Política em Análise

Consequências da guerra na eleição brasileira

Foco da população no conflito tende a adiar a pauta eleitoral na cabeça do cidadão comum, que também sofrerá com inflação mais pesada

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 03 de março de 2022 | 11:11
 
 
 
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Diante de tamanho horror da guerra para as populações atingidas, soa até absurdo ter que tratar de seus efeitos secundários. Mas, sendo nossa missão, cabe analisar as consequências do conflito no campo eleitoral brasileiro, que são várias. Se em uma primeira observação nota-se que as posições dos políticos do país dão o tom do debate, há outras alterações mais práticas e relevantes no cenário e que, certamente, vão impactar a disputa que ocorrerá em outubro deste ano.

Uma das consequências que já está sendo sentida é o adiamento do debate eleitoral na cabeça da maioria dos brasileiros. Nós que trabalhamos com comunicação e lidamos com dados de audiência temos essa percepção muito nítida. O cidadão comum, que passou meses de olho na pandemia, está agora de olho na guerra. A eleição será tratada depois. Isso faz enorme diferença, sobretudo para os candidatos de terceira via e que tentam quebrar a polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL). Eles contavam que, nesse momento, com o início da propaganda partidária na televisão, conseguiriam incutir o assunto eleição no debate do dia a dia desse cidadão comum. A propaganda começou no sábado, com o PSOL fazendo críticas a Bolsonaro, e prossegue com o PDT estampando Ciro Gomes em suas aparições na TV. Na próxima semana virá o MDB de Simone Tebet. Havia enorme expectativa de que essas pequenas inserções ao longo da programação da televisão aberta e do rádio pudessem fazer com que esses nomes tivessem mais atenção e subissem nas pesquisas. 

Mas o povo está de olho agora é na guerra. Não por acaso, os candidatos que buscam contrapor Lula e Bolsonaro trabalham arduamente nas críticas ao posicionamento dos dois líderes da disputa em relação ao conflito na Ucrânia. De fato, eu mesmo aqui na coluna falei ontem sobre a dificuldade que esses dois nomes têm tido para condenar severamente a Rússia por conta da invasão ucraniana. Com cenas dramáticas de cidadãos, incluindo crianças e idosos, sofrendo e fugindo sendo exibidas em rede nacionais o dia todo, a posição de ambos faz sim toda a diferença, embora atinja os que já estão mais envolvidos no debate eleitoral nas redes sociais.

A maior consequência da guerra na eleição de 2022, porém, será indireta e relacionada ao efeito que ela trará para a inflação e o crescimento da economia brasileiras. São enormes os riscos de uma alta ainda maior de preços. Devemos lembrar que, no ano passado, a inflação anual já alcançou os dois dígitos. Para 2022, as expectativas iniciais de que ficariam dentro da meta do Banco Central já foram derrubadas antes da guerra. Agora, a tendência é que possamos repetir o cenário terrível do ano passado, o que é absolutamente desgastante para quem está no poder.

Os riscos estão por toda a parte. Há tendência de aumento no preço dos alimentos, seja por conta do impacto da importação de trigo da Rússia (Argentina vive seca e deixa de ser alternativa) ou por conta da provável escassez de fertilizantes, o que vai impactar na produção de diversos outros produtos no Brasil. Há alta forte no preço do petróleo, o que tende a elevar os preços dos combustíveis e turbinar o debate sobre a política de preços praticada pela Petrobras e tolerada pelo governo em nome da independência da companhia. Combustíveis em alta se refletem no preço de todos os demais produtos, que precisam ser transportados. Assim como os custos de transporte, também a energia tem essa característica de afetar os preços da economia profundamente. Com o aumento do preço do gás em razão do conflito, a tendência é que o uso das térmicas no Brasil fique mais caro. Ainda que tenha chovido bastante nesse início de ano, o regime de precipitação no Brasil tem demonstrado uma irregularidade que faz com que os reservatórios se esvaziem ao longo do ano sendo quase sempre inevitável usar as térmicas, que são pagas pelo consumidor na conta de luz. Ao receber sua conta mais cara no fim do mês, dificilmente o cidadão comum fará a associação de que a culpa para isso é de Putin. Provavelmente, vai culpar Bolsonaro e os governadores que batalham pela reeleição. 

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