PLANO DIRETOR

Projeto da PBH quer liberar comércio em áreas residenciais de bairros históricos

Mudanças foram discutidas e aprovadas na VI Conferência Municipal de Política Urbana, ocorrida em novembro de 2022

Por Gabriel Ronan e Mariana Cavalcanti
Publicado em 05 de março de 2024 | 07:00
 
 
 
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Novas mudanças para uma das políticas públicas mais debatidas em Belo Horizonte. O prefeito Fuad Noman (PSD) enviou à Câmara Municipal  o Projeto de Lei 857/2024, que promove alterações no Plano Diretor da cidade. Pela proposta, a prefeitura quer autorizar a instalação de comércio em áreas hoje proibidas por esse regramento. Caso o texto seja sancionado, as flexibilizações vão acontecer em trechos dos bairros Belvedere e São Bento, na região Centro-Sul da capital; Pampulha, na região de mesmo nome; Santa Tereza, no setor Leste; e Lagoinha, no Noroeste de Belo Horizonte.

Todos esses bairros estão nas chamadas Áreas de Diretrizes Especiais (ADEs), ou seja, locais da cidade abrangidos por regras diferenciadas, justamente por abrigarem parte importante do patrimônio histórico da capital mineira. As ADEs também podem ser adotadas como mecanismo de proteção de bacias hidrográficas, como alternativa de revitalização de áreas degradadas ou pela necessidade de implantação de projetos viários. Na justificativa apresentada à Câmara e assinada pelo prefeito Fuad, a prefeitura entende que o texto "representa importante atualização das regras urbanísticas [...] com objetivo de garantir maior dinamização econômica para a cidade".

A prefeitura propôs as mudanças com base nas discussões da VI Conferência Municipal de Política Urbana, ocorrida em novembro de 2022. Na ocasião, houve a defesa do conceito de "Unidade de Vizinhança Qualificada (UVQ)". Essa estratégia foi importada da Prefeitura de Paris. Na prática, o objetivo é garantir ao cidadão morador de BH autonomia para resolver todas as suas necessidades cotidianas perto de casa. Daí, a necessidade de flexibilizar o Plano Diretor nas áreas citadas. Essa alternativa contribui, na visão dos especialistas ouvidos à época, para uma cidade mais sustentável, contribuindo para a diminuição do uso de combustíveis fósseis, por exemplo.

Apesar disso, o presidente da Associação dos Amigos do Bairro Belvedere (AABB), Ubirajara Pires, afirma não conhecer os reais impactos da medida. “As modificações daqui já estão no Plano Diretor (as regras especiais), mas nós vamos ter uma reunião na sexta-feira (8), na Câmara, para ver esse assunto. Vamos entender melhor o que está sendo procurado (pela prefeitura)”, diz.

A presidente do Movimento Lagoinha Viva, Teresa Vergueiro, diz que os moradores da Lagoinha não foram informados sobre as mudanças sugeridas pela prefeitura no projeto. “Nós participamos da conferência, mas isso não foi falado em momento algum. Eu passei tudo para o meu advogado. O advogado do Movimento Lagoinha Viva está analisando tudo e, com certeza, a prefeitura vai ter o seu retorno, porque as coisas não funcionam dessa forma.  O prefeito tem sido desrespeitoso com a população de Belo Horizonte, basta a gente ver o que ele está fazendo lá na Pampulha (o corte de árvores para realização da corrida da Stock Car)”, afirma.

A Associação Comunitária do Bairro Santa Tereza é mais uma a se opor à ideia. "Lutamos fortemente, junto com outras entidades, para que essas alterações não fossem adiante. Fomos vencidos por um conselho nitidamente favorável às políticas de favorecimento aos empresários, que vêm sendo praticadas em BH há alguns anos. Dessa forma, estamos mobilizando toda a comunidade para juntos esclarecermos aos vereadores a incoerência que temos nessa proposta. Um dos fatores mais importantes é que o modo de vida dos moradores tem que ser preservado. Já estamos vivendo um movimento desproporcional no bairro com as liberações favoráveis aos bares e restaurantes", informa a nota da entidade.

O problema trazido pela Associação Comunitária do Bairro Santa Tereza foi questionado pela atual deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL) durante a VI Conferência Municipal de Política Urbana, quando ela ainda era vereadora. O alerta dela se baseava justamente na desproporção entre os setores que participavam da agenda. "Temos 37 inscrições do setor empresarial, 27 do setor popular e 23 inscrições do setor técnico. Ou seja, há uma predominância do setor empresarial para discutir o recorte de ADEs que estão no alvo do interesse imobiliário de descaracterização desses espaços", disse.

As associações da Pampulha e do São Bento foram procuradas, mas não retornaram o contato.

Presidente e líder a favor

Na contramão das associações e da deputada Bella Gonçalves, o presidente da Câmara de BH, o vereador Gabriel Azevedo (sem partido), diz que a proposta é boa para a cidade. Segundo ele, a Casa aguardava o protocolo do projeto desde fevereiro de 2023. “Esta Casa está comprometida com quem empreende, quer ver a cidade crescer. Os bairros precisam de padarias, farmácias, comércios, o que ajuda também na mobilidade”, afirma. “Agradeço a prefeitura por ter enviado o projeto, mesmo com um ano de atraso. (...) Isso aqui é a vida de muitos empreendedores, a renda de muitos trabalhadores”, completa.

Gabriel usa como exemplo o caso da avenida Santa Rosa, na Pampulha, onde hoje funciona um supermercado de luxo. Aprovado no ano passado, o Projeto de Lei 447/2022, de autoria dele e de outros seis vereadores, alterou as regras do Plano Diretor para permitir a instalação de imóveis não-residenciais no local. "Pampulha é um dos lugares da cidade que mais precisa de ter uma modificação para que aquele bairro não morra. Um bairro precisa de padaria, farmácia, comércio... Até para ajudar na mobilidade. [...] Se a gente não tivesse feito isso no início do ano passado, possivelmente o empreendimento estaria fechado. Gente demitida, gente na rua”, diz.

O líder do governo Fuad Noman, o vereador Bruno Miranda (PDT), também defende a proposta. "Essa atualização da legislação está sendo feita porque houve deliberação na conferência. É uma atualização dos usos das vias públicas na cidade. A cidade é dinâmica. Existem locais onde você não pode ter uma padaria, uma farmácia, que são demandas da comunidade, tanto que foi aprovado na conferência", afirma.

Professora na pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG e pesquisadora do Observatório das Metrópoles, Jupira Mendonça acredita que as mudanças propostas não são “exatamente um problema”. Ela explica que durante as discussões sobre o Plano Diretor que vigorou na cidade entre 1996 e 2006, a principal justificativa para rejeitar o uso não residencial era evitar a circulação de pessoas estranhas nos bairros.

“Esse movimento pressiona os bairros e o próprio sistema viário, então, a princípio, o uso não residencial não é um problema, depende muito do tipo de uso, do porte das atividades e de uma ampla discussão, considerando que a lei do Plano Diretor faculta essas mudanças antes dos oito anos, desde que tenha participação pública, e até onde eu sei a última Conferência Municipal de Política Urbana teve como tema exatamente as ADEs”, comentou a pesquisadora.

Nos bastidores da Câmara, o entendimento é de que o projeto deve passar sem sustos em plenário, apesar do protocolo recente da prefeitura ainda dificultar uma análise mais ampla. No entanto, em outra mudança recente no Plano Diretor, a redução dos custos da outorga onerosa (taxa que um empreendedor precisa pagar para construir acima dos limites do regramento), a prefeitura obteve sucesso com folga: 33 votos favoráveis e sete contrários. O projeto tramita na primeira comissão da Câmara, a de Legislação e Justiça. O parecer cabe à vereadora Fernanda Pereira Altoé (Novo).

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