BRASÍLIA – Cerca de 15 mil médicos cubanos atuam em mais de 60 países, por meio de parceria com o governo da ilha caribenha. Isso levou a administração de Donald Trump a revogar vistos de funcionários do governo brasileiro ligados ao programa Mais Médicos.

A decisão foi divulgada nesta quarta-feira (13/8) pelo secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio. Ele afirmou que ambos atuaram no “esquema de exportação de trabalho forçado do regime cubano”, em referência à participação de médicos cubanos no programa entre 2013 e 2018.

O secretário de Trump ainda impôs restrições a autoridades de países africanos, de Cuba e de Granada, sob a acusação de privar a população cubana de cuidados médicos essenciais, sem citar o embargo dos EUA, que impede a chegada de medicamentos à ilha.

Por outro lado, nenhuma autoridade dos outros países que recebem médicos cubanos sofreu qualquer sanção por causa da parceria. A Itália, por exemplo, tem mais de 300 médicos cubanos. Eles trabalham na região da Calábria, distribuídos em 27 hospitais.

Recentemente a Brigada Médica Cubana foi homenageada com uma placa de agradecimento entregue pelo presidente da Associação Nacional de Amizade Itália-Cuba (Anaic), Marco Papacci. A cerimônia, realizada em Cosenza, destacou a atuação dos profissionais na linha de frente da saúde.

“Decidimos honrá-los com esta placa para expressar nosso mais profundo agradecimento pelo que fizeram, fazem e continuarão a fazer, não apenas pelo nosso país, mas pela humanidade”, afirmou Papacci.

A Brigada Médica Cubana atua na Calábria desde dezembro de 2022, com profissionais em 23 especialidades, presentes nas cinco províncias da região — Cosenza, Catanzaro, Crotone, Reggio Calabria e Vibo Valentia. A Itália tem como primeira-ministra Giorgia Meloni, considerada uma representante da extrema-direita, aliada de Trump.

O contrato firmado entre os governos de Cuba e da Itália prevé a exportação de até 497 médicos da ilha caribenha para o país europeu. A Itália paga, a cada um, 3.500 euros por mês (cerca de R$ 19,4 mil), além de um auxílio de 1.200 euros destinado a custear moradia e alimentação. 

Cuba diz ter um excedente de médicos, o que permite parcerias como essa. O país conta com 75 mil médicos, o equivalente a um para cada 160 habitantes, a taxa mais alta da América Latina. Já a Calábria sofre uma escassez de médicos desde 2010, parte de uma crise de saúde em todo o país.

Durante a pandemia da Covid-19, cerca de 40 países dos cinco continentes, incluindo a Itália, receberam médicos cubanos. Desde a revolução em 1959, liderada por Fidel Castro, Cuba enviou médicos para locais de desastres e surtos de doenças em todo o mundo. Na última década, eles combateram a cólera no Haiti e o ebola na África Ocidental.

O que é o Mais Médicos

Criado no Brasil em 2013, durante o governo de Dilma Rousseff (PT), quando o ministro da Saúde era o mesmo que atualmente ocupa o cargo, Alexandre Padilha, o programa Mais Médicos visava melhorar o atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).

A proposta era levar médicos para regiões prioritárias, remotas e de difícil acesso, onde havia escassez de profissionais, além de promover a formação e qualificação de médicos por meio de parcerias com instituições de ensino. 

A prioridade era para profissionais brasileiros, mas estrangeiros preenchiam as vagas remanescentes. Os médicos recebiam bolsa federal e atuavam principalmente na Atenção Primária à Saúde, responsável por resolver cerca de 80% dos problemas de saúde.

Com baixa adesão de profissionais brasileiros, em sua primeira fase, o Mais Médicos era composto, em sua maioria, por cubanos. Em 2015, dos 18,1 mil profissionais atuantes no programa, 60% vinham de Cuba, segundo o Ministério da Saúde.

Os cubanos eram recrutados por meio de convênio com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), que ficava responsável por repassar os valores recebidos do governo brasileiro para Cuba – o regime ficava com até 70% dos salários dos médicos.

Nesses cinco primeiros anos de Mais Médicos, a iniciativa do governo brasileiro alcançou áreas de difícil acesso e alta vulnerabilidade social, incluindo distritos indígenas, e chegou a mais de 4 mil municípios, beneficiando mais de 63 milhões de pessoas. 

Os médicos estavam em todos os 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas. Em mais de 700 cidades, o atendimento médico regular foi oferecido pela primeira vez. Em 2016, o programa era responsável por 48% das equipes de Atenção Básica em municípios com até 10 mil habitantes e garantia 100% da cobertura em 1,1 mil cidades.

Bolsonaro mudou programa

Em 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro (PL), Cuba decidiu deixar o convênio com o Brasil e a Opas para o Mais Médicos. O regime cubano alegou serem “inaceitáveis” as exigências feitas pelo governo Bolsonaro, para que os médicos tivessem que passar pelo Revalida (para validar diplomas obtidos no exterior) e recebessem o salário integralmente.

O governo Bolsonaro renomeou o programa, que passou a se chamar Médicos pelo Brasil e ainda está em vigor. Ele exige registro ativo no Conselho Regional de Medicina (CRM) brasileiro, com um processo seletivo, por meio de etapas classificatórias e eliminatórias realizadas pela Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps).

Os profissionais aprovados ingressam como bolsistas, ganhando, nos dois primeiros anos, uma bolsa-formação de R$ 15 mil mensais, período em que realizam a especialização obrigatória em Medicina de Família e Comunidade (MFC). Ao concluir a formação e serem aprovados na avaliação final, são contratados no regime celetista pela Adaps, com plano de carreira estruturado e possibilidade de progressão salarial.

Em 2023, com a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), houve uma retomada do Mais Médicos, com o nome Mais Médicos para o Brasil, desta vez priorizando os médicos nacionais. 

O Mais Médicos tem 28 mil vagas para profissionais da pares em 4.547 municípios, beneficiando 73 milhões de brasileiros, segundo o Ministério da Saúde. 

Em janeiro de 2025, o Médicos pelo Brasil contabilizava 4.073 médicos bolsistas e 442 tutores atuando na formação em MFC. Juntos, os dois programas reúnem 26.468 médicos, em 81,6% dos municípios brasileiros.

Do total, 2.659 são de Cuba, o que corresponde a 10%. Entre os cubanos, 1.064 têm registro no CRM obtido via Revalida, e 1.593 são intercambistas, que vêm ao Brasil apenas para ocupar vagas não preenchidas por profissionais brasileiros, independentemente da situação de seus diplomas.