As telenovelas têm, no Brasil, popularidade suficiente para colocar na pauta da sociedade assuntos que, muitas vezes, ficam por debaixo dos tapetes, mas quando são levados às produções ganham debates necessários. O tema da vez surgiu na trama de “Terra e Paixão”, folhetim escrito por Walcyr Carrasco e que ocupa a faixa das 21h na Globo. Na história, Petra, personagem interpretada por Débora Ozório, revela ao marido Luigi, vivido por Rainer Cadete, algo que lhe causa enorme angústia.
Em uma das cenas da novela, ela se viu obrigada a abrir o jogo com o companheiro; “Eu tenho horror a sexo. Eu fazia esforço pra você não perceber... para me entregar. Agora não dá mais, não dá mais. Eu não suporto ser tocada por um homem, não suporto intimidade. Me perdoa”, disse Petra, cujo primeiro casamento terminou justamente por causa dessa condição.
O que a personagem vivencia tem nome: genofobia, nome que se dá à disfunção que envolve medo, horror, nojo e repulsa pelo ato sexual. Antes de qualquer coisa, é preciso fazer uma ponderação. Há pessoas que não se interessam por sexo, não sentem atração ou desejo e convivem bem, sem sofrimentos, com a falta de relações íntimas. Indivíduos com essas características são chamados assexuais. Por outro lado, há quem goste de sexo, tenha desejos e vontades, mas sinta pavor, aversão e aflição só de pensar no ato. É o caso de Petra em “Terra e Paixão”.
“Os assexuais sofrem de uma invisibilidade muito grande porque são vistos como pessoas doentes, como se tivesse algo errado com elas. Sobre genofobia, estamos falando de um comportamento fóbico, patológico, e é extremamente importante fazer essa diferenciação, porque o assexual não sofre com o fato de não ter desejo”, ressalta a psicóloga clínica e terapeuta sexual Leni Oliveira.
“E ainda temos casos de pessoas que estão atravessando um momento da vida e, por algum motivo, estão desinteressadas em sexo, fazendo algum tratamento que afetou a questão da sexualidade ou algo que esteja trazendo um incômodo, mas não é um quadro fóbico, grave e extremo”, ela completa.
A especialista diz que o quadro fóbico pode desencadear um quadro clínico de ansiedade, alteração mental, medos intensos e reações como sudorese e taquicardia. A genofobia, que atinge tanto mulheres quanto homens, pode ter várias causas, do medo excessivo da penetração a experiências traumáticas de abusos, passando também por uma interpretação errônea do que é o ato sexual ou até pela formação social e religiosa.
“A pessoa pode até achar que será violentada, que o sexo é algo invasivo, que deixa uma marca ruim. No caso dos homens, o medo de perder a ereção e se sentir fracassado pode ser tão grande que ele prefere nem passar pela tentativa ou a possibilidade de uma relação. Tudo isso pode gerar uma fobia em relação ao sexo”, explica Cida Lopes, sexóloga, educadora sexual e autora de livros sobre sexualidade humana.
Segundo o psiquiatra Guilherme Rolim, para a pessoa ser classificada com um transtorno de fobia específico, o fenômeno tem de ser bastante intenso, caracterizado por medo exagerado associado a reações corporais: “Quando a gente sente medo, há uma descarga de adrenalina no corpo. A adrenalina é o hormônio do fugir, o coração dispara, a mão fica gelada, a pupila dilata. É uma situação de extremo medo”.
Tratamento
Segundo as especialistas, é preciso avaliar caso a caso para compreender o que se passa. Num primeiro momento, a terapia sexual e o treino comportamental podem ajudar a pessoa que se vê no processo de enxergar o sexo sob a perspectiva do receio. Se o quadro avança para a fobia, indica-se um acompanhamento psicológico e, em algumas circunstâncias, psiquiátrico. Automedicação, jamais.
“Existem exercícios que ajudam a pessoa a dessensibilizar, a destravar, a ter contato (com o sexo) e facilitar essa busca aos poucos. Contudo, no quadro fóbico, pode haver necessidade de medicação. O tratamento é amplo, precisamos ver as pessoas como um todo, como algo muito mais complexo do que um sintoma”, observa Leni Oliveira. “O primeiro é reconhecer que você precisa de ajuda e que não tem recursos para lidar com essa situação. Sexo não pode ser algo ameaçador”, acrescenta Cida Lopes.
Novela ajuda no debate
Ainda não se sabe qual será o futuro da personagem Petra em “Terra e Paixão”. No entanto, trazer à tona a discussão sobre genofobia e dar visibilidade às pessoas que sofrem dessa condição são pontos que devem ser celebrados. É o que diz a terapeuta sexual Leni Oliveira. Ela alerta, porém, que a abordagem deve ser sempre respeitosa, esclarecedora e despida de preconceitos e sensos comuns.
“Acho interessante a novela abordar o tema, principalmente porque é um assunto que podemos pensar por diversas frentes. Sexualidade ainda é um tabu. Falar de sexo, no sentido do prazer, da realização, dos acontecimentos e de como ele pode atravessar nossas vidas sempre é de grande valia para a sociedade”, salienta Leni Oliveira.