Análises

MP 984: especialistas falam sobre as mudanças no direito de transmissão de jogos

Texto da Medida Provisória editada pelo presidente da república traz, entre outros pontos, a venda da exibição das partidas por parte do clube mandante

Por Fernando Martins Y Miguel
Publicado em 19 de junho de 2020 | 12:20
 
 
 
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A MP 984, editada pelo presidente Jair Bolsonaro, interfere na venda dos direitos de transmissão do futebol brasileiro. A Medida Provisória diz respeito aos clubes, que poderão vender seus jogos enquanto mandante livremente. Ela tem validade por 60 dias, com a possibilidade de ser prorrogada por mais 60, caso não seja votada pelo Congresso.

O texto diz que passa a pertencer apenas ao clube mandante o direito de arena e transmissão dos jogos sob seu mando. Atualmente, a lei diz que o direito de arena pertence aos dois clubes envolvidos em cada partida. Na hipótese de eventos sem definição de mando de campo, a MP diz que a transmissão dependerá da anuência dos dois clubes.

A MP também traz a possibilidade de que, até o fim do ano, clubes de futebol do país possam firmar contratos de trabalho com atletas pelo período mínimo de 30 dias. Pela Lei Pelé, o prazo mínimo para contratos até então vigentes era de 90 dias. A medida tem por objetivo auxiliar pequenos clubes a finalizarem os campeonatos estaduais durante ou após a pandemia.

Além disso, o texto também prevê que passe a ser distribuído 5% da receita proveniente dos direitos aos atletas envolvidos no espetáculo e revoga os parágrafos 5º e 6º do artigo 27-A da Lei Pelé – que impedia que empresas detentoras de direitos de transmissão, seja em sons ou imagens, pudessem patrocinar ou veicular sua própria marca, bem como a de seus canais e programas, nos uniformes de algum clube.

O Super.FC traz opiniões de especialistas em direito desportivo para analisar, pelo menos, na teoria, o que de fato poderá mudar no futebol brasileiro com a MP 984/2020, principalmente no que se refere às negociações dos direitos de transmissão das partidas de clubes mandantes.

Gustavo Lopes Pires de Souza, mestre em direito e comentarista em direito desportivo

"Eu penso que a MP é benéfica aos clubes. Existem pontos importantes. Um deles é a possibilidade do contrato de trabalho para 30 dias. Essa medida era necessária para o retorno dos campeonato estaduais. Os clubes menores não teriam a menor condição de fazer contratos de 90 dias com atletas somente para a retomada dos últimos jogos dos estaduais.

Sobre o direito de arena aos mandantes, ela acaba com o monopólio dos direitos de transmissão. Há muito tempo, um grupo de comunicação detinha o poder nas mãos. Com a nova realidade, os clubes passam a poder negociar individualmente. Eles têm 19 jogos para negociar com quem eles quiserem, da forma que eles quiserem.

Por exemplo, as Séries C e D não pagam direitos de transmissão. E existem muitos clubes com bastante apelo regional. Esses clubes podem negociar com emissoras locais ou com plataformas de streaming e, consequentemente, com possíveis patrocinadores.

Agora, ressalto uma questão importante. Os clubes menores, mais do que nunca, vão ter que se profissionais em seus departamentos de marketing. Terão que se especializar em negociações para valorizar a sua marca e não deixar, como acontece, uma federação negociar por ele. O clube vai ter que procurar alternativas para vender.

Temos que destacar que existem contratos vigentes, então, num primeiro momento, a medida não impacte tanto.

E o grande ponto é a sustentação e aprovação dessa medida pelo Congresso. A base do governo e o centrão podem aprovar, mas o presidente Rodrigo Maia já adiantou que essa MP precisaria ser melhor estudada. Então, existe uma linha grande para a não aprovação. Há quem entenda que não há caráter de urgência, o que a tornaria inconstitucional. E como o STF está em lado oposto ao presidente Jair Bolsonaro, pode ser que não seja aprovada".

Fernanda Soares, advogada especialista em negócios no esporte e direito desportivo

"A MP muda a lógica dos direitos de transmissão de uma forma muito interessante. Tudo o que eu vou dizer é em teoria, porque eu entendo que vamos precisar de um tempo para ver como se darão as relações dos atores envolvidos. Dito isso, eu acredito que a MP coloca nas mãos dos clubes um poder maior de barganha na hora de negociar seus direitos de transmissão, já que agora eles dependem só de si. 

Isso pode significar uma fonte de renda significativa para um clube menor quando mandante de uma partida contra um clube de maior expressão. Pode significar que clubes menores consigam que seus jogos sejam transmitidos por meio de contratos com empresas locais de comunicação, o que talvez traga mais renda a eles. Ou até mesmo os clubes transmitam seus próprios jogos, consigam aumentar seu engajamento online e atrair patrocinadores. Pode ser que nós, espectadores, tenhamos acesso a jogos que nunca teríamos. Então, pode ser que tenhamos as vendas de direitos de transmissão desta forma individual, ou que voltemos às negociações em bloco, mas não como pressão da detentora de direitos de transmissão, mas por interesse dos clubes. E aí a conversa é diferente".

Fellipe Fraga Gerçossimo, advogado especialista em direito desportivo

"Ao conceder o direito de transmissão exclusivamente ao clube mandante, a MP facilita que as equipes tenham maior poder de barganha nas negociações com os canais de televisão, já que tira a figura do clube visitante como instrumento de entrave na decisão. Ou seja, se o time da casa quer transmitir pelo seu próprio canal de streaming, ou se quer vender para qualquer emissora de TV a partida, assim será.

Juridicamente, entendo que a MP não afeta os contratos já vigentes, cuja validade - ao menos dos que fizeram com a Globo, é válido por um longo período. Esses contratos foram feitos no que chamamos de negócio jurídico perfeito, já que as vontades das partes foram reais e o objeto do contrato é lícito. Ainda é um cenário turvo, já que os detalhes dos contratos não são públicos e a medida pode abrir brecha jurídica para termos, pelo menos, bastante discussão nos próximos meses.

As equipes que não fecharam acordo para direito de transmissão, ou pelo menos deixaram parte disso em aberto, se beneficiam imediatamente com a medida: o Flamengo, por exemplo, transmitirá seu próximo jogo na FlaTV. Outras equipes já aceleram seus projetos de um canal próprio de streaming. A MP tem validade imediata, pelo menos enquanto o Congresso não analisar, e será uma oportunidade de ouro para as entidades esportivas experimentarem novas formas de transmissão.

Acho que a MP não será derrubada assim. Até porque o fato de ela reduzir o tempo mínimo do contrato dos atletas profissionais é urgente para a maioria dos clubes, que tiveram de dispensar seus atletas e, agora, precisam retomar os jogos. A validade dela de 120 dias, no máximo, dá tempo de muita coisa rolar.

Por fim, acho importante ressaltar que a medida acaba enfraquecendo o sonho de uma liga - uma organização dos clubes para a realização do campeonato e da negociação dos direitos de transmissão em conjunto e não separadamente, como ocorre na Europa. Com interesses individuais diversos, permanecendo a medida provisória, teremos uma "salada" de transmissão e possivelmente mais dificuldade para os torcedores acompanharem os jogos das equipes".

Lásaro Cândido Cunha, mestre em direito processual, doutor em direito constitucional e vice-presidente do Atlético

"Em relação ao mérito da MP, o direito de arena ser comercializado pelo mandante, a liberdade é sempre importante. Mas essa liberdade tem que ser seguida com organização das equipes que participam da competição. O Flamengo cometeu uma traição, ou, no mínimo, um desrespeito aos clubes por ter que tratar isso coletivamente. O Flamengo não joga sozinho. O Atlético, outro dia, estava estimulando o projeto de lei que prorrogava as parcelas do Profut. E o Atlético nem era beneficiado, porque ele já antecipou esse pagamento. No entanto, beneficiava outros também. Então, temos que pensar no coletivo. O coletivo é importante e isso faltou".

 

 

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