Minas Gerais

Seis em cada dez siglas não possuem nem 35% de candidaturas femininas

Dados do TSE apontam que são raros os exemplos de partidos que ultrapassam os percentuais definidos pela legislação.

Por Lucas Morais
Publicado em 10 de setembro de 2022 | 15:00
 
 
 
normal

Políticas públicas que reduzem as desigualdades sociais, leis de combate à violência e propostas para melhorar a vida das pessoas. Diariamente, as casas legislativas do país tratam sobre temas que impactam cada cidadão do país e, por isso, os parlamentares são tão importantes. A cada eleição, volta ao debate a baixa representatividade feminina nas bancadas. Com mais de 51% da população, as deputadas federais representam apenas 15% do Congresso Nacional. Em Minas Gerais, o percentual é ainda menor e não chega a 12%.

Desde 2009, a legislação eleitoral obriga que pelo menos 30% das candidaturas ao Legislativo do país sejam compostas por mulheres. E passados quase 13 anos, a maioria esmagadora dos partidos no estado apenas cumpre percentuais próximos à cláusula imposta. É o que apontou um levantamento realizado pela plataforma Lagom Data com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Das 32 siglas registradas, 21 não ultrapassam 34,9% de pleiteantes aos cargos de deputada estadual ou federal. Há ainda partidos que por pouco não cumpriram a lei.

Para a eleição a deputadas estaduais e federais, o PDT atingiu 29,79% do total de candidaturas femininas, enquanto o PV e Agir ficaram com exatos 30%.. Os casos positivos são raros e apenas seis partidos em Minas Gerais conseguiram atingir mais de 40%.

O maior índice é da Unidade Popular, sigla que foi registrada oficialmente em dezembro de 2019. No caso da disputa para as casas legislativas, 86% das candidaturas são femininas. Mas, para além disso, é necessário viabilizar as campanhas para que tenham chance de conquistar o voto. Em 2020, quando foi realizado o último pleito para as prefeituras e câmaras municipais, mais de 5.000 candidatos não receberam um voto sequer e, desse total, 65% foram mulheres. 

Os números da última pesquisa DATATEMPO também mostram o tamanho do desafio para ampliar a representatividade das mulheres: dos 77 nomes mais citados pelos entrevistados como possível voto para deputado estadual, apenas sete foram do sexo feminino, enquanto dos 53 para deputado federal, eram apenas duas. A secretária de Gestão de Atos Eleitorais e Partidários do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), Ana Eliza Pandolfi, lembra que só nas últimas eleições municipais, cinco municípios tiveram vereadores eleitos cassados e os votos anulados por conta dos partidos não terem cumprido a cota feminina. 

“Foi constatada alguma irregularidade que fez cair todas as candidaturas legislativas do partido. Isso é algo muito grave, já que há dinheiro envolvido na campanha e, no final, tudo que foi feito é perdido por falta de observância às cotas. A legislação vem endurecendo as penalidades, para que as campanhas femininas sejam de fato efetivas”, pontua.

Índices de representatividade 

Para a professora de Ciência Política e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem) da UFMG, Marlise Matos, o índice de representatividade feminina no Congresso Nacional aponta que o problema não é de sub-representação, mas de exclusão política. “Quando você olha para as Américas, que inclui Estados Unidos e Canadá, estão praticando algo em torno de 36% de representação de mulheres nos parlamentos federais. No Brasil, temos 15% na Câmara, e só chegamos nesse percentual na última eleição. Vínhamos praticando menos de 10% desde 1995, quando tivemos a primeira legislação de cotas”, frisa.

Conforme Marlise, o índice brasileiro empata com o Paraguai e só está à frente no continente de países como Bahamas, Belize e Haiti. “Quando comparamos com os países que estão nessa mesma faixa de representação, quais países estamos falando? Gabão, Uzbequistão, Arábia Saudita, são esses os pares do Brasil quando olhamos para o sistema internacional. Estamos em uma situação realmente lamentável”. A especialista ressalta ainda que tudo isso é reflexo de uma cultura patriarcal e amplamente machista, voltada para o homem branco ocupar os espaços políticos.

“Já entrevistei inúmeras lideranças partidárias, da extrema direita à extrema esquerda, e todas tinham esse discurso de que procuram as mulheres e têm dificuldade. Isso é uma mentira, os partidos políticos hoje são as estruturas que obstaculizam, que fazem o maior filtro à representação política de mulheres. E mesmo quando eleitas, os problemas e obstáculos não acabam, porque elas são também estigmatizadas e quando não violentadas nesses espaços”, argumenta.

Apesar dessa situação, Marlise acrescenta que há um processo de alavancagem das candidaturas femininas neste ano, reflexo principalmente dos últimos cinco anos. “Antes mesmo do feminicídio político de Marielle Franco, temos em um crescente movimento de empoderamento das candidaturas. É um princípio da democracia o pluralismo político, e isso não temos no Brasil, tanto na perspectiva de gênero, de raça, de classe”.

Problema não é só dos partidos

A especialista argumenta ainda que a falta de representatividade feminina nas casas legislativas não é um problema apenas dos partidos. “É uma situação que está contextualizada em toda a sociedade. Os partidos buscam estimular essas candidaturas, mas muitas vezes não estão organizados o suficiente para efetivar isso. Não sabemos se conseguem se organizar de uma maneira geral, quanto mais focar em uma campanha feminina”, afirma.

Segundo Ana Eliza Pandolfi, há inclusive siglas tradicionais que sequer conseguiram entregar as candidaturas com a documentação completa e, por isso, tiveram diversas ressalvas. “É inconcebível pensar em um partido que entrega os registros em que todos os processos são necessários baixar em diligência por falta de algo. E isso reflete em tudo”. A secretária do TRE-MG explica ainda que só é possível verificar a efetividade das campanhas femininas, com a destinação de recursos pelos partidos, durante as prestações de contas.

“Existem casos de haver uma singela movimentação, apesar da obrigatoriedade dos recursos serem aplicados. Mas há uma brecha (na legislação) sobre o valor destinado, que pode ser aplicado em outras campanhas desde que haja benefício para a candidatura dessas mulheres, como uma propaganda em conjunto com um homem. Pode ser que chegue à campanha feminina e, na hora de apurar as contas, todo o recurso foi destinado para parceiros”, enfatiza.

Candidata a deputada estadual da Unidade Popular, que atingiu 100% de candidaturas femininas para o Congresso, Poliana Souza disse que muitas vezes os partidos preferem privilegiar homens brancos e ricos para concorrer aos cargos. “Quando nos inserimos na política, dificilmente estamos nos espaços centrais. Se a gente pensar a política como um processo de construção de cidade, as mulheres estão inclusas em quase tudo, até porque somos a maioria da população. Agora, quando se pensa na política institucional, nos espaços parlamentares, a participação das mulheres é minúscula”.

Paridade na disputa ao governo mineiro

Fato inédito desde a redemocratização, a disputa pelo Governo de Minas Gerais tem 50% de candidatas mulheres - cinco dos dez nomes que concorrem ao pleito: Indira Xavier (UP), Lorene Figueiredo (PSOL), Lourdes Francisco (PCO), Renata Regina (PCB) e Vanessa Portugal (PSTU). Porém, dos cinco partidos, apenas uma das siglas, o PSOL, tem acesso à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão por conta da representação no Congresso Nacional. Todas têm pontuação menor que 2% na última pesquisa DATATEMPO para o Palácio Tiradentes.

Em nenhum outro Estado do país, conforme os dados do TSE, houve paridade na eleição majoritária. Para a secretária de Gestão de Atos Eleitorais e Partidários do TRE-MG, Ana Eliza Pandolfi, a situação foi uma surpresa. “Comparando com outros, vimos que só Minas teve esse percentual de 50%. Em São Paulo, foi uma mulher de dez candidatos, no Espírito Santo não teve nenhuma, e no Rio, dos nove nomes, só uma é mulher. Isso surpreende quando fazemos a comparação”, diz.

A professora da UFMG Marlise Matos pontua que essa já é uma conquista importante em um dos Estados mais conservadores do país. “As mulheres são muito mais aceitas no Legislativo, elas estão excluídas, estigmatizadas e quase sempre sofrendo violência, mas para cargos proporcionais têm mais visibilidade e possibilidade de alcançar algum sucesso. Para os cargos majoritários, os homens decididamente não abrem mão de serem os presidentes, governadores e prefeitos”, afirma.

Mesmo com a pequena possibilidade de eleição desse grupo de mulheres, o valor simbólico, segundo a especialista, é muito importante. “Primeiro demarca uma caminhada e apresenta para a sociedade mulheres que têm capacidade e, se eleitas, vão contribuir de maneira muito significativa. E se não eleitas, já contribuíram com o simbolismo de estarem disputando, mesmo com ar rarefeito e todas as formas de violência e estigmatização de cargos como esse”.

 

 

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!