BRASÍLIA – A Polícia Federal (PF) pediu o indiciamento de mais de 30 pessoas, no inquérito da chamada “Abin paralela”, que investiga o suposto uso ilegal de ferramentas na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para investigar autoridades.
Inicialmente, a reportagem informou que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) constava entre os indiciados pela PF no encerramento do inquérito. A Polícia Federal identificou indícios de responsabilidade criminal de Bolsonaro durante a investigação sobre a espionagem ilegal, mas decidiu não indiciá-lo.
O entendimento da PF é que ele não poderia ser indiciado novamente pelo crime de organização criminosa porque já é réu por esse tipo penal no inquérito do golpe. Caberá à Procuradoria-Geral da República (PGR) decidir se apresentará acusação formal contra o ex-presidente ao Supremo Tribunal Federal (STF).
A PF concluiu e enviou o inquérito ao STF nesta terça-feira (17) com uma lista de 37 nomes. Entre os indiciados estão o vereador do Rio Janeiro Carlos Bolsonaro (PL), e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), diretor da Abin no governo passado.
Investigações revelaram que a “Abin paralela” foi um esquema de espionagem ilegal de autoridades e outras pessoas durante o governo Bolsonaro. Alguns dos alvos eram vistos como adversários do ex-presidente.
Teriam sido espionados ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, o ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia e o ministro da Educação, Camilo Santana, que à época era governador do Ceará. A lista inclui ainda jornalistas.
O monitoramento seria feito por meio de ferramentas de geolocalização de dispositivos móveis, como celulares e computadores, sem autorização judicial. O software usado foi o FirstMile, adquirido e administrado durante a gestão de Ramagem na Abin.
O sistema foi adquirido pelo Brasil em 2018, no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB). A ferramenta custou R$ R$ 5,7 milhões ao governo brasileiro, com dispensa de licitação, e foi usada pela Abin até meados de 2021.
O FirstMile é capaz de identificar a “localização da área aproximada de aparelhos que utilizam as redes 2G, 3G e 4G”. Desenvolvido pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint), permite rastrear o paradeiro de uma pessoa a partir de dados transferidos do celular para torres de telecomunicações instaladas em diferentes regiões.
Para o monitoramento pelo sistema, basta que um número de celular seja digitado no programa para que a localização do dono da linha apareça em um mapa. Com isso, é possível visualizar o histórico de deslocamentos e, inclusive, movimentações em “tempo real” de quem era alvo. O software possibilita consultar até 10 mil donos de celulares em um período de 12 meses.
Dados acessado sem autorização judicial
No caso da “Abin paralela”, a espionagem ilegal aconteceu, no entanto, porque dados privados eram acessados sem autorização judicial. Além disso, a PF apontou a instrumentalização do sistema pelo governo Bolsonaro, para vigiar adversários sem uma justificativa legal.
A PF apontou que o sistema de geolocalização é um software intrusivo na infraestrutura crítica de telefonia brasileira. “A rede de telefonia teria sido invadida reiteradas vezes, com a utilização do serviço adquirido com recursos públicos”, informou em relatório.
Um integrante do alto escalão da Abin teria dito que o sistema era operado sob a justificativa de haver um “limbo legal”. Ou seja, como o acesso a metadados do celular não está expressamente proibido na lei brasileira, a agência utilizava a ferramenta alegando haver casos de “segurança de Estado” — e, portanto, não estava quebrando o sigilo telefônico.
A Abin foi criada com o intuito de produzir relatórios para auxiliar a Presidência da República na tomada de decisões sobre os diferentes assuntos, em especial no que diz à defesa, alertando sobre possíveis ameaças, internas e externas.