O técnico Cuca deu nesta quarta-feira (3/1) a primeira declaração após a Justiça suíça anular a sentença em que ele foi condenado por estupro, crime que teria sido cometido em 1987. Em nota divulgada pela assessoria de imprensa, o treinador afirmou estar aliviado.
"Hoje eu entendo que deveria ter tratado desse assunto antes. Estou aliviado com o resultado e convicto de que os últimos 8 meses, mesmo tendo sido emocionalmente difíceis, aconteceram no tempo certo e de Deus", disse Cuca.
O Tribunal Regional do distrito administrativo de Berna-Mittelland, na Suíça, anulou a sentença que havia condenado Cuca, então jogador e hoje técnico de futebol, por ter mantido relações sexuais com uma menor de idade sob coerção durante uma excursão do Grêmio ao país europeu.
Em novembro do ano passado, a juíza Bettina Bochsler acatou a argumentação da defesa de Cuca de que ele foi condenado à revelia, sem representação legal, e que poderia ter um novo julgamento. Só que o Ministério Público suíço alegou que isso não seria possível dado que o crime estava prescrito, então sugeriu a anulação da pena e a extinção do processo.
A defesa de Cuca afirma ter reunido provas suficientes para provar que ele não estuprou Sandra Pfäffli, 13, na noite do dia 30 de julho de 1987, quando a jovem foi ao quarto onde ele e três colegas de time estavam no Hotel Metropole de Berna.
No dia 28 de dezembro, a juíza deu o caso por concluído e ainda determinou o pagamento de 13 mil francos suíços (R$ 75 mil) em indenização a Cuca pelo caso, valor que caiu para 9.500 francos (R$ 55,2 mil) após desconto de custos processuais do caso julgado em 15 de agosto de 1989. A decisão foi divulgada nesta quarta-feira (3).
O Grêmio foi jogar um torneio chamado Copa Phillips em Berna (Suíça) no fim de julho de 1987. Treinado por Luiz Felipe Scolari, o time venceu o Benfica por 2 a 1 no dia 29. No dia seguinte, à noite, a polícia foi ao Hotel Metropole de Berna, onde o time estava, e leva presos os jogadores Alex Stival (Cuca), Henrique Etges, Fernando Castoldi e Eduardo Hamester.
Segundo o juiz Jürg Blaser, eles teriam cometido ato sexual sob coerção com Sandra Pfäffli, de 13 anos, filha de um funcionário do hotel. A garota disse à polícia que foi ao quarto dos jogadores com dois amigos para pedir autógrafos, camisas e flâmulas, mas acabou abusada quando eles deixaram o local.
O Grêmio afirmou inicialmente que ela apenas esteve lá para pedir os brindes, mas Henrique e Eduardo confessaram ter feito sexo com Sandra de forma consensual. Fernando e Cuca negaram participação desde o começo.
Ao jornal suíço Blick, Sandra disse que três jogadores a imobilizaram e um a estuprou, que segundo ela poderia ser Cuca. Nos depoimentos, ela não o identificou ao ver fotos. Ao "Jornal dos Sports", Cuca disse que ela não aparentava a idade e que subira para fazer sexo com um de seus colegas, que não nomeou.
Os jogadores foram levados para prisões separadas e acabaram soltos após um mês, passada a instrução inicial do processo, e levados para o Brasil pelo advogado Luiz Carlos Pereira Silveira Martins, o Cacalo, vice jurídico do Grêmio à época. Eles pagaram fiança de US$ 1.500 cada (R$ 20 mil hoje, em valores corrigidos pela inflação americana).
O processo seguiu seu curso e, em 1989, Cuca, Henrique e Eduardo foram condenados a 15 meses de prisão e uma multa de US$ 8.000 (R$ 106 mil hoje). Eles foram enquadrados por "fornicação com crianças" e "coerção", mas isentados de acusação de violência, pelo que a promotoria queria uma pena de 10 anos. Já Fernando pegou 3 meses e multa de US$ 4.000 (R$ 53 mil hoje) como cúmplice, por ter ficado segundo o juiz monitorando a porta do quarto.
O advogado de Sandra no caso, Willi Egloff, afirmou ao UOL que a garota chegou a tentar se matar posteriormente e teve depressão. Na época do incidente, policiais disseram que ela não parecia abalada nos depoimentos, e que pediu autorização para ir à final da Copa Phillips entre o Grêmio e o Neuchatel Xamax, vencida pelos gaúchos no dia seguinte à prisão. Quando o processo foi reaberto, a Justiça descobriu que Sandra já havia morrido anos antes, localizou um herdeiro, mas ele não quis se envolver no caso.
Os jogadores não voltaram à Suíça para se defender e nunca cumpriram as penas, que prescreveram —em 1997 ou 2004, a depender da interpretação legal. No dia do julgamento, 15 de agosto de 1989, apenas Fernando tinha um advogado presente — Cacalo disse estar presente, mas isso não consta dos autos.
A acusação de estupro acompanha a carreira de Cuca, mas foi apenas em 2023 que o tema ganhou dimensão maior, após o treinador ter assumido o comando técnico do Corinthians. Com protestos intensos de redes sociais e do time feminino do clube, ele deixou o cargo após dois jogos, em 26 de abril.
Cuca sempre disse ser inocente. Uma versão inicial era de que ele tinha uma "vaga lembrança" do ocorrido e de que havia sido julgado à revelia. Na versão do técnico, o quarto era duplo e em forma de L, e ele não viu o que os colegas fizeram com Sandra Pfäffli. À época, contudo, ele disse ao jornal Zero Hora que todos "deviam pagar", independentemente do que tivessem feito.
Não. Sua defesa, contudo, reuniu elementos novos para sustentar que ele não estuprou Sandra, mas o Tribunal de Berna fixou-se apenas na irregularidade do julgamento. (Com Folhapress)