Em Brasília

Senado vota nesta quarta (9) projeto de clube-empresa. Veja detalhes da proposta

Interessados na nova lei, Cruzeiro, Atlético e América estudam a migração do formato associativo para o empresarial. Texto tem relatoria de Carlos Portinho

Por Thiago Nogueira
Publicado em 08 de junho de 2021 | 11:11
 
 
 
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O Senado Federal vota, nesta quarta-feira (9), o Projeto de Lei (PL) 5516/2019, que trata da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), com regras consideradas atrativas para que os clubes brasileiros se transformem em empresas.

O texto é originalmente de autoria do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), com relatoria do senador Carlos Portinho (PL-RJ). Nessa segunda-feira (7), Portinho divulgou um sumário com um resumo da proposta (confira abaixo todos os detalhes do PL).

O relatório ainda não foi protocolado porque o senador ainda aguarda as considerações do Ministério da Economia sobre o estudo de impacto tributário, o que deve acontecer ainda nesta terça-feira (8).

Durante o período de discussão da proposta ao longo de 2021, Carlos Portilho se reuniu com diversos dirigentes, entre eles, o presidente do Cruzeiro, Sérgio Santos Rodrigues, o presidente do Atlético, Sérgio Coelho, e o superintendente do América, Dower Araújo. A diretoria americana já tem um projeto avançado para se transformar em empresa.

O senador também ouviu profissionais do mercado esportivo, executivos da CBF, atletas, ex-atletas, governo federal, advogados especialistas em direito desportivo e também concedeu entrevistas, entre elas, para o Super.FC.

A votação em plenário deve acontecer em turno único. Se aprovado, o texto passa pela Câmara dos Deputados antes de ir à sanção do presidente da República.

Confira detalhes da proposta:

SUMÁRIO EXECUTIVO DO PL 5516/2019

O Projeto se assenta nos seguintes pontos fundamentais e no aperfeiçoamento da proposta original, mas sem perder a simplicidade do seu texto e a objetividade de suas propostas consagradas na iniciativa do Senador Rodrigo Pacheco. A saber:

FACULTATIVO

A constituição da SAF é facultativa. Pedra fundamental que respeita a Constituição: liberdade de Associação e Autonomia Desportiva.

Por ser facultativo TEM que ser sedutor ao Clube para estimular a constituição da SAF, como também ao Investidor para ser atraído, trazendo riquezas para o País. Tanto o trato do passivo trabalhista como o futuro tributário têm em vista esse conceito. Do contrário, seria esta Lei letra morta.

POR QUE O MODELO EMPRESARIAL SOCIEDADE ANÔNIMA?

O modelo empresarial eleito de todos certamente é o mais complexo. E por ser mais complexo, exigindo prévia estruturação e preparo, visa a afastar aventuras e aventureiros.

A Sociedade Anônima de todos os modelos empresariais é aquele único que possui instrumentos de capitalização e financiamento próprios, tais como lançamento de debentures, atração de fundos de investimentos, lançamento e subscrição de ações e mesmo a abertura do seu capital em bolsa, eventualmente.

A Sociedade Anônima possui instrumentos de controle, governança e compliance, fiscalização por órgãos internos e externos, como pela CVM, ao contrário de outros tipos empresariais.

De todos os modelos societários a Sociedade Anônima certamente é aquele mais obstinado ao lucro e ao resultado. Infelizmente, empresas limitadas não necessariamente nascem para dar lucro e em muitas há a confusão do patrimônio da empresa com o patrimônio dos sócios, embora não seja a regra.

Na Sociedade Anônima a regra é a responsabilidade da gestão, algo almejado há muitos anos no futebol brasileiro.

Definir um único modelo societário torna a lei mais simples e objetiva. Fossem vários os modelos, diferentes seriam as repercussões jurídicas e mais distante do objetivo da lei a eficiência que se persegue.

SAF É DO FUTEBOL

Como diz o nome a Sociedade Anônima é do Futebol: SAF.

Essa compreensão nos faz excluir do projeto original tanto a possibilidade de outras modalidades migrarem com o Futebol para a SAF, como a possibilidade de Entidades de Administração, Federações e CBF, transformarem-se em SAF.

No primeiro caso porque, ao tratar da Sociedade do Futebol, afasta-se um dilema histórico: é o Futebol que financia o Clube e permite o investimento em outras modalidades ou é o Futebol que endivida o Clube e impede o desenvolvimento de outras modalidades esportivas?

O Futebol possui um modelo próprio de negócios e já amadurecido no mundo inteiro, bem diferente do modelo de negócios de outras modalidades esportivas, que se valem muitas de patrocínios públicos, associação a marcas comerciais e outros elementos específicos, diferente do que ocorre no Futebol.

Além do mais, essa separação permite compreender melhor o perfil da dívida dos Clubes, o que importa sobremaneira ao Investidor.

No segundo caso, confesso que em mais de 25 anos militando na esfera desportiva, nunca ouvi qualquer demanda por parte das Federações ou mesmo da CBF pretendendo se converter num modelo empresarial.

Além do mais, em ambos os casos, haveria repercussões jurídicas as mais variadas, além de perdermos o foco do Projeto discutindo questões próprias de outras modalidades ou das Federações e Confederações.

Sem contar, ainda, as relações jurídicas internacionais típicas do Esporte e a interferência na sua autonomia desportiva.

Sem prejuízo, ressalvo que o sucesso do PL 5516/19, destinado ao setor do Futebol exclusivamente, poderá permitir a construção no futuro de legislação semelhante em ambas as hipóteses acima destacadas, adequada aos seus específicos modelos de negócio.

O TRATAMENTO DA DÍVIDA

No Projeto Original, além de não prever a sucessão das obrigações pela SAF, havia a previsão de dividendos obrigatórios na ordem de 25% (vinte e cinco por cento) ao final do exercício fiscal destinado ao Clube ou a Pessoa Jurídica Original. Cinquenta por cento (50%) desses dividendos reverteriam para pagamento do passivo destes.

Ocorre que logo na primeira reunião com a CBF, e na segunda com Advogados dos credores de “Clubes”, houve críticas de ambos os lados quanto ao tratamento dispensado no texto às dívidas. Isso porque, não se poderia admitir que os credores aguardassem o encerramento do ano fiscal para saber se houve lucro, qual o lucro, e como se daria a divisão dessa receita para o pagamento dos credores.

Há 19 anos e vigorando em todo Brasil, a Justiça do Trabalho editou Ato Normativo para a Centralização das Execuções, promovendo o Concurso de Credores. Nesse sistema, um percentual das receitas mensais ou um valor fixo, dependendo do Tribunal do Trabalho de cada Estado, destina-se ao pagamento “em fila” dos credores.

O TST, por ato próprio, buscou a sua padronização em todo território nacional, contudo, sem sucesso, motivo pelo qual os Advogados dos credores e os Sindicatos demandaram nas rodadas de reunião do PL 5516/2019 a sua padronização, e com a definição de percentual mensal sobre as receitas, na medida em que a fixação em valor pré determinado não considera os acessos e rebaixamentos nas divisões nacionais, e consequentemente a variação das receitas dos clubes, obrigando a cada ano a repactuação da dívida em decorrência do resultado desportivo.

Noutra via, o Figueirense Futebol Clube, de Santa Catarina, logrou neste ano de 2021, e com sucesso no Judiciário do seu estado, o deferimento do processamento da sua Recuperação Judicial, considerando que Clubes de Futebol, mesmo como Associações Civis, exercem típica atividade de cunho econômico.

Dessa forma, optou-se no Substitutivo por reconhecer a sucessão, mas estabelecendo limites ao empenho das receitas, o modo e a forma do pagamento das dívidas cível e trabalhista dos clubes ou pessoa jurídica original, ademais ajustando o texto inicial ao que já existe e vigora nos Tribunais, assim outorgando ao clube ou a pessoa jurídica original as seguintes alternativas para o tratamento do seu passivo: (i) ou o pagamento direto das dívidas pelo Clube,(ii) ou por meio de Recuperação Judicial (negociação coletiva); (iii) ou por meio do Concurso de Credores, mediante a Centralização das Execuções (negociação individual ou coletiva), respeitando o privilegio da dívida trabalhista e a preferência dos idosos, gestantes, acidentes de trabalho, acordos, dentre outros elementos prioritários e expressos no substitutivo.

Vale o registro que Clubes dos mais variados tamanhos e regiões do País, como o Flamengo, Athlético Paranaense, Atlético Goianiense e CSA, mas não exclusivamente, praticamente zeraram as suas dívidas, cumprindo religiosamente esse sistema.

No caso do Flamengo, este quitou em aproximadamente 6 (seis) anos o seu passivo trabalhista, e em 8 (oito) anos, mesmo como Associação Civil, mas implementando modelo de gestão típico de uma Sociedade Anônima (governança, transparência e controle), pagou mais de um bilhão de reais em dívidas.

Considerando que nem todos os Clubes do Brasil têm o tamanho da torcida do Flamengo e a mesma capacidade de gerar receitas, o substitutivo confere o prazo de 10 anos para o seu pagamento, num sistema que permite a transferência mensal de receitas ao Clube em percentual fixado sobre o faturamento da SAF e o seu lucro anual, com a obrigação e a responsabilidade pessoal do dirigente do Clube remeter esses recursos ao Juízo, efetuando de forma ordenada o pagamento dos seus credores, seja pelo Concurso de Credores e a Centralização das Execuções, seja pelo caminho da Recuperação Judicial, enfrentando assim o seu passivo civil e trabalhista.

Além do mais, é previsto no substitutivo alguns “instrumentos de aceleração” antes não regulamentados, validados com os Advogados dos credores e Sindicatos de todo o Brasil, com o objetivo de satisfazer a dívida social, que é o passivo trabalhista, bem como as dívidas de natureza civil. São os seguintes:

a) Deságio: permite o titular do crédito negociar a redução da dívida em acordo com o devedor. Registre-se que essa prática já vem sendo exercida por muitos juízes do Trabalho informalmente em todo o Brasil, buscando acordos sobre a dívida;

b) Cessão do crédito a terceiro: permite que o titular do crédito, não concordando com o deságio oferecido pelo devedor, busque no mercado condições melhores, num sistema semelhante aos Precatórios, ocupando o terceiro a mesma posição daquele na fila de credores;

c) Conversão da dívida em ações da SAF: permite a conversão do todo ou parte da dívida em ações da SAF – sugestão proposta por Nota Técnica dos Sindicatos;

d) Emissão de títulos de mercado revertendo para o pagamento da dívida: como a Sociedade Anônima, entre todos os modelos empresariais, é o único que permite a sua capitalização e financiamento mediante a emissão de títulos de mercado, como fundos, ações e no caso da SAF as debêntures-fut, o devedor pode a qualquer tempo decidir pela substituição do credor e o alongamento da dívida, emitindo títulos os mais variados para o seu pagamento e a satisfação dos credores originais.

Vale notar que as alternativas não se anulam e na hipótese de o Clube não suportar o Concurso de Credores, terá ele sempre à disposição a sua Recuperação Judicial, uma vez reconhecida na Lei da SAF a legitimidade do Clube para requerê-la, e com isso buscar a negociação coletiva do seu passivo, lançando mão da Recuperação Judicial, seja como primeira ou última alternativa, para a sua reestruturação a qualquer tempo.

TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DA SAF

No texto original do PL 5516/2019 foi criado um tratamento tributário específico para a SAF, pelo qual, no período dos primeiros 10 (dez) anos de sua constituição, poderia optar em 5(cinco) anos por um regime específico, incidindo alíquota única de 5% (cinco por cento) em regime de caixa, ou seja, sobre as suas receitas e não sobre lucro. Nos demais anos, incidiria a tributação própria de uma S.A, ou seja, cerca de 34% (trinta e quatro por cento) sobre o lucro.

O texto original nos forneceu a base para uma proposta mais adequada, na medida em que, primeiro, por ser facultativo, é preciso guardar o conceito inicial da atratividade ao Clube se transformar em SAF, e da sedução ao Investidor em aportar recursos no País.

Segundo, manter o equilíbrio entre o Clube (Associação Civil) e a SAF constituída, eis que disputarão os mesmos campeonatos, sob o risco de haver um desequilíbrio desportivo na competição ou o chamado doping financeiro reverso, convivendo um modelo que muito arrecada e diminui a sua capacidade de investimento (SAF), com outro que nada ou muito pouco arrecada (Clube).

Terceiro, é preciso dar o “espaço fiscal” ou de caixa para que a SAF possa alimentar o Clube Original para que esse honre as suas dívidas no sistema proposto, sobretudo aquelas de natureza trabalhista, por se tratar de um passivo social.

Dessa forma, e encontrando parâmetro noutras atividades econômicas, como o regime tributário adotado no setor da construção civil para Incorporações, onde incide a alíquota de 4% (quatro por cento) unificada e em regime de caixa, propomos o aperfeiçoamento do texto para prever a Tributação Específica do Futebol (TEF) para as SAFs da seguinte forma:

a) Nos primeiros 5 (cinco) anos a partir da constituição da SAF, incidindo a alíquota de 5% (cinco por cento), em regime de caixa mensal, excluindo-se a alínea sobre a cessão de direitos de Atletas (vulgar e erradamente conhecido como “venda de Atletas”). Vale observar que hoje no regime associativo dos Clubes o Governo não arrecada nada sobre essa alínea, tampouco sobre receitas de Sócio Torcedor e “match day” (o dia de jogo e todas as atividades que giram em torno da partida). (Anexo III)

b) A partir do 6 (sexto) ano da constituição da SAF, incidindo a alíquota de 4% (quatro por cento), em “regime de caixa mensal”, sobre todas as receitas, inclusive sobre cessão de direitos de Atletas.

Registre-se que, primeiro, não fosse a TEF, mas ao pretender-se aplicar a tributação própria de uma S.A, certamente a Lei seria letra morta, pois dificilmente estimularia um Clube que nada ou pouco paga de tributos a transformar-se em SAF, ou tampouco seriam seduzidos Investidores a trazer riquezas para o País.

Neste aspecto, vale notar que concorremos, além das nossas fronteiras, com o mundo, como exemplo podemos citar o Uruguai, cuja alíquota é zero, ou o Chile, bem inferior a 34%. Desse modo, ainda que algum Clube se transformasse em SAF, haveria espaço evidentemente para manobras fiscais, por exemplo, com a cessão de um Atleta a um Clube do Uruguai abaixo do seu valor de mercado, pouco arrecadando em nosso País, para de lá ser vendido à Europa por muitos milhões em moeda estrangeira.

Segundo, as simulações com a TEF representam na média um aumento de arrecadação na ordem de 24% (vinte e quatro por cento) para o Governo se comparado com o que arrecadam os Clubes como Associações Civis. E aqueles que adotaram modelos de gestão

típicos de uma S.A, alcançando eficiência, como o Flamengo e o Athlético Paranaense (o que se almeja com a SAF), a TEF representará um aumento de arrecadação variando de 27% (vinte e sete por cento) a 50% (cinquenta por cento), conforme se observa do Anexo IV, compartilhado com o Ministério da Economia e a Receita Federal.

Terceiro, assim como ocorre com os Clubes sendo esses Associação Civil sem finalidade lucrativa, e o que justamente no passado justificou uma tributação específica para eles, o substitutivo outorga às SAFs uma obrigatória contrapartida social em Capítulo próprio, além das obrigações com a formação dos Atletas jovens, que confere a Lei Pelé (9.615/98), também por isso justificando uma tributação específica e que encontra parâmetro noutros setores da nossa economia, como já mencionado.

Por final, quanto ao passivo tributário, clubes já estão inscritos no Profut, programa de refinanciamento do Governo Federal, e aqueles que eventualmente não se enquadram o Substitutivo admite a mediação tributária caso manifestem o desejo de se transformar em SAF, alternativa já anteriormente prevista na legislação regular em vigor.

O RETORNO DO PROTAGONISMO DOS CLUBES NOS NEGÓCIOS

Desde o fim da “Lei do Passe”, embora justo e necessário, o que se viu foi a perda do protagonismo dos clubes nos negócios do futebol e a supervalorização dos empresários. Fato.

O PL 5516/20 permite acreditar que com a constituição da SAF os clubes retomarão o seu lugar nos negócios do futebol. Tomamos como exemplo recentemente a venda dos direitos desportivos do atleta Vinicius Junior ao Real Madrid, jovem expoente e revelação do

Flamengo, cujo negócio alcançou 40 Milhões de Euros. Para um investidor, ou clube estrangeiro, possivelmente seria melhor o investimento desse valor na SAF, diluindo os riscos do seu investimento e tendo uma cesta de atletas em formação para dela se beneficiar como acionista. O momento da “venda” poderia inclusive ser postergado, com isso retendo com maior frequência os jovens talentos no nosso País.

Um aporte nessa ordem de 40 Milhões de Euros numa SAF, sanearia imediatamente as finanças de muitos clubes formadores, hoje em difícil situação financeira, permitindo a sua reestruturação.

O retorno do protagonismo das Entidades de Prática Desportiva nos negócios do futebol também se projeta com a Sociedade Anônima do Futebol.

CONCLUSÃO

Sendo esses os principais pontos de ajuste em relação ao texto original e as virtudes deste Projeto, que visa uma profunda reforma do mercado do Futebol no Brasil, peço os colegas Senadores a sua aprovação, com a legitimidade conferida pelo setor e a sua participação direta, convergindo com o Substitutivo apresentado.

Brasília, 7 de junho de 2021.

SENADOR CARLOS PORTINHO (PL-RJ)

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