Parece até mentira, mas, num mundo cada vez mais inclusivo e em que homens dispõem de mais privilégios, só agora eles podem sonhar em disputar nas Olimpíadas o nado artístico – antigo nado sincronizado, que mudou de nome em 2017. A autorização começa a valer para Paris-2024, exatos 40 anos após a modalidade ser incorporada aos Jogos e só mulheres terem a permissão para participar das provas olímpicas.

"Tem muitas pessoas com preconceito", diz um atleta mineiro, que, ao refletir sobre a decisão, ninguém diz ter 13 anos. José Jorge Ribeiro é vice-campeão brasileiro juvenil de nado artístico e integra a equipe NadoArt, que usa a piscina do Centro de Treinamento Esportivo da UFMG, em Belo Horizonte.

Uma mostra de que a pecha "esporte de mulher" ainda faz efeito é o número de alunos homens na equipe. "Temos 95% de meninas, só três meninos, e é mais ou menos o cenário de outros clubes", explica a técnica e coordenadora da NadoArt, Tathiane Martins. Ela acredita que a participação de rapazes nos Jogos Olímpicos pode melhorar o cenário. "A Olimpíada é a maior propagação do esporte, muda muito a visão."

No Campeonato Mundial, os homens podem competir desde 2015, mas o "ok" do Comitê Olímpico Internacional (COI) para os Jogos só foi anunciado em dezembro de 2022. Trata-se de um primeiro passo, pois ainda há limitações. Na prova de duplas, apenas mulheres estão autorizadas. Os rapazes só podem participar da disputa por equipes: dos oito integrantes, até dois podem ser homens.

Mas já é motivo para Jorge pensar grande no futuro. "Disputar a Olimpíada seria um sonho, estou treinando bastante para isso." Na própria NadoArt, a situação já melhorou em termos de participação masculina. O garoto lembra que, quando começou a praticar o esporte, era o único representante do gênero na equipe.

O gosto pelo nado veio de forma natural, após assistir aos treinos da irmã, Larissa, de 10 anos, sem a visão contaminada pela cultura que divide as modalidades entre "de homem" e "de mulher". Por isso, comemora o aval do COI. "Foi uma boa decisão, afinal, todo mundo tem direito de fazer o que gosta. Acho que é tipo no futebol. Julgam que é um esporte de homem, e, agora, mulher também pode jogar. Homem também pode fazer nado artístico."

Lucas Gabriel Moreira, de 11 anos, também entrou na equipe da NadoArt por influência da irmã, Helena, de 7. "Ela me incentivou a vir, porque aqui estava precisando de homens. Gosto bastante e tenho vários amigos. Tenho a esperança de ir para o Campeonato Brasileiro de novo e penso em ir para a Olimpíada", projeta o menino, que curtiu a permissão vinda do COI. "Achei interessante para a nossa carreira."

Se os casos de Lucas e Jorge são raros, a dificuldade é ainda maior na adesão de alunos homens que estão passando da infância para a adolescência, segundo Tathiane. "Ainda existe muito preconceito. Às vezes, conseguimos um menino pequeno, que ainda não se importa muito, ou um adulto, que já não se importa mais. Não conseguimos trazer esses meninos de 10 a 14 anos, porque eles se preocupam muito com o que os outros vão falar."

A técnica também destaca a influência dos pais na ausência de garotos na modalidade. "As pessoas dizem que é esporte de menina, que só homossexual faz. É preciso mudar muito essa visão e também a cabeça dos pais. Eles têm que entender que é um esporte para meninas e meninos e que não é isso que vai definir a sexualidade de alguém."