Em frente a televisão, o analista de sistemas Cézar Fernandes, de 37 anos, segue liturgicamente o ritual em dias de jogos do Cruzeiro. Vestido com a camisa celeste e acompanhado de uma garrafa de cerveja, ele assiste do sofá de sua casa as partidas da equipe mineira. Ao seu lado, o professor Flávio Carvalho, de 34, que desliza compulsivamente o dedo pela tela do celular, enquanto ignora os lances na tv. Torcedor do rival, o Atlético, ele se mantém fiel ao companheiro, com quem está junto há nove anos. "Esse é o meu melhor", brinca Flávio.

Desde que o azul, o branco e o preto, cores de Atlético e Cruzeiro, se encontraram em um bar no centro de Belo Horizonte, essa tem sido uma das atividades na rotina do casal. Mais do que dividir as responsabilidades domésticas, eles compartilham, um com o outro, a paixão pelo futebol. "A rivalidade entre os nossos times nunca foi um problema. Assistimos aos jogos, brincamos, tudo muito saudável. Ele já me acompanhou nas partidas do Cruzeiro, eu já fui em festas do Atlético. Fazemos tudo juntos", conta o cruzeirense Cézar Fernandes.  

Primeira foto tirada pelo casal em 2015

Uma relação de harmonia entre o casal que se destoa somente em dias de clássico. Enquanto os times se enfrentam em campo, eles se divertem com provocações enquanto acompanham a partida. "O Cézar é mais fervoroso, costuma ficar muito nervoso. Mas não é um comportamento agressivo, de brigar ou falar algum palavrão. Não é porque é clássico que a gente deixa de assistir juntos, pelo contrário. Nosso medo mesmo é a violência pelas ruas, por isso evitamos sair de casa com as camisas dos times quando eles se enfrentam", conta o atleticano.

Além do medo por causa da violência desencadeada pela rivalidade, o casal teme ser vítima de LGBTQIAPN+fobia — violência ou discriminação tendo como principal motivação a identidade de gênero e/ou orientação sexual da pessoa. Em Minas Gerais, segundo dados do Observatório de Segurança Pública, da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), foram 562 registros deste crime em 2023, ano do último levantamento. A quantidade representa um aumento de 21% quando comparada aos 464 de 2022.

"Infelizmente, vivemos em um país onde esse tipo de violência se tornou comum. E no futebol essa intolerância é ainda maior. Esse é um problema social e não vejo perspectivas de melhoras a curto prazo. O preconceito é algo muito ruim, principalmente quando ele ocorre no esporte", avalia o cruzeirense.

Ambiente adverso que, segundo o casal, impede que eles possam vivenciar a paixão por Atlético e Cruzeiro em locais com pessoas desconhecidas. "Geralmente, comentamos sobre futebol quando estamos com aqueles que são próximos, que nos transmitem segurança quando estamos juntos. Esse ambiente (do futebol) é muito agressivo, machista, homofóbico, e precisamos ter cuidados. Só que esse temor também não vai nos impedir de ser quem somos e de viver nossas alegrias e aflições com os times que torcemos", acrescenta o atleticano.

Flávio e Cézar nutrem a esperança de que um dia poderão frequentar bares, estádios de futebol e onde mais desejarem estar sem que tenham medo de revelar o clube pelo qual são torcedores e de compartilhar o amor que sentem um pelo outro. "Sempre me recordo de uma criança que nos viu de mãos dadas quando estávamos com as camisas dos nossos times. Ela virou para os pais e falou que Galo e Cruzeiro podem andar juntos, sem brigar. Isso nos emocionou muito. O gesto singelo mostrou que é possível, sim, conviver com respeito a rivalidade, a orientação sexual, a raça e a crença de cada pessoa", finaliza o cruzeirense.