A Justiça Federal no Distrito Federal determinou na terça-feira (12) que o governo tem 72h para explicar por qual razão decretou sigilo de 100 anos das informações do cartão de vacinação do presidente da República. Como toda decisão de primeira instância acerca de ações do governo federal, deve ser vista com reservas. Neste caso específico, discordo frontalmente da decisão, motivada por uma ação do PT, e acredito que o presidente tem sim direito à privacidade das informações de seu cartão de vacinação. Ainda que fosse louvável que divulgasse os dados.
De um modo geral, sempre defendi aqui o acesso público e irrestrito de todos os dados de autoridades e órgãos públicos. Isso é fundamental para que o cidadão possa fiscalizar e julgar as ações de seus governantes. No caso específico, porém, sendo algo afeito totalmente à vida privada do presidente e não havendo qualquer indício de que tenha corrido alguma irregularidade nesse âmbito, tal pensamento não faz sentido. Afinal, que diferença vai fazer para o cidadão se o presidente foi ou não vacinado quando criança ou nas campanhas anuais contra a gripe?
Se a vacina fosse obrigatória no país seria diferente. Aí, diante das falas do presidente contrárias à obrigatoriedade da vacina, até faria sentido pedir o acesso ao documentos para comprovar se o presidente cumpria efetivamente essa exigência. Mas não é o caso. É claro que se a vacina de Covid ou outra tornar-se requisito para qualquer ato da vida social – e eu defendo que se torne de fato –, o presidente terá que comprovar tal vacinação na esfera determinada, como é com todo mundo. Mas, por mais que o presidente não seja uma pessoa comum por estar em um cargo público, isso tem limites.
Há aí até mesmo um aspecto de segurança para uma figura tão exposta a riscos como o ocupante do Palácio do Planalto. Imagine como é perigoso que eventuais detratores, no âmbito interno ou externo, saibam a quais doenças o presidente está imune e a quais não está? Não é razoável que essas informações de saúde sejam preservadas?
Alguns podem traçar um paralelo desse caso com o episódio do exame de Covid do presidente. Há uma diferença aí. Na ocasião, o presidente perambulava sem máscara e se aglomerando, enquanto vários de seus assessores tinham diagnóstico positivo da doença. Assim, havia a hipótese do cometimento de um crime contra a saúde pública, o que justificaria o esclarecimento público, como foi feito após uma batalha na Justiça.
Voltando ao cartão de vacinação, é até compreensível o pedido da revista Época para ter acesso ao cartão em razão das falas do presidente contra a vacina. Serviria possivelmente para demonstrar a hipocrisia ou a incoerência do presidente no debate público. A missão do jornalismo é essa. Mas não há aí ilegalidade da negativa de acesso. Podemos até discutir se havia a necessidade da classificação de sigilo por 100 anos, mas exigir a divulgação, como pede a ação judicial da oposição, parece exagero. Como é exagerada também, e eu já defendi isso algumas vezes, a judicialização e atuação de magistrados de primeira instância em casos envolvendo o Palácio do Planalto. Uma racionalização nesse aspecto precisa ser discutida no país.