Tricampeão mundial em 1970, Paulo Cezar Caju há um bom tempo não vibra pela seleção brasileira. Segundo ele, o nosso futebol distanciou-se das origens e tornou-se pragmático. Por ironia do destino, o time que ele adotou como seu é o adversário de hoje da equipe de Tite. “Não estou nem aí para a seleção”, comenta. Com opiniões firmes e personalidade forte, PC Caju não foge das divididas e fala sobre racismo, corrupção na CBF e na Fifa e a falta de posicionamento político dos nossos jogadores: “São um bando de alienados”.
Em maio, você afirmou que a lista de convocados não te empolgou e que não te entusiasma a maneira de jogar da equipe – pragmática, na sua opinião. Você também já comentou que a seleção não conta com a sua torcida há muito tempo. O futebol brasileiro está decadente, longe de suas origens?
As arenas no Brasil se transformaram em estádios para rico. Quem ganha mil reais não consegue ir aos jogos. E a qualidade do nosso futebol está uma porcaria. Os melhores jogadores do país estão na Europa. A seleção brasileira não me interessa, gosto de futebol bonito, não importa de onde. Independentemente se ganha título ou não, gosto da escola belga e não é de agora. Eles têm um estilo gostoso. Não quero falar sobre seleção brasileira, sobre Neymar. Não estou nem aí para a seleção, queria que acabasse tudo, que explodissem o Brasil. Estou torcendo para a Bélgica. Gosto de futebol leve, solto, limpo. A Bélgica tem jogadores talentosos que amadurecem a cada Copa. Não gosto de força, gosto da caneta, de balãozinho.
Você sempre se manifestou sobre assuntos que extrapolam os gramados. No Brasil, existe uma cultura de que futebol e política não se misturam. Não é muito comum o jogador brasileiro se posicionar politicamente ou sobre alguma questão social. Por que isso acontece?
Porque são um bando de alienados. Sabem de tudo o que acontece. Aqui no Brasil não precisa contar com ninguém. Só depois que jogaram banana para o Daniel Alves ele foi ver que é filho de preto. O Neymar disse que não é preto. Você vê esses caras assumirem alguma posição? Nem com relação à corrupção na CBF. Um está preso (José Maria Marin, ex-presidente da entidade) e tem dois (Marco Polo Del Nero e Ricardo Teixeira, também ex-presidentes) que a Interpol só está esperando que eles pisem fora do país para prendê-los. Fui cortado da Copa de 1978 porque bati de frente com o Almirante Heleno Nunes, ex-presidente da CBD (Confederação Brasileira de Desportos, hoje CBF). Mandei ele passear, cuidar de armas, porque de futebol ele não entendia nada. Zico, Rivellino, Luís Pereira... ninguém se levantou para me defender, mas tudo bem. Não cobrei nada de ninguém. Não dependi da minha classe, me defendi sozinho. Não vou me preocupar agora. Se eu jogasse hoje, reuniria os jogadores e falaria para não jogarmos na seleção enquanto os casos de corrupção naõ fossem resolvidos. Tem uma música do Bezerra da Silva que é genial: "Se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão".
Inclusive, você não poupa crítica a jogadores da seleção e ao Tite, por exemplo, que, na sua opinião, não poderiam se calar diante dos casos de corrupção da CBF.
O Tite é um pastor chato. Não suporto esse cara, estou de saco cheio dele, da escola gaúcha de Mano Menezes, Celso Roth, Dunga... Eles fizeram muito mal ao futebol brasileiro e, por causa de essa gaúcha, não temos mais um diferencial.
Por falar em treinador, o Aliou Cissé, de Senegal, é o único técnico negro na Copa do Mundo e o que recebe o menor salário. Infelizmente, o racismo é uma realidade presente no futebol e em outros esportes no mundo inteiro. Como você lidou com isso na adolescência e no começo da sua carreira?
Sou filho de mineira, de Três Corações. Minha mãe era linda, inteligente, nunca teve direito de ler e escrever, mas venceu com a educação dela, dedicação. Nasci em um barraco na favela do Riode Janeiro, não tinha tráfico, não tinha bandido. Eu jogava bola e apanhava da minha mãe de vara de marmelo porque ela não queria que eu fosse jogador de futebol. Era profissão de malandro, de vagabundo. Ela começou a mudar de ideia quando o Brasil ganhou a primeira Copa, em 1958. Tive que ter muita estrutura. Comprei uma briga, porque moramos em um país racista. E o Rio de Janeiro é a cidade mais racista do Brasil. Com 20 para 21 anos, já campeão mundial com a seleção, meus amigos da alta sociedade do Rio gostavam do meu futebol e de mim, e comecei a frequentar as melhores boates da cidade. Eu via que incomodava, tinha um ar de "o que esse negro está fazendo aqui?". E eu cagava para isso. Fui derrubando essas, sem agredir ninguém. Lia muito, sempre fui inteligente. Sempre gostei de cinema, teatro, de interagir com as pessoas. A imprensa também não suportava isso. Eu confiava no meu talento, não era arrogância, era a arma que eu tinha. Eu era vaiado na porta de hotel, aeroporto, mas isso me fortalecia, eu não podia abaixar a cabeça. Sempre quis entender porque eu não poderia entrar nas melhores boates do Rio. Fui abrindo as portas. Eu pensava: "Pago meus impostos, faço tudo certo, e por causa da minha pele sou discriminado?".
Fazendo um paralelo de hoje com 30, 40 anos atrás, quando você jogava, o cenário melhorou?
Hoje, discute-se mais o racismo, mas não mudou nada. Me fala uma coisa: qual comandante de avião negro você já viu? Com educação, cultura, respeito e solidariedade podemos mudar isso.
Nesta Copa, dois jogadores da seleção suíça foram multados pela Fifa porque a instituição considerou que as comemorações de seus gols tiveram cunho político. Existe uma censura e patrulhamento por parte das grandes federações que controlam o futebol?
Não tenho a menor dúvida. E outra: a corrupção vem de onde? Da Fifa. É uma pena que as pessoas que controlam o futebol estejam tão envolvidas com corrupção. Hoje, quando vejo esses escândalos que atingem também a Conmebol, as entidades africanas, e tem três ou quatro brasileiros, ninguém se manifesta. E a própria imprensa é culpada, porque você tem uma situação de esporte e corrupção e ninguém se pronuncia.
Ficou alguma frustração dos tempos de jogador?
A única coisa que sinto é que uma geração brilhante, que ganhou três Copas do Mundo, foi esquecida no próprio país deles. Como a (tenista) Maria Esther Bueno, que só foi homenageada depois que morreu. Somos um país sem memória, ignorante.
Você foi campeão em 1970 com aquele que é considerado por muitos como o maior time de todos os tempos. Qual é a sua melhor lembrança daquela campanha na Copa do México?
Sou privilegiado por ter estado naquele time, mas eu tinha talento, não estava ali do nada. O Botafogo, meu time na época, também era uma seleção, então eu já estava habituado a estar ao lado de craques. Não tinha essa de ficar "nossa, olha o Pelé, olha o Tostão, olha o Rivellino". Era normal. Eles também podiam ficar "nossa, olha o Caju".
Em 2016, você recebeu do presidente da França, François Hollande, a comenda de cavaleiro da Ordem Nacional da Legião de Honra. Imagino que isso deva ser motivo de tanto orgulho como um título mundial.
Essa comenda foi criada por Napoleão Bonaparte em 1802. O primeiro brasileiro a receber foi o Santos Dumont. Depois, o Sebastião Salgado. O legal é que me premiaram não só pelo futebol, mas também pela minha coerência. E eu fui o primeiro brasileiro negro a ser condecorado. Se eu fosse branco, a repercussão teria sido muito maior.