A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) apresentou à FIFA, na última semana, um projeto organizado pela entidade para sediar a Copa do Mundo feminina de 2023. Um detalhe que chamou a atenção, porém, foi a ausência de mulheres na comitiva brasileira. Não é novidade a baixa representatividade feminina em cargos diretivos de times masculinos, mas isso se torna ainda mais espantoso em cenários de projetos femininos.

"Entendo que nas mais variadas áreas é importante ter expertise, além de toda capacitação necessária. Acredito que isso possa fazer diferença ao longo do processo. E olhando por esse lado, poderíamos ver mais mulheres nesses cargos no futebol feminino. Mas tenho certeza que gradativamente esse número irá aumentar consideravelmente", opina Aline Pellegrino, ex-atleta e atual coordenadora do departamento de feminino da Federação Paulista de Futebol (FPF).

Em Minas, os três principais times de futebol feminino são coordenados por mulheres. Luiza Parreiras, Nina de Abreu e Bárbara Fonseca estão à frente dos projetos que têm alavancado a modalidade no Estado, tendo a missão de gerenciar sonhos de meninas e mulheres dentro das quatro linhas. Mas quem são elas? O Super.FC, neste Dia Internacional da Mulher, conta sobre vida e carreira de três mulheres com trabalhos essenciais ao desenvolvimento do futebol feminino em Minas Gerais.

Luíza Parreiras - América

“Quando eu recebi o convite, não tinha perspectiva para isso. Mas hoje, não”. Aos 15 anos, Luiza Parreiras recebeu uma proposta de bolsa para jogar futebol numa escola americana de Belo Horizonte e concorrer à chance de estudar e jogar nos EUA. Recusou. Afinal de contas, projetar-se no futebol não era algo bem visto para meninas. O que Luiza sequer imaginava, porém, é que teria, 16 anos depois, a chance de dar oportunidades a garotas e alimentar justamente perspectivas. Atualmente, é supervisora de futebol feminino do América.

“Conversei com o meu pai e ele me questionou se era aquilo que queria na minha carreira, se eu enxergava um sucesso profissional e pessoal indo pros EUA jogar futebol. Muito nova, eu decidi não ir. Hoje eu brinco que talvez tenha sido minha maior frustração, porque se eu tivesse ido, já teria me envolvido mais cedo com o esporte da forma que hoje estou envolvida”, comenta a supervisora, de 31 anos.

Apesar de ter sido atleta, Luiza decidiu seguir os estudos no Direito e advogou por anos. Quando aquilo não mais a satisfazia, decidiu buscar especialização no esporte para desenvolver a área do direito desportivo no escritório em que trabalhava. Esse envolvimento com a área jurídica esportiva colocou Leonardo Coelho, então coordenador do departamento de futebol feminino do América, no caminho de Luiza. 

"A batalha diária é estar sempre pronto para não deixá-las caírem, para não deixá-las desmotivadas" - Luiza Parreiras

Uma reunião numa terça entre o representante do América, um amigo de trabalho e ela, acabou selando a ideia de Luiza ajudar enquanto advogada externa para buscar parcerias e patrocínios para as Coelhinhas. No domingo, porém, o grande amigo e parceiro de trabalho faleceu num acidente de carro, o que mexeu bastante com ela. Luiza decidiu parar de advogar e procurou Leonardo já na segunda externando a vontade de entrar no esporte de outra forma. Foi voluntária no clube um tempo, até ser contratada.

“No América, temos hoje uma mistura muito heterogênea no elenco. Como não temos base, tem uma mescla de atletas mais novas e mais velhas. Quase que diariamente temos um conversa com as mais experientes sobre ser referência para as mais novas, e me sinto nesse papel também. Os exemplos são diários. Lidamos com sonhos que às vezes nem temos noção de como são. A batalha diária é estar sempre pronto para não deixá-las caírem, para não deixá-las desmotivadas. Temos que proporcionar um ambiente para que as coisas possam fluir”, aponta a supervisora.

Nina de Abreu - Atlético

Quando Nina de Abreu fez um estágio na comunicação do Atlético, ainda estudante de jornalismo, não imaginava que décadas depois encabeçaria um projeto como o que gerencia no clube atualmente. Coordenadora de futebol feminino do Galo desde janeiro de 2019, foi convidada para integrar o clube após quase 26 anos de trabalhos na Federação Mineira de Futebol (FMF).

“O futebol feminino surgiu na minha vida dentro da FMF, em que eu precisava ajudar a dar visibilidade às modalidades que precisavam de mais espaço. Temos uma gama de pessoas querendo trabalhar em jogos de Cruzeiro e Atlético no Mineirão, mas quase ninguém queria fazer o Mineiro Feminino no [estádio] Baleião, por exemplo. O Atlético me chamou porque, apesar do conhecimento de futebol do clube, chegaria um grupo de mulheres que demandaria uma interlocutora”, comenta.

Natural de Lorena, no estado de São Paulo, Nina se mudou para Minas Gerais ainda aos 7 anos. Morou em Machado e Três Corações, até se mudar para a capital, aos 17, para realizar cursinho pré-vestibular para jornalismo. Na FMF, trabalhou especialmente chefiando o departamento de comunicação, mas também se envolveu com grandes eventos esportivos e jogos.

“Com o convite do Atlético, eu me vi quase que convocada a fazer algo a mais pelo clube que torço e pelo futebol feminino. Foi desafiador e topei na hora, porque na FMF já tinham se esgotado minhas possibilidades de crescimento e evolução”, diz a coordenadora.

"Lidar com sonhos é uma questão cirúrgica" - Nina de Abreu

O Atlético buscou Nina na FMF e fez um acordo com o Prointer, time amador da capital mineira, para se associar ao clube. O Galo, então, herdou todas as atletas e comissão técnica, dando base ao início de trabalho de Nina. O que antes era uma gestão de comunicação na entidade mineira passou a ser uma gestão de pessoas na carreira da coordenadora do Galo Feminino.

“Lidar com sonhos é uma questão cirúrgica. Tendo uma pasta de 80 pessoas, não estou apenas lidando com as metas das atletas, mas também da comissão e de todos que estão envolvidos. Precisamos ter muito cuidado, porque são leituras muito diferenciadas no elenco. E é um desafio porque tenho que deixá-las, a todo momento, sonhando, mas também chamando a atenção para a realidade”, aponta a coordenadora do Galo Feminino.

Barbara Fonseca - Cruzeiro

Barbara Fonseca tinha que ser firme e resiliente na marcação em seus tempos de zagueira, e ela tinha consciência disso. O que a mineira não sabia, porém, era que isso ainda seria necessário por muito tempo, mas fora das quatro linhas. Coordenadora de futebol feminino do Cruzeiro desde o início do time, em 2019, Barbara é o grande nome por trás do projeto da Raposa.

“Minha maior experiência foi ter tido oportunidade de viver a pura essência do futebol feminino. Dos sonhos às absurdas limitações, senti a dor de todas que resistiram e ficaram no meio do caminho, mas também a alegria daquelas que venceram. Me sinto nesse rol das vencedoras”, conta a coordenadora, de 34 anos.

Filha caçula e com três irmãos, Barbara cresceu imersa no futebol, nas proximidades do campo do Inconfidência, em BH. A família tinha uma equipe de futebol, e por isso o esporte era o lazer de todos os fins de semana. Chegou a defender as camisas de Inconfidência, Tupinambás, Prointer, Manchester, Furacão, Real Pompéia e Santa Cruz, todos em Minas, mas deixou os campos aos 28 anos. Em 2013, colocou-se à disposição do presidente do Santa Cruz, time amador da capital mineira, para ajudar na gestão de sua equipe feminina.

"Ter vivido parte dessa história de resistência, descaso, das barreiras quebradas, sentir o reflexo do período de proibição, preconceito e amadorismo, foi muito marcante" - Barbara Fonseca

Começava ali um novo capítulo da história de Barbara, em que sua principal missão seria ajudar meninas e mulheres a buscarem os seus sonhos. Depois do Santa Cruz, foi contratada pelo América para coordenar o futebol feminino do Coelho, clube no qual ficou até o fim de 2018. A próxima parada foi o Cruzeiro, que convidou a gestora para arquitetar o projeto do time feminino celeste, bem como estruturar toda a equipe e também a comissão técnica.

“É extremamente desafiador [lidar com sonhos], principalmente pelo momento que vivemos de crescimento muito célere e que na mesma velocidade exige profissionalismo. Precisamos exigir das atletas que mudem a chave do amadorismo para o profissional num sopro, mas não podemos deixar de considerar a ausência de lastro. É preciso dar toda condição para a atleta evoluir, dar todo suporte necessário, da parte técnica à emocional”, comenta Barbara.

Com o Cruzeiro, no primeiro ano do clube, a coordenadora conseguiu um título mineiro e o acesso à elite do futebol brasileiro através do vice da Série A2. Antes disso, levou três edições do Estadual com o América. Barbara é bacharel em Direito e policial civil, tendo no currículo cursos de especialização voltados para o direito desportivo e gestão no esporte.