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Tragédia em Mariana: empresas oferecem R$ 42 bi, e repactuação volta a esfriar

A proposta foi muito aquém do esperado pelas autoridades, e as negociações serão retomadas no ano que vem

Por Gabriel Ronan
Publicado em 18 de dezembro de 2023 | 11:17
 
 
 
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A volta dos que não foram. Mais uma vez, as negociações pela repactuação do acordo pela Tragédia de Mariana, ocorrida há oito anos na região central de Minas Gerais, retornaram à estaca zero. Conforme apurou O TEMPO com fontes que participam das conversas, as empresas responsáveis pela barragem de Fundão – a Samarco e suas controladoras Vale e BHP Billiton –  fizeram uma proposta muito abaixo do esperado pelas autoridades: R$ 42 bilhões, valor, inclusive, muito aquém do que chegou a ser oferecido pelas mesmas companhias em setembro de 2021. 

As negociações estão suspensas no momento por decisão do desembargador federal Ricardo Machado Rabelo, do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), que faz a intermediação entre as partes. A retomada deve acontecer em fevereiro, quando novos termos devem ser discutidos. As autoridades querem um valor muito acima do acordo pela catástrofe de Brumadinho, firmado com a Vale em R$ 37,6 bilhões. 

Desde o início das conversas, a promessa era de que a repactuação de Mariana resultaria em valores muito acima dos pagos por Brumadinho, sobretudo pelo impacto ambiental causado pela Samarco na bacia do rio Doce. No entanto, a proposta de R$ 42 bilhões, que foi rechaçada de imediato pelas autoridades envolvidas, significaria uma diferença de apenas 13%, ou de aproximadamente R$ 5 bilhões em relação ao pago pela tragédia de janeiro de 2019. 

O pedido inicial das autoridades é de R$ 116 bilhões, conforme apurou a reportagem. No entanto, como em toda negociação, as partes precisam encontrar um meio-termo que agrade a todos, o que faria esse valor diminuir. Porém, a proposta de R$ 42 bilhões está muito aquém do razoável aos olhos dos órgãos públicos envolvidos, como os ministérios públicos Federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo; as defensorias públicas das mesmas esferas; os governos federal e estaduais; e parlamentares das duas unidades da federação. 

A reportagem também apurou que as empresas atenderam a diversas condicionantes exigidas pelo relatório temático da Câmara dos Deputados elaborado pelo parlamentar Helder Salomão (PT-ES). O documento lista 43 sugestões para serem incluídas no acordo. Algumas delas envolvem, inclusive, a aprovação e sanção de projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional. 

Neste ponto, o retorno das empresas satisfez as autoridades. Porém, com um valor tão baixo, essas questões, evidentemente, se tornaram secundárias. “Se o valor desagradar a esse ponto, não tem o que conversar sobre as condicionantes”, diz uma fonte.

Os deputados defendem, por exemplo, a construção de uma nova matriz de danos, que substitua a aplicada pela Fundação Renova – entidade criada para reparar os impactos do rompimento da barragem. O cálculo da indenização precisaria ser feito por instituições independentes, assim como a realização de estudos periódicos sobre a contaminação do meio ambiente e da população em decorrência dos cerca de 40 milhões de m³ de rejeitos despejados sobre o rio Doce.

Em nota, o Ministério Público Federal lamentou a postura das empresas. "Infelizmente, as companhias não têm se mostrado dispostas a realizar reparação efetiva de uma tragédia que já completou oito anos, tirou a vida de 19 pessoas, e deixou profundos danos socioambientais e econômicos para além da região diretamente atingida, impactando os estados de Minas Gerais, Espírito Santo e o país. Diante da não aceitação da oferta pelas demais partes envolvidas nas tratativas, recusaram-se a apresentar novas propostas".

Dívida com a União pesa

Outra fonte com a qual a reportagem de O TEMPO conversou acredita que a proposta apresentada pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e pelo presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), deputado estadual Tadeu Martins Leite (MDB), para resolver a dívida do estado com a União, como alternativa ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), dificultou as negociações sobre a repactuação de Mariana. 

Isso porque uma das receitas de Pacheco e Tadeuzinho para pagar a dívida de R$ 156 bilhões é usar parte do dinheiro do novo acordo da tragédia. Como Minas Gerais está com o “pires na mão”, as mineradoras teriam usado a situação fiscal complicada do Estado para fazer uma proposta menor. 

A ideia da proposta do presidente do Congresso é de que Minas Gerais ceda à União o crédito a que terá direito do acordo de reparação do rompimento da barragem da Mina do Fundão. Ao mesmo tempo, o governo federal se comprometeria com “a cláusula de aplicação da integralidade dos recursos no âmbito de Minas Gerais e seus municípios”, ou seja, seria obrigado a aplicar o dinheiro em Minas. 

Reunião no TRF-6

Diante do esfriamento das negociações, os deputados federais Rogério Correia (PT-MG) e Pedro Aihara (PRD-MG) vão se reunir com o TRF-6 na tarde desta segunda-feira para discutir a questão. Será entregue ao desembargador Ricardo Rabelo o relatório elaborado por Helder Salomão. O encontro acontece às 14h, na sede do TRF-6, na avenida Álvares Cabral, bairro Santo Agostinho, região Centro-Sul de Belo Horizonte.

Outros lados

Em nota, a Samarco informou que "reafirma seu compromisso em manter aberto o diálogo conduzido pelo Tribunal Regional da 6ª Região (TRF6), suspenso temporariamente até o início de 2024 devido ao recesso forense. O objetivo é alcançar uma solução definitiva e consensual, embasada em critérios técnicos, ambientais e sociais. A empresa reitera sua confiança na consecução de um acordo efetivo entre as partes envolvidas". 

A empresa também garantiu que "tem se empenhado para que o TTAC, firmado em 2016, seja o meio eficaz para a reparação". A mineradora afirma ter pago, até setembro deste ano, mais de 435 mil pessoas, a partir de um montante de R$ 33,38 bilhões.

Já a Vale esclareceu que "as negociações seguem em andamento, apesar da pausa de final de ano, conforme já publicado no site do TRF-6". A mineradora informa que "confia que as partes chegarão a bons termos quanto ao texto que vem sendo conjuntamente construído antes de definir o valor global do acordo. Como parte do processo de negociação, a companhia está avaliando as soluções possíveis, especialmente no tocante à definitividade e segurança jurídica, essenciais para a construção de um acordo efetivo".

Já a BHP Billiton respondeu que não irá se posicionar sobre a questão.

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