Para entender o crescimento do movimento que chamam de extrema direita no Brasil, um grupo de pesquisadores decidiu criar o Observatório da Extrema Direita na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
De acordo com um dos coordenadores do grupo, o professor de história contemporânea Odilon Caldeira Neto, a proposta “surge de uma necessidade de interpretar a extrema direita do Brasil e mundial em torno de seus novos processos, novas dinâmicas e novas facetas”.
Segundo o pesquisador, os movimentos de extrema direita são caracterizados por serem “antidemocráticos e apresentarem caráter nacionalista, um certo nativismo do discurso, uma prática reacionária, além do conservadorismo e do o populismo em torno dos símbolos pátrios”. Entre as expressões da direita radical no mundo, Neto citou a Inglaterra, com o primeiro-ministro Boris Johnson, os Estados Unidos, com o presidente Donald Trump, e o próprio Brasil, com a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018.
“Algumas dessas características estão presentes no bolsonarismo. O bolsonarismo tem muitos elementos da extrema direita histórica do Brasil, tanto de elementos autoritários de grupos nacionalistas quanto de grupos fascistas”, avalia Caldeira Neto.
O professor pondera que há uma discussão sobre o bolsonarismo ser considerado extrema direita porque parte dele prega abertamente uma ruptura com a ordem institucional democrática e outra não. “Então, tem tendências no bolsonarismo que são antidemocráticas e podem ser alocadas na extrema direita e tem tendências no bolsonarismo que têm uma narrativa mais populista e querem reformar a sociedade brasileira e a democracia e estão mais próximas da direita radical”, avalia.
O professor citou outros movimentos da extrema direita – como grupos intervencionistas que defendem o golpe militar, grupos neointegralistas, neonazistas, entre outros. Caldeira Neto também lembrou episódios recentes associados a essas expressões no Brasil, como o caso do ataque à produtora Porta dos Fundos, em dezembro do ano passado, por conta de um vídeo em que Jesus era retratado como homossexual. O ataque a bomba na sede da empresa foi associado a movimentos integralistas - que possuem caráter nacionalista e autoritário e defendem valores religiosos e conservadores.
A proposta dos pesquisadores é justamente “olhar a extrema direita atual e também olhar a história da extrema-direita e fornecer uma interface de articulação com a sociedade civil de interpretação desse fenômeno”.
Extrema-direita no Brasil
Caldeira Neto explica que os movimentos de extrema direita no Brasil surgem logo após a proclamação da República, com a criação da Ação Integralista Brasileira (AIB), que foi um movimento ultranacionalista, conservador e católico de extrema-direita inspirado no fascismo italiano. “Durante os anos 30, a Ação Integralista Brasileira foi o primeiro partido de massas da política nacional”, disse o professor, que dedicou parte de suas pesquisas ao movimento.
Os integralistas brasileiros ficaram conhecidos como “camisas-verdes” e o movimento, criado por Plínio Salgado em 1932, deixou de existir oficialmente pouco tempo depois, em 1937. No entanto, isso não significa que os ideais integralistas deixaram o país. “Claro que teve fases em que extrema direita foi mais articulada e mais organizada, teve mais militantes, mas esse foi um movimento de grande expressão e de grande força política no processo da construção do golpe de 64 e também durante a ditadura”, afirma o pesquisador.
Agora, os movimentos neointegralistas, como são chamados após a morte de Plínio Salgado em 1975, e outras expressões da extrema-direita encontraram terreno fértil novamente. “Em momentos de crise política e crise econômica, esses discursos conseguem garantir mais impacto político e social. Então, não é de se espantar que, nos últimos anos, os discursos da extrema-direita tenham ganhado bastante expressão no Brasil, até porque é um discurso que preza muito por soluções fáceis ou falsas soluções fáceis para problemas complexos”, explica Caldeira Neto.
Ainda segundo ele, os movimentos atuais guardam paralelos com o fascismo em relação à xenofobia, discursos conspiracionistas, e visão acerca das crises econômicas, mas não são uma reedição do passado. “O que a gente está passando não é uma repetição do fascismo, não é uma repetição daquela conjuntura do século XX, é uma repetição de algumas bandeiras mas com novas roupagens e questões”, avalia o professor.
Pesquisador lança livro sobre o movimento integralista no Brasil
Amanhã, Odilon Caldeira Neto, juntamente com o também professor e pesquisador da UFJF, Leandro Pereira Gonçalves, lançam o livro "O fascismo em camisas verdes: do integralismo ao neointegralismo" (FGV Editora).
Segundo Caldeira Neto, a obra é um compilado de trabalhos realizados pelos historiadores e faz uma reflexão “sobre a atualidade do fascismo e do neofascismo e também da história do fascismo no Brasil, por meio da história do integralismo de 1930 até a atualidade”.
Ele explica ainda que o livro tem uma linguagem acessível para que não fique limitado ao meio acadêmico. “Nossa ideia é justamente trazer décadas da história da extrema-direita em um livro acessível, não muito extenso e de uma linguagem simples e agradável.É claro que a temática não é fácil mas é uma tentativa de tornar acessível um tema muito complexo e também muito urgente para a sociedade brasileira”, resumiu o autor.
O lançamento acontecerá amanhã, às 18h, em um webinar mediado pelo jornalista Otávio Guedes com transmissão pelo canal da FGV no YouTube. O livro estará disponível para venda em versão impressa e em e-book.