O esporte brasileiro pode viver um momento raro na próxima edição da Paralimpíada. O maior evento esportivo do planeta pode ter mãe e filha representando um mesmo país em busca do lugar mais alto do pódio.

Com 44 anos, a atleta do tiro com arco Jane Karla já garantiu a vaga para o Brasil no Mundial da Holanda, no ano passado. Em pouco tempo, ela pode ver confirmado o seu nome para defender o país. O sabor de estar em Tóquio, na sua quarta participação olímpica, vai ser ainda mais especial, já que sua filha, Lethicia Rodrigues, de 17 anos, do tênis de mesa, já tem vaga certa do outro lado do mundo.  Enquanto Lethicia sofre de uma inflamação nas articulações, sua mãe teve poliomelite diagnosticada logo aos três anos de idade. 

"Vai ser um momento histórico se ele se confirmar. Imagino que será incrível, uma grande realização. Depois que comecei a praticar o tiro com arco, comecei a sonhar com muitas coisas e essa presença nossa, lado a lado, está entre estes desejos. Quando participei da minha primeira Paralimpíada, me despertou a vontade de ter minha família por perto. Isso pode se concretizar de um jeito ainda mais especial, com minha filha também participando dos Jogos. Minha motivação aumentou mil por cento", revela Jane Karla, que mora em Portugal desde 2018. 

Lethicia não demorou para ter bons resultados no esporte que também chegou a ser praticado pela mãe no começo de carreira. Ela até tentou alguns tiros no esporte de Jane, mas não teve dúvidas de que sua paixão era mesmo raquete e bolinha. "Comecei com sete anos, quando ainda não tinha desenvolvido minha doença. Parei por um tempo, quando minha mãe foi pro tiro com arco. Tentei um pouco, mas não deu química. Aí voltei pro tênis de mesa e percebi que amo esse esporte. No tiro, era mais uma diversão. No tênis de mesa, era algo sério, uma modalidade mais ativa. Percebi que podia conquistar muita coisa se me dedicasse", conta a jovem. 

Para ela, estar em Tóquio 2020 será um sonho que transformou sua vida em pouco tempo. "Tudo aconteceu muito rápido e tenho muito orgulho de mim mesma. Estar na Paralimpíada me faz sonhar alto, a tendência é de seguir crescendo. Estou otimista, mas sei que será minha primeira experiência nos Jogos, então uma medalha pode ser algo mais difícil nessa estreia", admite. 

Marido, padrasto e treinador

O alemão Joachim Gogël é um dos grandes responsáveis pela vitoriosa carreira de mãe e filha. Marido de Jane e padrasto de Lethicia, ele foi primordial para as duas evoluírem na carreira. "Eu brinco dizendo que ele é multiuso. Uma hora está no tênis de mesa, outra no tiro com arco. Uma pena que ele não estará conosco nos Jogos. Estamos acostumadas com a presença dele nas competições, sempre nos dando muita força. Mesmo à distância, ele estará presente em nosso coração", garante Jane, que conheceu o marido durante preparação para Pequim 2008 em treinamento na Alemanha. 

Lethicia nutre por Joachim um amor de filha e valoriza cada esforço que ele depositou no seu crescimento. "Ele foi muito importante, sempre se mostrou um ótimo técnico, com muita experiência e a presença dele me motiva bastante. Minha evolução teve participação decisiva dele e agradeço por tudo que me ensinou", afirma. Como treina outras equipes e atletas, Joachim, com passagens pelas seleções do Brasil e Alemanha, não poderá estar perto das duas em momento único das suas carreiras. 

Pandemia atrapalhou os treinos

Morando em um apartamento pequeno, elas tiveram que se virar para seguir treinando, sem perder o ritmo. Jane adaptou a sala da casa para tiros de cerca de 5m, bem diferente dos quase 50m que estava acostumada a ter como espaço das atividades. Já Lethicia sofreu mais por não ter a chance de bater bola, uma vez que os clubes estão fechados em Portugal. 

"Foi o cantinho que consegui, ainda bem que deu pra adaptar. Ainda dá para treinar a técnica e isso me ajuda a manter o foco, Foi um jeito de não ficar totalmente parada", analisa Jane. "A situação por aqui está um pouco mais tranquila e espero que, em breve, tudo volte ao normal para eu seguir dando meu melhor", projeta Lethicia. 

Realidade dentro de casa ajudou Lethicia

Receber a informação de ser uma deficiente não poderia ser fácil para Lethicia. Ela se inspirou na realidade dentro de casa para saber que era preciso seguir adiante. "Meu padrastro e minha mãe também são deficientes e serviram de exemplo pra mim. Eu não esperava receber a notícia, no começo foi muito complicado, mas consegui passar por tudo isso. Não foi fácil mudar a vida drasticamente e o baque foi grande. Vi em quem estava do meu lado que eu poderia ter um bom futuro e viver normalmente", conta a jovem.