"Não foi um episódio. Foi uma política de Estado: a ditadura escancarada". Essa é a definição do ex-padre Michel Le Ven para a repressão militar, instaurada no país após o golpe militar de 1964. O francês, que diz ainda sofrer com o passado, foi um dos protagonistas daquele que ficou conhecido como "movimento dos padres franceses". Junto dele, outros dois sacerdotes da França e um diácono brasileiro ficaram presos por 72 dias, acusados de subversão.
Le Ven, Francisco Xavier Berthou, Hervé Croguenec, e o brasileiro José Geraldo da Cruz foram penalizados pela ditadura, que, perseguiu, além de políticos, militantes da Igreja Católica.
Os quatro personagens ilustram diversos documentos do Departamento de Ordem Política e Social de Minas Gerais (Dops-MG) - disponíveis, agora, no Arquivo Público de Minas Gerais. Eles registram a repressão do regime sobre os movimentos sociais capitaneados pela Igreja. Muitos desses jovens e sacerdotes integravam a Juventude Operária Católica (JOC), além de participarem dos movimentos da Ação Popular (AP).
O então padre Le Ven chegou ao Brasil em 1965, assumindo a paróquia do Horto em 1966. Ele já militava nos movimentos sociais da França e fez parte de um grupo de padres e freiras que denunciava as constantes prisões de estudantes brasileiros após o golpe de 1964.
Em 1968, quando recrudescia a repreensão militar, o caso da igreja do Horto, em Belo Horizonte, ganhou notoriedade. Em um dos documentos, datado de 30 de novembro, o tenente-coronel Newton Dias da Motta relata que, ao se apurar atividades subversivas no meio estudantil, surgiram os nomes dos três padres franceses e do diácono brasileiro. Solicitando outras informações ao comando policial, recebeu como resposta dados detalhados sobre atividades subversivas, "que os mesmos vinham desenvolvendo junto a estudantes e ao operário metalúrgico".
Com a informação de que Le Ven iria viajar para a França, os militares solicitaram a execução de um mandado de busca e apreensão na residência dos religiosos.
"Intimei-os a prestar declarações sobre a vasta documentação de cunho subversivo, que foi apreendida em poder dos mesmos, e, diante das respostas dos interrogatórios à face daquela documentação, solicitei a prisão preventiva dos citados elementos no dia 29 de novembro de 1968", informa o documento. As prisões foram executadas no dia 2 de dezembro de 1968.
Depois de passar mais de dois meses preso, Le Ven avalia que a perseguição ainda durou muitos anos. Ele acredita que sua atuação foi monitorada por mais de uma década. "Foi até 1979, quando João Batista (Figueiredo) virou presidente. Ele fez tudo para me expulsar do país. Ou grampeavam meu telefone ou vigiavam minha casa", relata.
- Portal O Tempo
- Política
- Artigo
Passado ainda pesa sobre padre francês
Michel Le Ven, um dos presos em 1968 na igreja do Horto, é prova de que a repressão também atingiu religiosos ligados a movimentos populares
Clique e participe do nosso canal no WhatsApp