A pandemia de coronavírus, que deve tirar dos cofres de Minas Gerais pelo menos R$ 7,5 bilhões de arrecadação do principal imposto estadual, o ICMS, até o fim do ano, além de elevar as despesas a índices ainda não conhecidos, vem na esteira de uma série de reveses financeiros enfrentados pelo governador Romeu Zema (Novo) desde que assumiu o Estado. Se antes da pandemia já estava difícil reequilibrar as contas, especialistas apontam agora não haver nenhuma previsão para que Minas volte a fechar o ano no azul.
Antes mesmo de assumir o governo, Zema recebeu Minas com um déficit de R$ 34,5 bilhões deixados pelo ex-governador Fernando Pimentel (PT), que entregou o Estado com o 13º salário de 2018 em aberto. Semanas após tomar posse, o governo de Minas enfrentou o rompimento da barragem da mineradora Vale, em Brumadinho. Segundo Izak Silva, economista da Federação das Indústrias do Estado (Fiemg), o impacto na arrecadação foi grande.
Ele cita que em 2018 a produção da indústria extrativa em Minas foi de aproximadamente 230 milhões de toneladas (das quais a extração de minério de ferro responde por 80%). Em 2019, esse total caiu para 130 milhões de toneladas.
A despeito de todas as medidas tomadas, como a reforma administrativa, que extinguiu nove secretarias (o governo tinha 21 e passou para 12), as finanças do Estado sempre estiveram no vermelho ao longo de 2019. Tanto que o déficit para o Orçamento de 2020 aumentou R$ 1,9 bilhões num espaço de dois meses, passando para R$ 13,2 bilhões. Somado ao rombo herdado da gestão anterior, o Estado começou 2020 com um déficit total de R$ 47,7 bilhões.
O ano mal começou e Minas enfrentou as fortes chuvas de janeiro, que afetaram centenas de cidades, com impactos diretos na economia dos municípios e também no Estado. Dois meses depois, o Estado – assim como o Brasil e o mundo – se viu imerso em uma crise sem precedentes na história recente.
Em uma declaração via rede social na última quinta-feira, o próprio Zema reconheceu as dificuldades e afirmou que a situação é catastrófica. “Para um Estado que já tinha um déficit previsto para este ano de R$ 13 bilhões, e que esse déficit venha a subir mais R$ 7,5 bilhões, é uma situação, eu diria, crítica, para não dizer quase catastrófica”.
Especialistas ouvidos por O TEMPO destacam que a situação é alarmante. Na avaliação deles, será preciso, inclusive, rever parte ou totalmente a bandeira que vinha sendo defendida até então pela equipe econômica do Palácio Tiradentes: a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) da União e a venda de estatais como forma de angariar recursos para fazer frente às despesas do Estado.
“Passado o momento dos gastos emergenciais (em função da pandemia), muito provavelmente a conversa (entre o governo e a União) deve voltar. Só que esse momento de incerteza é muito grande, a gente não sabe como que vai ser a condução da política fiscal do governo federal”, analisa Rafael Ribeiro, professor de economia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O especialista diz que antes mesmo da pandemia a adesão de Minas ao RRF já era questionável, e diz que será preciso analisar a narrativa econômica e fiscal após a crise. “Depois da pandemia, a gente tem que ver como as correlações de forças políticas vão se acomodar, para sabermos quais os grupos de pressão serão mais fortes ou não. Não dá para saber, hoje, se uma narrativa que era vigente antes da pandemia, mais favorável ao ajuste fiscal, se terá a mesma força no momento pós-pandemia”.
Coordenador do curso de administração do Ibmec, Eduardo Coutinho concorda em partes. “O recurso de qualquer ente federativo só tem uma fonte: a arrecadação de impostos. Se você tem uma arrecadação insuficiente, é preciso dar um jeito. Tem que fazer a despesa caber dentro da receita, e isso é inevitável. A questão do ajuste fiscal vai se tornar ainda mais emergente e importante, porque você vai ter um problema adicional agora, que é a piora nas contas do governo”.
Apesar de defender a adesão ao RRF, o especialista faz ressalvas com relação às privatizações. “Elas são uma ideia para tirar do Estado atividades que não cabem a ele tomar conta. Não necessariamente isso resolve o problema fiscal”, diz, reforçando que a venda de estatais só conseguiria equilibrar as contas caso o Estado tivesse um grande patrimônio e que pudesse ser vendido de forma rápida. “Ainda assim, esse processo teria que vir acompanhado de mecanismos que impedissem a situação fiscal de se agravar no futuro. É uma equação complicada”, alerta.
Desde que assumiu o governo, Romeu Zema vem defendendo a venda de empresas como a Cemig, a Copasa e a Codemig – o projeto que prevê a privatização desta última foi enviado para a Assembleia Legislativa (ALMG) em novembro de 2019, mas segue parado desde então.
Tempo
Ambos os especialistas destacam que ainda é muito cedo para traçar um cenário de saída da crise. Eles ressaltam que é preciso enfrentar, primeiro, os problemas sanitários – e o Brasil sequer atingiu ainda o pico de novos casos, conforme estimativas do governo. “Vai depender da capacidade de recuperação econômica da atividade como um todo. Depende da liberdade que se tem para fazer os ajustes de gastos, porque atualmente as despesas obrigatórias comprometem uma grande parcela da arrecadação total”, observa Coutinho.
Outros fatores que vão entrar nesta equação dizem respeito à situação dos trabalhadores e das empresas. “Se o governo federal não der assistência para aqueles que perderam emprego e ficaram em casa, muitos vão vir a óbito, e, além da perda de vida, haverá também a perda da força de trabalho. As empresas também vão quebrar se não tiverem crédito a custo zero e facilitado nesse momento. Se você tem a perda da força de trabalho e de capital, a recuperação da economia vai ser muito mais lenta”, argumenta Ribeiro.
Fundo do poço
Mesmo com todas as dificuldade, os especialistas foram enfáticos ao dizer que a situação da economia mineira pode piorar ainda mais. “É difícil falar em fundo do poço. Ele pode ser ilusório e pode ser que haja um andar de baixo ainda, mas (a crise) coloca (o Estado) numa situação bastante delicada, que vai exigir um esforço de recuperação ainda maior do que o realizado em 2019”, afirma Coutinho.
“Infelizmente, a lição que tem que ficar dos últimos anos é que o fundo do poço parece nunca chegar. Minas tem pouca margem de manobra e o que fazer nesse momento”, acrescenta Ribeiro, comparando o Estado a uma família, que não dispõe de meios para aumentar a renda e precisa readequar as despesas.
“O governo não tem autonomia para emitir dívida ou imprimir moeda, como o governo federal. Então, essa questão de como o Estado vai poder sair do buraco passa por outras instâncias”, diz, citando a relação futura com o governo federal.
A reportagem entrou em contato com o governo para repercutir o assunto, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.