Os crimes de preconceitos de raça ou de cor em ambientes esportivos aumentaram 220% em Minas Gerais em 2023. Conforme levantamento da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), foram 16 casos registrados no último ano, quantidade superior aos cinco de 2022.
O último episódio em praças esportivas do Estado ocorreu na decisão da Copa do Brasil, entre Atlético e Flamengo, no domingo (10). Um atleticano, de 34 anos, foi flagrado em um dos camarotes da Arena MRV fazendo gestos racistas para torcedores que estavam no setor inferior da arquibancada. O caso é investigado pela Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) e pelo departamento jurídico do clube alvinegro.
"Esse aumento de casos se dá, muitas vezes, pela sensação de impunidade. A gente vê o crime acontecer, mas sem punições aos envolvidos. Isso até permite que um outro torcedor possa ir para a arquibancada e repetir o gesto racista", aponta Marcelo Carvalho, idealizador e diretor executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol.
O levantamento da Sejusp indicou ainda que 13 casos de racismo ou injúria racial foram registrados em praças esportivas de Minas Gerais em 2024. A média é de pelo menos um caso por mês. A Sejusp, responsável pelo estudo, e a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), encarregada de investigar os crimes, não souberam informar quantos destes inquéritos foram concluídos.
"O que a gente percebe é que essas investigações se arrastam e muitas vezes correm em segredo de Justiça. Isso só reforça a sensação de impunidade. Nós, do Observatório, por exemplo, trabalhamos com dados da Justiça Desportiva e não com os da Justiça comum justamente por esse motivo. O processo criminal pode levar até cinco anos, e a impressão, neste momento, é que a vítima é punida e não o autor", acrescenta Carvalho.
Investigação
Os episódios de racismo ocorridos em praças esportivas de Minas Gerais são investigados conforme Art. 201. § 7 da Lei Geral do Esporte. O texto prevê pena de reclusão de um a dois anos e multa, com possibilidade de aplicação da pena em dobro em caso de racismo ou violência contra o público feminino. A punição, no entanto, pode ser revertida em caso de pagamento de fiança.
Isso ocorreu, por exemplo, no primeiro jogo entre Atlético e River Plate pela semifinal da Copa Libertadores, na Arena MRV. Um argentino foi preso por fazer gestos racistas em direção à torcida do Galo. O homem, de 48 anos, acabou sendo solto após quitar a medida cautelar alternativa à prisão.
Para o idealizador do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, além da Lei Geral do Esporte, o suspeito deveria responder criminalmente conforme a Lei n.º 14.532, que equiparou a injúria racial ao crime de racismo, tornando inafiançável e imprescritível.
"É um esforço que precisa ser feito pelos órgãos públicos a fim de que eses casos se repitam. O suspeito não tem que responder apenas por provocar tumulto, como indica a Lei do Esporte, mas pelo crime de racismo que ele cometeu", indica Fonseca.
Questionada pela reportagem, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) se limitou a dizer que, "no exercício dos trabalhos de polícia judiciária, aplica as leis vigentes e aplicáveis de acordo com os casos concretos".
Crimes de preconceitos de raça ou de cor em praças esportivas de MG
2020 - 1
2021 - 1
2022 - 5
2023 - 16
2024 - 13 (jan até set)
Fonte: Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp-MG)
Racismo no camarote da Arena MRV
O atleticano André Fernandes* estava em um setor próximo ao camarote onde o homem de 34 anos foi flagrado fazendo gestos racistas para torcedores presentes na parte inferior das arquibancadas. As imagens registradas em um vídeo mostram o suspeito esfregando o antebraço e apontando para os demais torcedores, que estavam junto de uma organizada.
"Depois do gol do Flamengo, começou uma confusão. As pessoas do camarote discutiram com as da arquibancada. Teve copo de cerveja arremessado e tudo mais. Até que ele (suspeito) se aproximou do vidro e fez os gestos", relatou. Fernandes e outros dois atleticanos foram em direção ao camarote onde estava o suspeito. Eles acionaram as equipes de segurança e denunciaram o crime de racismo.
"Ele (o suspeito) disse que não é racista, mas que tem amigos que são. Isso me deixou com mais raiva. Depois fomos para a delegacia do estádio e o pai deste homem conversou com a gente e pediu que não fizéssemos nada", disse o torcedor que se reconhece como um homem negro.
Um boletim de ocorrência foi registrado, e o caso é investigado pela Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) e pelo departamento jurídico do Atlético."Infelizmente, os estádios estão cada vez mais elitizados. Essa foi a primeira vez que fui no setor lounge e lá só tinham duas pessoas negras. É preciso popularizar o acesso aos eventos esportivos, além de mais programas de educação para evitar que esses crimes ocorram. Além de punição, é claro. Não adianta ter a denúncia e nenhuma punição depois", avaliou.
Outros episódios de racismo em estádios de MG
Outros dois casos de racismo na Arena MRV tiveram destaque ao longo deste ano. Um deles no confronto entre Atlético e San Lorenzo pelas oitavas de final da Libertadores deste ano. O caso ganhou repercussão após um dirigente do clube argentino divulgar um vídeo que mostrava um atleticano fazendo gestos racistas em direção à torcida visitante. O torcedor alvinegro foi identificado e, segundo o Galo, por se tratar de um menor de idade, as punições foram aplicadas ao responsável.
O outro episódio no estádio atleticano ocorreu no duelo contra o Flamengo pelo Campeonato Brasileiro. Um homem branco apontou as mãos para a própria pele e, em seguida, para pessoas que estavam em outro setor do estádio. Ele também foi identificado pelo clube e excluído do programa de sócios-torcedores.
O Mineirão, onde o Cruzeiro, rival do Atlético, manda os seus jogos, também foi palco de crimes de preconceitos de raça ou de cor. Um dos episódios ocorreu na partida da equipe celeste contra o Bahia. Uma torcedora cruzeirense afirmou ter sido vítima do crime após uma mulher questionar "por qual motivo ela estava em um dos setores mais caros do estádio". A suspeita teria alegado que aquele setor não era destinado para ela devido à cor da pele.
Episódios de racismo também foram registrados na partida entre Cruzeiro e Lanús pela semifinal da Sul-Americana. Torcedores do clube argentino foram flagrados fazendo gestos de macaco e de banana para a torcida cruzeirense. Um jovem de 18 anos foi identificado pelas câmeras de segurança e preso ao término do confronto. Ele foi liberado após o pagamento de fiança.
* Nome fictício, já que o torcedor pediu para não ser identificado