Dez anos depois de milhões de brasileiros terem ido às ruas em manifestações que começaram contra a tarifa do transporte público, especialistas conectam os atos de junho de 2013 com a história recente da política brasileira.

Há dez anos, o Brasil foi tomado por uma série de manifestações que se iniciaram com insatisfações sobre as tarifas de ônibus e depois agregou pautas e grupos que se diziam apolíticos e sem uma liderança instituída, virando a política brasileira de cabeça para baixo. 

Dilma Rousseff (PT) ocupava a cadeira da Presidência da República, e o cenário era, até então, de aprovação popular. A partir de junho de 2013, contudo, um novo ciclo político se iniciaria: vieram, em sequência, a operação Lava Jato, o impeachment da petista e a eleição de Jair Bolsonaro (PL). 

Para o cientista político Adriano Cerqueira, professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), junho foi apenas o começo. Para ele, o período entre 2013 e 2016 deixou fortes marcas na organização social do país. “Alterou a política brasileira. As megamanifestações de 2013 foram o pontapé inicial para o fim da polarização entre PT e PSDB e mudaram a forma como a política foi feita no Brasil desde a redemocratização”, diz. 

Foi a partir das jornadas de junho de 2013 que surgiu mais tarde, no segundo mandato de Dilma Rousseff, um movimento de oposição política. Dessa vez, a operação Lava Jato, que investigou o escândalo de corrupção da Petrobras, unificou o discurso de oposição e provocou uma campanha em defesa da ética na política, influenciada por forças de extrema direita com o lema “Fora Dilma, fora PT”.

Ascensão conservadora

Esse processo serviu como alavanca para que novas demandas ganhassem força, destaca Christopher Mendonça, cientista político do Ibmec. Época que, segundo ele, impulsionou grupos com ideais políticos de considerável relevância para os acontecimentos que viriam a seguir. “Os grupos nacionalistas, conservadores e até liberais, que deram combustível ao bolsonarismo, viram a oportunidade de se desenvolver diante da insatisfação popular. Um exemplo entre tantos outros é o Movimento Brasil Livre (MBL). A direita começou a se organizar nessa época, tomou conta do país e hoje faz equilíbrio frente à organização da esquerda”, afirma. 

E os jovens que foram para rua naquela época, majoritariamente, à medida que amadureceram, derivaram para posições mais conservadoras. 

Segundo a professora Geane Alzamora, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), não se trata de um fenômeno exclusivo do Brasil, mas que ganhou destaque na organização política nacional. “Muitas das lideranças que se colocaram em 2013 como apartidárias eram jovens e compreendiam o funcionamento das mídias sociais, que eram novidade naquele momento. Eles se tornaram, dez anos depois, referências importantes na política. Principalmente naquilo que a gente chama de ‘nova direita’. Fenômeno que chamamos de emergência de novos populismos”, explica. 

Esquerda envelhecida

Para Christopher Mendonça, a questão central é que os espaços da esquerda já estavam preenchidos por lideranças históricas e não houve brecha para o surgimento de novos atores, enquanto, na direita, tudo era novidade. “As lideranças da esquerda nascem na década de 1980, quando eles polarizaram contra o regime militar. Já a direita começou a se organizar mesmo dez anos atrás, nas manifestações de 2013”, conclui Mendonça.

Direita saiu na frente no uso de redes sociais

As redes sociais foram a ferramenta para mobilizar as manifestações de 2013, e nos anos seguintes viraram a grande trincheira de batalha na radicalização da política nacional. Um embate na qual a esquerda entrou com atraso. “A esquerda estava mais ou menos confortável no poder, enquanto os grupos conservadores mais à direita usavam as redes sociais como instrumento para divulgar críticas ideológicas, pautas direitistas e propor mobilização”, lembra o cientista político Adriano Cerqueira. 

Para a professora Geane Alzamora, o domínio da direita nas redes sociais é sinal de envelhecimento das práticas políticas da esquerda. “Eles tiveram dificuldades de se comunicar efetivamente nas redes sociais e continuaram trabalhando com referências da primeira metade do século XX, enquanto novos grupos de direita estavam mais relacionados com as questões das mídias emergentes”, avalia. 

Para Marcos Paulo Reis Quadros, cientista político e pró-reitor da Universidade Estácio, os grupos conservadores nascidos em 2013 e base para o bolsonarismo em 2018 tiveram o mérito de fazer uma síntese do caldeirão de insatisfações que borbulhava nas ruas. “Eles sintetizaram em quatro pontos: o antipetismo; um apelo por liberalização do Estado; um discurso mais conservador nas culturas; e um maior rigor penal”, explica o professor. 

Juventude e conservadorismo acabaram sendo a receita de sucesso para as lideranças que se criaram na esteira de 2013. Em Minas, por exemplo, o deputado estadual mais votado, Bruno Engler (PL), e o deputado federal mais votado, Nikolas Ferreira (PL), têm menos de 30 anos e sustentam sua atuação no discurso conservador. 

Ainda que os grandes beneficiados com 2013 estejam na direita, militantes de esquerda que participaram da organização dos primeiros protestos de 2013, como o vereador de Belo Horizonte Bruno Pedralva (PT), dizem que vitórias importantes foram obtidas e não podem ser esquecidas. 

“No início de tudo estavam reivindicações por melhorias urbanas e a redução das passagens no transporte público. Pontos que tiveram avanços na época e ainda hoje seguem com destaque na pauta dos políticos”, lembra Pedralva.