A jovem Julia Micaelly Ribeiro Carvalho, estudante de 20 anos de Pedreiras, no Maranhão, enfrenta uma condição rara que a fez viver duas situações precoces durante a vida: Ela entrou na puberdade aos 4 anos e enfrentou a menopausa aos 16. A situação a obrigou a passar por tratamentos hormonais na infância e pela remoção dos ovários na adolescência devido a um cisto hemorrágico. Apesar dos desafios enfrentados desde cedo, a jovem mantém o sonho de ser mãe através de fertilização in vitro.
Os primeiros sinais de que algo estava diferente no desenvolvimento de Julia apareceram quando ela ainda era muito pequena. "Tinha um suor forte debaixo do braço, começou assim", relembra a jovem. Em seguida, seu corpo começou a apresentar características típicas da puberdade.
Em entrevista à revista Crescer, a jovem maranhense detalhou a condição: "os sintomas não passavam, na verdade, só pioravam. Comecei a usar desodorante muito cedo por conta disso", afirma Julia. A situação causava constrangimento para a menina, que se sentia diferente das colegas.
"Eu fazia natação na minha escola, então, eu via o quanto meu corpo era diferente do das outras meninas. Elas tinham um corpinho de criança, sem pelos. Eu sempre pensava: 'Por que eu tenho e elas não?' Eu era a única que não me trocava na frente das meninas por ter vergonha dos meus pelos e dos meus seios que já estavam se desenvolvendo. Eu ficava muito envergonhada do meu corpo ser diferente", conta Julia sobre sua infância.
Foi apenas aos 7 anos, por sugestão da mãe de uma colega, que ela foi levada a um endocrinopediatra. Os exames revelaram uma situação preocupante.
"A endócrino passou muitos exames, um de idade óssea, um ultrassom para ver a questão dos ovários e folículos... E olha só, eu estava a ponto de menstruar já com apenas 7 anos", declara.
"A médica também falou que a minha idade óssea era de 12 anos, meu osso já tinha esticado bastante, o que não era bom", acrescenta.
Em meninas, a puberdade é considerada precoce quando o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários ocorre antes dos 8 anos. O tratamento de Julia foi realizado com hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH).
"A gente foi atrás de conseguir a medicação pelo SUS. Foi uma corrida contra o tempo. Mas deu tudo certo por conta da urgência do meu caso, então foi tudo muito rápido e comecei o tratamento certinho com a medicação, que era por injeção", relata.
O processo foi doloroso para a criança. "Eu fiquei arrasada, porque era injeção e doía muito. Eu tomava um dia e passava dois dias com o bumbum ainda dolorido. Era horrível. Toda vez, eu chorava e falava que não queria", diz ela.
"Foram anos dessa chateação. Meu pai ficava pelejando, era ele que aplicava, porque era enfermeiro. Toda vez, eu chorava e eu falava que não queria", lembra Julia.
Aos 11 anos, ela finalmente pôde menstruar e seguiu fazendo acompanhamentos médicos regulares. Porém, aos 16 anos, enfrentou outro desafio quando um cisto hemorrágico rompeu em seu ovário esquerdo.
"Eu não tive sintomas. Geralmente, quando a mulher está com cisto no ovário, ela sente sintomas antes, principalmente esses que são hemorrágicos. A menstruação atrasa, ela sente dor na região pélvica, tem um sinal. Eu não tive nada. O cisto foi muito silencioso, não deu sinal nenhum, minha menstruação vinha todo mês, eu não sentia cólicas fortes... nada", explica.
A situação evoluiu para uma emergência médica. "Foi muito agressivo. Quando rompeu, o ovário rompeu junto. Minha barriga estava lotada de sangue. Eu tive uma hemorragia interna muito intensa", conta.
Durante a cirurgia, os médicos constataram que ambos os ovários estavam comprometidos. "Quando ele encostou no ovário, ele rompeu. O esquerdo rompeu dentro de mim e o direito na mão do cirurgião", relata.
"Depois que menstruei aos 11 anos, segui fazendo acompanhamentos com ultrassom até os 13 anos, para ver se estava tudo bem com os meus ovários e folículos e nunca teve nada. Foi questão de três anos para esse cisto se desenvolver e me destruir desse jeito", lamenta.
Segundo Julia, os médicos não conseguiram determinar a causa exata do surgimento e rápido desenvolvimento do cisto. "Não teve um motivo claro por que ele apareceu, cresceu tanto de forma agressiva sem ninguém ver e se rompeu", afirma.
Após a cirurgia, ela foi diagnosticada com menopausa cirúrgica aos 16 anos. No Brasil, a menopausa ocorre em média aos 51 anos, principalmente entre 45 e 55 anos, sendo considerada precoce quando acontece antes dos 40 anos.
"Na hora que a médica falou em menopausa, eu me espantei, não entendia o que uma coisa tinha a ver com a outra. O meu tipo é considerado menopausa cirúrgica ou menopausa induzida, quando algum procedimento cirúrgico resulta na perda dos ovários. Pode acontecer em qualquer idade, porque não é a menopausa que ocorre naturalmente como corpo", explica.
"Quando o sistema reprodutor para de funcionar, vem a menopausa. No caso, isso aconteceu porque os ovários, que são os pilares do sistema reprodutor, foram removidos", diz.
O impacto emocional foi intenso. "Eu fiquei muito transtornada. Pensava que ia ter que lidar com essa menopausa pelo resto da minha vida. Uma coisa que era para eu lidar com uns 55 anos, eu estava lidando com 16", desabafa.
"Eu nunca tinha ouvido falar, não conhecia ninguém que tinha passado por isso, com quem eu pudesse conversar. Os médicos também não sabiam lidar direito. Eu me senti muito sozinha", conta.
Os sintomas da menopausa foram severos para a adolescente. "O primeiro sintoma foi o desequilíbrio emocional. Era uma coisa surreal. É como se fosse um dia péssimo da TPM, só que mil vezes pior. Era um sentimento de angústia tão grande no meu peito que parecia que eu ia morrer", relata.
"Era uma ansiedade que eu nunca tinha sentido antes na minha vida. Um medo até de dormir sozinha. Era um medo que eu tinha de morrer. Nem eu conseguia me entender", diz.
Julia também sentiu o calor intenso. "É como se você estivesse borbulhando por dentro. Você sente tanto que está queimando por dentro que você fica quente, suando muito. Era coisa de eu ficar desesperada", descreve.
"Ligava o ar-condicionado e ventilador em cima de mim e não passava. Eu ficava embaixo do chuveiro com água fria chorando, porque era um calor que me arrepiava a espinha", conta.
"Eram picos de calor, as crises iam e voltavam. Mas, mesmo assim, foi horrível", afirma.
A adaptação ao tratamento hormonal foi difícil. "Tive candidíase de repetição, meu útero atrofiou, foram muitas angústias e problemas. Foram mais de dois anos para o meu corpo se adaptar ao tratamento. Encontrar o ponto de equilíbrio foi muito dolorido para mim, fiquei muito estressada e tive transtorno pós-traumático", relata.
Posteriormente, Julia enfrentou outro problema de saúde. "Começou a sair leite dos meus seios, fiquei confusa e fui no médico, que identificou o tumor. Fiquei desesperada, veio de novo aquela sensação de que ia morrer", diz.
Em outubro de 2025, ela fará uma nova ressonância para verificar a evolução de um tumor na hipófise. "Agora em outubro, vou fazer outra ressonância pra saber se ele sumiu ou diminuiu. Caso tenha sumido, ótimo! Caso não, meu caso é cirúrgico", explica.
Apesar de todos os desafios, Julia mantém o sonho de ser mãe através de fertilização in vitro (FIV). "Minha mãe, que tinha 38 anos na época, recorreu ao tratamento para congelar os óvulos para doá-los para mim futuramente. Foi um ato lindo. Então, tem oito óvulos congelados me esperando. Todo ano a gente paga uma taxa de preservação", revela.
"Eu vou fazer a FIV porque eu ainda tenho o útero, então, eu ainda consigo gestar", conclui.
Com informações Revista Crescer