Uma pesquisa desenvolvida na Faculdade de Medicina da UFMG revelou que cerca de 60% das mensagens publicitárias de alimentos veiculadas nas mídias sociais no Brasil seriam consideradas inadequadas caso estivessem submetidas a uma regulação específica. O levantamento, feito pela pesquisadora Juliana de Paula Matos no doutorado em Ciências da Saúde, mostra como a ausência de controle favorece a exposição de crianças e adolescentes a propagandas de alimentos alimentos ultraprocessados, muitas vezes disfarçadas de conteúdo lúdico e educativo.
A pesquisadora simulou a aplicação de normas regulatórias em vigor em países como Argentina, Chile, Bolívia e Peru, no contexto brasileiro. Sob a legislação da Argentina, considerada a mais restritiva entre os países analisados, apenas 26,46% dos anúncios de alimentos publicados nas redes sociais no Brasil seriam adequados. Juliana alerta para os efeitos a longo prazo da exposição infantil à publicidade de alimentos não saudáveis: “Muitos estudos mostram como essa exposição interfere no consumo alimentar. No caso de crianças, essa publicidade gera fidelidade para a vida inteira”.
O estudo também considerou o cenário da proposta de regulação da Anvisa — a Resolução RDC nº 24, de 2010 — que está judicializada há 15 anos. A norma exigiria que alimentos com excesso de açúcar, gordura saturada, gorduras trans e sódio, além de bebidas com baixo teor nutricional, veiculassem alertas nas peças publicitárias. Se estivesse em vigor, 60% das propagandas em redes sociais teriam de exibir avisos sobre os riscos à saúde.
O resultado do estudo se torna ainda mais preocupante diante do tempo de exposição de crianças às telas. Segundo a pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box, 79% das crianças de 0 a 12 anos passam, em média, 3 horas e 53 minutos por dia usando o celular, e 44% delas têm o próprio aparelho. O YouTube é o aplicativo mais acessado, seguido de WhatsApp e YouTube Kids. Crianças de 10 a 12 anos chegam a passar 4 horas e 46 minutos por dia no smartphone.
Para Juliana, o ambiente digital torna ainda mais desafiadora a tarefa de regular a publicidade: “Na comparação com o Instagram e o TikTok, o YouTube demanda mais regulação, porque ali a publicidade tem grande apelo, inclusive aquela direcionada às crianças e aos adolescentes”. Ela também critica a atuação do setor privado, que tem dificultado a implementação da RDC da Anvisa. “Medidas regulatórias sofreram resistência também em outros países, mas foram enfrentadas com resiliência e estratégias eficazes. Um exemplo é o Chile, onde os muitos obstáculos foram gradualmente superados”, afirma.
Consequências para a saúde
Especialistas em saúde destacam que a preocupação com o marketing de alimentos ultraprocessados não é apenas legal. Ela se justifica pelos danos que esse tipo de produto pode causar ao desenvolvimento infantil. Alimentos ultraprocessados — como refrigerantes, salgadinhos, biscoitos recheados, macarrão instantâneo e sorvetes — são formulações industriais com pouco ou nenhum alimento de verdade. Frequentemente ricos em açúcar, sódio e gordura, eles estão associados a doenças como obesidade, diabetes, hipertensão e até câncer.
A nutricionista Ana Luisa Valadares, da Casa de Apoio Aura, reforça a importância de bons hábitos desde a infância: “Eles podem reduzir doenças crônicas na vida adulta, como obesidade, diabetes, doenças cardíacas e também favorecem a capacidade de memória e atenção. Infância realmente é o momento certo para a gente estabelecer preferências alimentares saudáveis”.
Ana lembra que, apesar de o consumo de ultraprocessados estar ligado a questões econômicas e de acesso, a propaganda exerce forte influência, principalmente sobre o público infantil. “É importante manter uma rotina dentro de casa para o desenvolvimento de hábitos saudáveis, com horários regulares, longe de distração, variar e diversificar o cardápio”, aconselha.