A troca no comando do Instituto Estadual Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), assinada na última quarta-feira (21) pelo governador Romeu Zema (Novo), expôs divergências entre a ex-presidente da instituição, Michele Arroyo, e a Secretaria de Estado de Cultura, que dão versões diferentes para o episódio. A decisão sobre a mudança partiu do alto escalão do governo, há alguns meses, e foi concretizada com a escolha para a vaga de Joel Campolina, professor e ex-presidente do Conselho de Arquitetura de Urbanismo de Minas Gerais (CAU-MG). Michele alega que não foi comunicada sobre a saída, tampouco sobre os motivos para tal, o que a Secretaria de Cultura e Turismo (Secult) nega.
De perfil técnico, ela comandava o Iepha desde 2015, na gestão de Fernando Pimentel (PT). Antes, entre 2013 e 2015, foi superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e ocupou vários cargos no setor na prefeitura de Belo Horizonte.
Em contato com a reportagem, Michele afirmou que ninguém do governo lhe disse o motivo da saída. “Tínhamos avançado nesses dois anos em relação a muitos projetos que alinhados diretamente com o governo, primeiro com o ex-secretário Marcelo Matte e, atualmente, com o secretário Leônidas. Fomos avançando em todos os projetos com muita dedicação, envolvimento grande de toda a equipe. Trabalho quase de 24 horas por causa dessa questão da pandemia que, claro, dificultou muito, com diretrizes da nova gestão de falta de recursos. Sem nenhum repasse, conseguimos criar uma grande rede em defesa do patrimônio cultural e também das prefeituras. Conseguimos recursos importantes, vindos de todas as formas: Lei Rouanet, lei estadual, parceria com as empresas, tudo para conseguir avançar nos projetos do Iepha. Aí veio aí nos últimos meses essa fala da necessidade de substituição, provavelmente por alinhamento político, mas isso foi comunicado ao secretário Leônidas e, em nenhum momento, foi falado diretamente a mim por parte dele”, diz.
Perguntada se foi pega de surpresa com a decisão, a ex-presidente do instituto afirmou que não, porque o responsável pela pasta “já vinha recebendo essa demanda nos últimos meses por parte do governo” e ela sabia da intenção. Porém, diz não ter sido comunicada oficialmente da substituição. Segundo Michele, o diálogo que até certo momento era possível, mas, por algum motivo, deixou de ser por parte do governo.
“Nos últimos meses eu já esperava, mas assumi um compromisso com a equipe do Iepha de que eu não ia pedir demissão porque tenho compromisso com o Iepha e com a política pública de patrimônio. Aí veio essa decisão comunicada pelo governo ao secretário Leônidas. Acredito que a escolha do meu substituto foi feita pelo (comando do) governo, e não pelo secretário. Quando (meses antes) o Leônidas me falou da necessidade de substituição, me disse que não concordava, que achava que não era necessário e nem adequado e que ele não iria escolher o nome. Então, segundo o que ele me relatou, a indicação foi feita pelo (comando do) governo”, diz.
Para Michele, havia um desconforto no alto escalão de Zema por ela ser remanescente da gestão Pimentel. Ela diz, porém, que sua atuação foi técnica e que o patrimônio não é de “um ou outro governo”. Michelle diz que, quando foi convidada a continuar pelo então secretário Marcelo Matte e pelo vice-governador Paulo Brant, houve um alinhamento em relação aos aspectos de condução do instituto.
Outra versão
Procurado, o secretário de Cultura Leônidas Oliveira afirmou que a troca foi uma decisão do governo “juntamente com outros ajustes que estão ocorrendo”, mas que a escolha do nome foi técnica e feita por ele entre sete currículos. “Um arquiteto da UFMG, mestre, doutor, ex-presidente do CAU”, detalhou, em referência a Joel Campolina. Ele, entretanto, preferiu não se manifestar sobre Michele afirmar que não foi comunicada sobre o desligamento e sobre os motivos.
Após o contato da reportagem com o secretário, a assessoria da Secult informou a troca ocorreu por um nome que tem “mais aderência com o momento”. A assessoria disse ainda que ex-presidente do Iepha foi devidamente informada de sua exoneração e que o secretário não apenas acatou a demanda como escolheu o nome do novo presidente.
Prefeitos de cidades históricas foram pegos de surpresa
Prefeitos de cidades históricas mineiras afirmam que não sabiam do desejo de troca no Iepha e que não foram comunicados pelo governo. O prefeito de Serro, Nondas Miranda (PL), por exemplo, criticou a condução do episódio. “Ela (Michele Arroyo) era uma pessoa de experiência muito grande, capacidade imensa. Já tive oportunidade de participar de diversas reuniões com ela. Fiquei surpreso. O que entrou no lugar eu não sei quem é a pessoa, não sei o currículo. Fiquei triste com saída. Deveria ter uma consulta às cidades históricas sobre essas mudanças”, avaliou.
Já o prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo (PV), que foi secretário de Cultura na gestão de Pimentel quando Michele foi nomeada, disse que ficou sabendo pela imprensa e desejou sorte a Joel Campolina. Entretanto, disse esperar que o governo dê condições para o Iepha cumprir as inúmeras tarefas que aguardam recursos para serem desempenhadas, tal como o cabeamento subterrâneo nas cidades históricas. “Não cabe ao prefeito questionar (as escolhas), e sim cobrar políticas públicas, programa do Iepha para atender as demandas. Mais importante que os nomes é a política programática. Qual é a política? Isso que cobramos”, afirma.
O prefeito de Itapecerica, Têko (Podemos), presidente da Associação das Cidades Históricas de Minas Gerais (ACHMG), disse que até a tarde de quinta-feira nem ele, nem a associação haviam sido avisados oficialmente da troca. Para ele, porém, é “uma decisão interna” do governo.
Michele cita dificuldades, mas deseja sorte
A agora ex-presidente do Iepha Michele Arroyo falou sobre as dificuldades que o seu sucessor, Joel Campolina, vai encontrar no instituto. Embora ressalte a experiência profissional do arquiteto, Michele ponderou que ele nunca atuou diretamente com o patrimônio, com a gestão pública e que terá de se “desdobrar para articular junto a uma equipe com ações em curso”, principalmente de maneira virtual, em decorrência da pandemia.
“Ele tem desafios que são pensar o patrimônio cultural para além da materialidade. Hoje, um dos aspectos estruturadores de uma política pública de patrimônio cultural é pensar esse diálogo entre materialidade e imaterialidade”, diz, desejando sorte ao sucessor.
Escolhido, Joel Campolina diz que convite veio há 15 dias
O novo presidente do Iepha, Joel Campolina, disse que decidiu aceitar o convite do governo, feito há 15 dias, por gostar de desafios e por ter uma carreira voltada para a profissão de arquitetura e urbanismo, além da academia.
Questionado sobre as dificuldades citadas por Michele Arroyo de lidar com o material e o imaterial, Campolina ponderou que “esse trabalho é um trabalho de equipe”, que existem as diretorias em que as pessoas estão mais envolvidas nisso, enquanto a presidência é mais voltada para a “coordenação e gestão de processos”. Já sobre a suposta inexperiência na vida pública, ele lembrou que já foi presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo no Estado, que é uma autarquia pública, além da vida docente. “Tudo tem a política envolvida”, pontuou.