 (quando os prédios dos Três Poderes foram alvo de depredação) e nos episódios recentes. Tudo isso, segundo ela, em nome da defesa da democracia.
“A atuação de Moraes foi determinante para a realização de eleições seguras, sérias e transparentes em 2022. Em momento de grande perturbação provocada pela ação de antidemocratas que buscaram quebrantar os pilares das conquistas republicanas dos últimos 40 anos, não ter tido êxito aquela empreitada criminosa foi tarefa de muitos, especialmente do Supremo Tribunal Federal e deste Tribunal Superior Eleitoral. O destaque ficará para sempre creditado à ação firme rigorosa do ministro Alexandre de Moraes”, disse.
Mineira do Norte de Minas
Nascida em Montes Claros, município do Norte de Minas, a nova presidente do TSE se formou em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG) e é mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Na PUC Minas atuou como professora titular de Direito Constitucional, além de ter sido advogada e procuradora do Estado.
Única representante feminina na atual composição do STF, Cármen Lucia está no Supremo há 18 anos. No TSE chegou pela primeira vez em 2008, quando foi eleita para o cargo de substituta para uma das vagas do Supremo. No mesmo ano, o Colegiado a elegeu diretora da Escola Judiciária Eleitoral. Em 2009, foi empossada ministra efetiva.
Nas Eleições Gerais de 2010, atuou como vice-presidente da Corte e assumiu a presidência do tribunal em 2012. Com isso, tornou-se a primeira mulher na história do Judiciário brasileiro a ocupar o cargo e comandou as eleições municipais daquele ano. Em novembro de 2013, ela deixou o TSE após o fim do mandato.
Em 2020, Cármen Lúcia retornou à Corte Eleitoral como ministra substituta. Dois anos depois, foi empossada integrante efetiva do Colegiado e, no início de 2023, tornou-se vice-presidente do TSE, atuando ao lado do ministro Alexandre de Moraes.
Nunes Marques
Natural de Teresina (PI), o ministro Kassio Nunes Marques é bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), mestre em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa, em Portugal, além de doutor e pós-doutor pela Universidade de Salamanca, na Espanha.
Nunes Marques atuou como advogado e foi juiz do Tribunal Regional Eleitoral piauiense (TRE-PI) entre 2008 e 2011. Também foi desembargador e vice-presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, sediado em Brasília (DF).
No STF desde 2020, quando foi indicado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), o ministro foi eleito para o TSE em 2021, quando assumiu a vaga de ministro substituto e só então em 2023, tomou posse como integrante efetivo do Colegiado da Corte Eleitoral.