Às vésperas de encerrar o subsídio de R$ 237,5 milhões às operadoras do sistema de transporte público, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) reduziu em mais de 50% o repasse de R$ 10 milhões previsto para janeiro. Apenas R$ 4,8 milhões foram repassados pelo Município após os consórcios BH Leste e Dez descumprirem o mínimo de viagens diárias. A penalização foi divulgada nesta sexta-feira (24) no 7º Relatório do Subsídio do Transporte Público da Superintendência de Mobilidade (Sumob).

É a primeira vez que ao menos um dos quatro consórcios deixa de receber uma das parcelas do acordo costurado entre a Prefeitura de BH, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SetraBH) e a Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) ainda em junho de 2022 - Lei 11.367, de 2022. Restam ainda dois repasses, sendo um referente a fevereiro e outro a março. Ambas também são de R$ 10 milhões. 

O cumprimento de, no mínimo, 21.708 viagens por dia útil é justamente uma das contrapartidas exigidas aos consórcios para a concessão do subsídio. De acordo com a Prefeitura, “a suspensão do subsídio (em janeiro) não descarta as demais sanções e responsabilizações previstas aos dois consórcios (BH Leste e Dez), como aplicação de multa por infração ao quadro de horários”. Dos R$ 4.832.455,74 referentes a janeiro, o consórcio Pampulha recebeu R$ 2.486.878,81 e o Dom Pedro II, R$ 2.345.576,93.

Questionado, o SetraBH afirma que o pagamento parcial violaria a Lei 11.367, de 2022. A entidade acrescenta que já interpôs um recurso administrativo contra a sanção. “O SetraBH esclarece que o pagamento menor do repasse do subsídio acordado com o poder concedente para o mês de janeiro de 2023 foi devido à ocorrência de greve dos trabalhadores do sistema no dia 16 de janeiro de 2023. Cabe destacar que a própria PBH se manifestou dizendo que o movimento era ilegal e abusivo”, ponderou. Caberá à Secretaria de Política Urbana a análise do recurso.

O superintendente de Mobilidade de Belo Horizonte, André Dantas, reforça que a Prefeitura entende que havia condicionantes legais no acordo e tais condicionantes foram descumpridas. “Como é de conhecimento de todos, quando isso acontecesse, e se acontecesse, as medidas cabíveis seriam tomadas”, pontua. De acordo com Dantas, a Sumob e a Prefeitura, avalizadas pela Procuradoria-Geral do Município, cumpriram o entendimento da Lei. “Se há uma controvérsia, que as pessoas busquem os canais necessários para atuar”, reitera. 

À época, quando os trabalhadores entraram em greve, o SetraBH sinalizou que seria necessário um reajuste tarifário de R$ 4,50 para R$ 4,87, já que "o congelamento das tarifas desde 2018 e os aumentos nos custos de 2018 até a presente data estrangularam financeiramente as empresas". Assim, o aumento absorveria a proposta de reajuste salarial feito pelo SetraBH aos trabalhadores de 8,2%, uma vez que as condições salariais provocaram a mobilização. 

Além de cumprir um mínimo de viagens por dia útil, uma das contrapartidas ao subsídio era justamente a manutenção da passagem em R$ 4,50, e, ainda, a apresentação de uma proposta de reformulação da tarifa ou a repactuação do contrato. Entretanto, ainda em dezembro de 2022, o prefeito Fuad Noman (PSD), como já havia adiantado em exclusiva a O TEMPO, encaminhou à Câmara de BH uma proposta para estender o subsídio ao menos até abril. 

‘Não existiu um comportamento solidário das empresas’

Questionado, Dantas aponta como improvável que, caso o recurso do SetraBH seja deferido pela Secretaria de Política Urbana, os consórcios BH Leste e Dez embolsem os R$ 5,1 milhões cortados pela Prefeitura de BH. “Quero crer que nós colocamos todas as evidências comprovando que não existiu um comportamento solidário para efetivar os serviços no dia e isso prejudicou a população, e, por esses motivos todos, nós temos muita segurança de que o subsídio não é devido”, diz.

O superintendente de Mobilidade de Belo Horizonte acrescenta que, além da redução do subsídio, foram feitas 1.200 autuações contra os consórcios em 16 de janeiro. “Elas vão passar por todo o processo de recursos, tramitação dentro da Junta Administrativa, que é um órgão independente, etc.”, explica. Entretanto, ele não soube informar os valores. “É um processo que, primeiro, tem a autuação, depois é quantificada e ainda vai para a Junta”, reitera. Além das sanções, há notificações por descumprimentos contratuais, que também já originaram “um processo de penalização com multa possível”, observa ele.

Dantas refuta que a sanção aos consórcios possa criar um conflito às vésperas do fim do subsídio. “Não vejo atrito nenhum, principalmente da minha parte, não sei da parte deles”, responde. De acordo com o superintendente de Mobilidade, a reunião entre o SetraBH e a Sumob após a sanção ser notificada teria sido tranquila. “Acho que existe um interesse mútuo em construir uma solução e isso nós estamos construindo junto com a CMBH, que é por meio do Projeto de Lei 442, de 2022, em que existirá uma parte da remuneração com base na tarifa e uma parte paga por viagens por quilômetro”, pondera.

“Mínimo que a prefeitura poderia fazer”, diz presidente da Câmara

O vereador Gabriel Azevedo (sem partido), presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte, afirma que a prefeitura “fez o mínimo” e criticou a não-apresentação de parte dos itens acordados. O prazo estabelecido, de um ano, termina em março de 2023, quando o último pagamento do subsídio será feito.  

“Não pagar o subsídio para quem não cumpriu o número de viagens previsto no acordo é o mínimo que a prefeitura de Belo Horizonte poderia fazer. É importante lembrar, entretanto, que a Prefeitura também não cumpriu a sua parte no acordo, sobre apresentar outro modelo para o contrato de transporte, já que é certo que como está é impossível continuar. Atualmente, os únicos projetos que tratam sobre o tema são de iniciativa parlamentar, que eu e outros colegas vereadores somos autores. O projeto de lei 442/22, de minha autoria, muda o sistema de remuneração de prestação de serviço para a quilometragem. Ou seja, se não houver as viagens não há pagamento por serviço. Certamente, esse texto vai melhorar o atendimento ao cidadão, dado que o empresário vai sentir no bolso caso não atenda a população de modo decente com viajantes em quantidade que garantam que não haja superlotação para os usuários”, argumenta Gabriel. 
 
O parlamentar cita o não-cumprimento de quatro itens no acordo – 11, 12, 16 e 17. Questionado, Gabriel avalia que a prefeitura não tem vontade política para cumprir os pontos. 
 
Respectivamente, os artigos 11, 12, 16 e 17 preveem que “as partes se comprometem a desenvolver mecanismos para potencializar as receitas advindas da publicidade dos ônibus como parte da revisão contratual”; “o Município de Belo Horizonte se compromete a gradualmente buscar a incorporação das ponderações do item 4 do Oficio n. 40/2022/PGSSM/MPC, de 4 de maio de 2022, nos balancetes mensais de desempenho da prestação do serviço”; “as partes se comprometem a, no prazo de até um ano, apresentar proposta de reformulação da tarifa e de modernização e/ou repactuação do contrato” e “as partes apresentarão, no prazo de até um ano, projeto de aplicativo de mobilidade com inovações para facilitar o pagamento e a utilização do transporte público em Belo Horizonte com foco no usuário, sem ônus financeiros para o Município”.

Prefeitura diz que mudanças estão “nas mãos da Câmara”

Em resposta às críticas de Gabriel, a prefeitura de Belo Horizonte informou, em nota, que as mudanças estão “nas mãos da Câmara”. O Executivo pontuou “que a alternativa defendida pelo município para manter o atual valor da tarifa e melhorar a qualidade do serviço de transporte público prestado na capital está em tramitação na Câmara Municipal, por meio de emenda substitutiva 01/23 ao projeto 442/22”. 
 
“A emenda foi apresentada pelo vereador e líder de governo Bruno Miranda e construída em conjunto com o Executivo. Está nas mãos da Câmara a colocação do projeto em pauta para apreciação dos vereadores em segundo turno”, completa.