BRASÍLIA – O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disse, em um áudio ao pastor Silas Malafaia, que a negociação para retirada das tarifas aplicadas pelos Estados Unidos a produtos brasileiros está condicionada à aprovação de anistia aos condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023 e outros eventos relacionados à suposta trama golpista.
“Malafaia, o que eu mais tenho feito é conversar com pessoas mais acertadas no tocante que se não começar votando a anistia, não tem negociação sobre tarifas. Não adianta um ou outro governador querer ir para os Estados Unidos, para embaixada, tentar sensibilizar. Não vai conseguir. Da minha parte, é por aí”, disse Bolsonaro.
Durante a conversa, o ex-presidente também disse ao pastor que não gostaria de se expor publicamente no caso do tarifaço. Ao anunciar uma série de ações contra o Brasil e autoridades brasileiras, como o tarifaço de 50% contra importações de produtos do país, Donald Trump disse que agia motivado em defesa de Bolsonaro, por considerar que o ex-presidente, seu aliado, sofre “perseguição”, uma injustiça.
“Eu também não posso me expor, como você quer que eu me exponha, porque não resolve nada. Se eu der uma de machão, não resolve nada. Eu tenho meus contatos, não falo com ninguém. Resolveu a anistia, resolveu tudo. Não resolveu, já era”, completou Bolsonaro na conversa com Malafaia.
Este é um dos diálogos travados por meio de WhatsApp recuperados pela Polícia Federal (PF) e que estão no relatório para o indiciamento de Jair Bolsonaro e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) pelos crimes de coação no curso de processo e abolição do Estado democrático de direito ao tentar interferir no julgamento da ação penal do golpe, em curso no Supremo Tribunal Federal (STF).
Ambos foram indiciados nesta quarta-feira (20/8). Logo em seguida, o relatório foi tornado público. Ele descreve os indícios de crimes cometidos pelo ex-presidente e o filho e foi enviado ao gabinete do ministro do STF Alexandre de Moraes. Em seu despacho, Moraes determinou a aplicação de medidas restritivas contra o pastor Silas Malafaia, alvo de busca e apreensão e de retenção de passaporte na noite de quarta-feira.
Juntos, os crimes de coação no curso do processo e abolição violenta do Estado democrático de direito podem levar à prisão de Bolsonaro e do filho por até 12 anos. Enquanto a pena prevista para coação é de um a quatro anos de reclusão, a pena para abolição violenta do Estado democrático de direito é entre quatro e oito anos.
Ainda na quarta-feira, Eduardo Bolsonaro classificou a operação, que também indiciou Jair Bolsonaro, como “lamentável” e “vergonhosa”. “É lamentável e vergonhoso ver a Polícia Federal tratar como crime o vazamento de conversas privadas, absolutamente normais, entre pai e filho e seus aliados. O objetivo é evidente: não se trata de justiça, mas de provocar desgaste político”, declarou Eduardo na rede social X.
Já Silas Malafaia disse, que foi abordado por policiais federais no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, ao chegar de Lisboa, Portugal, que Alexandre de Moraes é um criminoso que precisa ser retirado do cargo e preso. “O criminoso Alexandre de Moraes, que denuncio há quatro anos, estabeleceu o crime de opinião no Estado democrático de direito. Até onde isso vai? Não tenho medo de ditadores. Não sou bandido”, afirmou.
Eduardo disse que intenção é salvar o pai
Em um diálogo com o pai, Eduardo Bolsonaro deixou claro que sua movimentação nos EUA por sanções a autoridades brasileiras visa salvar apenas o ex-presidente das ações em andamento no Supremo, e não anistiar todos os condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023 e outros episódios da suposta tentativa de golpe de Estado.
“Se a anistia light passar, a última ajuda vinda dos EUA terá sido o post do Trump. Eles não irão mais ajudar. Temos que decidir entre ajudar o Brasil, brecar o STF e resgatar a democracia ou enviar o pessoal que esteve num protesto que evoluiu para uma baderna para casa num semiaberto”, disse Eduardo ao pai, em 7 de julho de 2025.
“Neste cenário vc: não teria mais amparo dos EUA, o que conseguimos a duras penas aqui, bem como estaria igualmente condenado final de agosto”, prosseguiu Eduardo. “Eu acho que não vale a pena, mas te oriento a buscar conselho com outras pessoas. Tire do cálculo o apoio dos EUA, qual estratégia vc tem para atingir qual objetivo? É simples”.
Em seguida, Eduardo Bolsonaro finaliza dizendo que iria “acordar de olho nas redes do Trump, torcendo para (…) que ele já traga novidades sobre ações”. O deputado enviou a mensagem ao pai após o post do presidente norte-americano, Donald Trump. Na Truth Social, o republicano escreveu que Bolsonaro é alvo de perseguição.
A PF diz que Eduardo enviou mensagens ao pai “evidenciando que a reação dos investigados não seria uma anistia para os condenados pelos atos golpistas realizados no dia 8 de janeiro de 2023, mas sim, interesses pessoais, no sentido de obter uma condição de impunidade de Jair Bolsonaro na ação penal em curso por tentativa de golpe de Estado”.
Carta a Milei por asilo na Argentina
O relatório da PF também cita uma minuta de um pedido de asilo de Bolsonaro ao presidente da Argentina, Javier Milei, encontrada no material apreendido. “Embora se trate de um único documento em formato editável, sem data e assinatura, seu teor revela que o réu, desde a deflagração da operação Tempus Veritatis, planejou atos para fugir do país”, apontou a instituição.
Reproduzida pela PF no relatório, a minuta, que traz versículos dos livros de João e dos Salmos, pedia asilo “em regime de urgência”. Ao escrevê-la, Bolsonaro disse “temer” pela própria vida e um “novo atentado político”. O ex-presidente ainda defendeu que preencheria todos os “requisitos legais” para ter guarida na Argentina.
Segundo a PF, a minuta foi salva no celular de Bolsonaro no dia 10 de fevereiro de 2024 e a criadora e última autora do documento é a esposa do filho e senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Fernanda Antunes Figueira Bolsonaro. O período em que a minuta foi salva foi ainda antes de o ex-presidente ser indiciado por tentativa de golpe de Estado.
Além de encaminhar o relatório da PF à PGR, Moraes intimou Bolsonaro a se manifestar em 48 horas, ou seja, até a próxima sexta-feira (22/8). O ministro do STF pediu esclarecimentos sobre os “reiterados descumprimentos das medidas cautelares impostas”, a “reiteração das condutas ilícitas” e a existência do “comprovado risco de fuga”.
PF aponta transferências suspeitas para esposas
A PF diz ainda que Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro usaram as contas de suas esposas em transações fracionadas para não chamar a atenção de órgãos de controle e evitar bloqueios de valores por ordem do ministro Alexandre de Moraes.
Há indícios de que Eduardo usou a conta bancária da esposa, Heloísa, para esconder recursos recebidos pelo seu pai. A PF diz que o deputado fez dois repasses para a esposa “como forma de escamotear” os valores antes encaminhados a ele pelo pai. Mecanismo semelhante teria sido empregado por Jair Bolsonaro com sua esposa, Michelle.
O ex-presidente transferiu ao menos R$ 2 milhões ao filho em maio. Antes, ele fez seis repasses por Pix a Eduardo que totalizam R$ 110 mil. Jair Bolsonaro também transferiu R$ 2 milhões para Michelle em 4 de junho, um dia antes de prestar depoimento à PF. Ele não informou aos investigadores os repasses por Pix a Eduardo e sobre a transferência para Michelle, diz a PF.
As informações constam em relatório da PF divulgado na quarta-feira para o indiciamento de ambos por suspeitas de coação e abolição violenta do Estado democrático de direito. Eles foram citados em um inquérito provocado pela atuação de Eduardo por sanções ao Brasil nos Estados Unidos.
Para a PF, as transações apontam que Jair e Eduardo Bolsonaro usaram “diversos artifícios para dissimular a origem e o destino de recursos financeiros, com o intuito de financiamento e suporte das atividades de natureza ilícita do parlamentar licenciado no exterior”.
A PF descobriu a movimentação de pai e filho por meio da quebra do sigilo bancário do ex-presidente de dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), com autorização do STF. Cabe ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, avaliar o relatório da PF para decidir se denunciará ou não Bolsonaro e Eduardo.
A partir dos dados do Coaf, foi identificado que “desde o início do ano de 2025 – quanto ao repasse de recursos substanciais do primeiro para o segundo, de forma reiterada e fracionada, como forma de evitar o acionamento de mecanismos de controle legal, a partir da remessa de valores abaixo dos limites legais exigidos para o acionamento automático em sistemas de monitoramento bancário”.
O relatório da PF diz que Jair Bolsonaro fez seis transferências para Eduardo no começo de 2025, que totalizaram R$ 111 mil. O filho do presidente está nos Estados Unidos desde março, para onde se mudou alegando que só retornaria ao Brasil após conseguir o fim das investigações contra o pai e o impeachment de Alexandre de Moraes.
Conforme a PF, em 13 de maio, Jair Bolsonaro mandou, de forma “atípica”, R$ 2 milhões para Eduardo. O valor já havia sido citado pelo ex-presidente em entrevista à imprensa. O relatório mostra ainda que ele fez câmbio de R$ 105 mil em dólares, mesmo proibido de sair do país. Os valores foram encontrados pela PF durante busca e apreensão na casa de Jair Bolsonaro, em 18 de julho.
“Na ocasião, foram arrecadados USD$ 13.400 (treze mil e quatrocentos dólares) divididos em dois locais distintos. USD$ 7.400 (sete mil e quatrocentos dólares) encontrados no quarto de JAIR BOLSONARO, em uma gaveta de roupas; e USD$ 6.000 (seis mil dólares) encontrados no escritório da residência, no interior de uma gaveta pertencente a mesa de trabalho do ex-presidente”, detalha o relatório.
Segundo os investigadores, a disposição do dinheiro indica que os valores pertenciam efetivamente a Bolsonaro. Apesar da justificativa para despesas menores durante viagens oficiais do ex-presidente, conforme o relatório, o elevado número de transações em dinheiro vivo levanta suspeitas, por dificultar a rastreabilidade e indicar possível vínculo com atividades ilícitas.