Desvios milionários

PGR pede afastamento de Gladson Cameli, governador do Acre, por supostas fraudes

PGR denuncia governador do Acre, a mulher, dois irmãos dele, servidores públicos, empresários e pessoas que teriam atuado como “laranjas em fraudes

Por Renato Alves
Publicado em 30 de novembro de 2023 | 11:37
 
 
 
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A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o afastamento imediato do governador do Acre, Gladson Cameli (PP). Ele é acusado de comandar um esquema de fraude em licitações desde 2019 que deram prejuízo de R$ 150 milhões aos cofres do Estado.

O subprocurador-geral da República, Carlos Frederico Santos, ofereceu, na terça-feira (28), denúncia contra Cameli e outras 12 pessoas pelos crimes de organização criminosa, corrupção nas modalidades ativa e passiva, peculato, lavagem de dinheiro e fraude a licitação. Somadas, as penas ultrapassam 40 anos de reclusão. 

Entre os denunciados, além do governador, estão a mulher de Cameli, dois irmãos dele, servidores públicos, empresários e pessoas que teriam atuado como “laranjas” no esquema.

Na denúncia ao STJ, a PGR afirma que o dinheiro público desviado beneficiou diretamente o governador do Acre e parentes dele. “É inegável o desvio dos recursos públicos, os quais deveriam ser empregados na execução das obras, mas foram desviados em favor de familiares do governador do Estado”.

Os pedidos da PGR serão analisados pela ministra Nancy Andrighi e não têm prazo para decisão. Cameli está em Dubai, para a COP 28, em uma comitiva do governo do Acre. Ele nem sua assessoria haviam se manifestado sobre a denúncia da PGR até a mais recente atualização desta reportagem.

Fraudes e direcionamento em ao menos oito contratos

No documento enviado ao STF, o subprocurador-geral da República aponta fraudes ou direcionamento em ao menos oito contratos firmados em quatro anos pelo governo do Acre. O primeiro deles foi assinado em 2019 e trata de manutenção predial com uma empresa de engenharia, no valor de R$ 24,3 milhões. 

De acordo com a denúncia, “um dia após celebrar contrato milionário com o Estado do Acre, a empresa sem qualquer know-how específico da localidade de execução dos serviços, contratou indiretamente e de forma velada a empresa do irmão do governador, a qual igualmente não possuía atividade no Estado do Acre e passou a receber vantagens advindas da execução do pacto com o governo estadual”.

Ainda conforme a denúncia da PGR, “as evidências são claras de que Gledson Cameli, irmão do governador, conhecia a empresa e realizou com seus sócios e os demais coautores um pacto para dividir a execução e os lucros decorrentes do contrato”. A partir do direcionamento deste contrato, houve sobrepreço R$ 8,8 milhões e um superfaturamento de R$ 2,9 milhões, segundo a PGR. 

Denúncia fala em propinas para o governador, incluindo apartamento de luxo em SP

As irregularidades citadas na denúncia envolvem a “contratação fraudulenta” da empresa Murano Construções LTDA, que recebeu R$ 18 milhões dos cofres do Acre para obras de engenharia viária e de edificação. 

De acordo com as investigações, a Murano Construções e empresas subcontratadas – uma das quais tem como sócio Gledson Cameli – teriam pagado mais de R$ 6,1 milhões em propina ao governador, por meio de parcelas de um apartamento em bairro nobre de São Paulo e de um carro de luxo. 

A PGR identificou nove transferências de dinheiro entre a construtora contratada pelo governo do Acre e a empresa do irmão do governador, totalizando R$ 1,6 milhão, segundo a denúncia feita ao STJ.

Esquema envolve empresa com sede em Brasília

Embora a denúncia trate apenas dos crimes praticados no âmbito do contrato firmado pelo governo estadual do Acre com a Murano, a PGR aponta provas de que o esquema se manteve mesmo após o encerramento da contratação. 

Ao longo de quase 200 páginas, o MPF apresenta indícios dos crimes praticados e que tiveram como ponto de partida a fraude licitatória. Esta consistiu na adesão da Secretaria de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano do Estado do Acre a uma ata de registro de preços vencida pela empresa Murano, que tem sede em Brasília e nunca havia prestado serviços no Estado do Acre.

O objeto da licitação feita pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano (campus Ceres, Goiás) era a prestação de “serviços comuns de engenharia referentes à manutenção predial”. Já no Acre, a empresa foi responsável pela execução de grandes obras rodoviárias, tarefas executadas, conforme a denúncia, por companhias subcontratadas, uma delas a Rio Negro Construções, que tem como sócio Gledson Cameli.

Conforme a denúncia, a adesão à ata de registro de preços foi feita em maio de 2019 pelo secretário de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano, Thiago Rodrigues Gonçalves Caetano, um dos denunciados pelo MPF. Uma semana depois, o governo estadual, por meio da secretaria, assinou contrato com a vencedora do certame licitatório efetivado por meio de pregão eletrônico.

Os investigadores descobriram que, no dia seguinte à contratação, a Murano firmou com a Rio Negro uma Sociedade em Conta de Participação. Para Carlos Frederico Santos, o modelo de sociedade foi escolhido por permitir que o sócio – no caso, o irmão do governador, que por lei não pode contratar com o poder público – permanecesse oculto, segundo a investigação.

As informações reunidas ao longo da investigação comprovaram, de acordo com a PGR, que 64,4% do total pago pelo estado à Murano decorreu da suposta execução de obras viárias, sobretudo manutenção e construção de rodovias e estradas vicinais, serviços diversos do previsto no contrato.

“Aproximadamente dois terços do valor pago correspondem a objeto totalmente estranho ao contratado, em claro desvirtuamento do princípio da isonomia”, pontua um dos trechos da denúncia. Para os investigadores, a burla à licitação está amplamente configurada, pois o objeto real das obras (a construção de rodovias) deveria ter sido tratado em processo licitatório específico.

Também chamou a atenção o fato de a empresa Murano não ter nenhuma estrutura empresarial no Acre. Além disso, a descoberta de que essa subcontratação se deu em favor de uma empresa do irmão do governador revela, na avaliação dos investigadores, a utilização de expediente ilegal para encobrir o real destinatário dos recursos, o chefe do Executivo, apontado como o líder da organização criminosa.

Governador recebeu centenas de pequenos depósitos em espécie em suas contas, segundo a PF

A Polícia Federal realizou em março uma operação para apurar suspeitas de desvio de dinheiro público e que miravam Gladson Cameli. A investigação que apontou que governador do Acre passou a receber centenas de pequenos depósitos em espécie em suas contas desde que assumiu o cargo, em 2019, baseou a denúncia feita pela PGR ao STJ na última terça-feira. 

As cifras enviadas, de acordo com a PF, saltaram de R$ 149 mil um ano antes de assumir para R$ 880 mil em 2021, o que representa um aumento de 490% no período.

Gladson Cameli, que tem 45 anos, já foi senador da República. Ele entrou na vida pública aos 28 anos, quando foi eleito pela primeira vez deputado federal com 18.886 votos. Em 2010, foi eleito pela segunda vez deputado federal com 32.623 votos.

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