Duas das cidades históricas mais lindas do mundo, Veneza e Roma costumam fazer parte do roteiro de qualquer casal em primeira, segunda ou vigésima quinta lua de mel pela Europa. Faz sentido: as fontes, as pontes, as praças, os músicos na rua, os restaurantes à meia-luz nas vielas centenárias, quando não, milenares... Tudo se apresenta como um convite ao romance. 

Mas comigo precisou ser diferente. Acompanhado de minha digníssima, fui em busca da boemia dessas cidades.

Dicionário boêmio

Bar, cantina, bacaro, bacareto, cicheteria, osteria, enoteca, enobar... Não me sai da cabeça o fascínio que foi conhecer todos os tipos de estabelecimentos etílico-gastronômicos que se espalham pelos canais de Veneza, a cidade do amor. Esqueça as gôndolas e os vaporetos: há que se andar, atravessar pontes, subir escadas, dobrar quebradas, perder-se por horas em becos e vielas para conhecer ao menos um décimo desses lugares maravilhosos para os sentidos. E uma passada d’olhos no dicionário também é importante: as classificações são inúmeras. E as diferenças, sutis.

“Bacaro” é o boteco. Para muitos, a alma da boemia veneziana. O balcão do happy hour, onde se encosta para beber uma ombra (pequena taça de vinho) ou uma cerveja. No balcão, os “cichetti” (cichetto, no singular), que são petiscos individuais (bolinhos ou canapés), muitas vezes vêm de graça (principalmente em happy hours). Os “bacari” são pequenos e discretos, mas costumam ter balcões confortáveis e mesas do lado de fora. Lotam no verão. O Bacaro Risorto, a uns 300 m da Piazza San Marco, é dos mais tradicionais. O Paradiso Perduto é o clássico das madrugadas. E o Al Timon, o preferido dos dias de sol, com gente comendo e bebendo nos barcos ancorados no canal em frente.

"Uma passada d’olhos no dicionário também é importante: as classificações são inúmeras."

Já um “bacareto” é um pequeno boteco. São os “pés-sujinhos” de Veneza. Para mim, os melhores. Minúsculos, quase sem espaço para mais do que cinco fregueses do lado de dentro e mesinhas ou tamboretes – ou nada – do lado de fora. São comuns nas “fondamentas”, as vielas que beiram os canais secundários da cidade. São estabelecimento bem familiares, onde muitas vezes a comida se limita aos “taglieri”, pratinhos com frios e queijos, e às ombras de vinho regional.

“Cicheteria” é o bacaro especializado em petiscos. Costuma oferecer um mar de petiscos de balcão, quase sempre montados em forma de canapés. A La Patatina, especializada em friturinhas, é memorável.

Sofisticação

“Osteria” é um pequeno restaurante de comida local, que serve tanto petiscos quanto pratos mais elaborados. A princípio, são casas simples, mas em Veneza as osterias podem ser mais sofisticadas também. Como o termo “comida local” varia de cidade para cidade na Itália, a osteria, em Veneza, está muito associada aos frutos do mar. Osterias também são ótimos lugares para beber. É onde se costuma encontrar vinhos com o melhor custo-benefício e também os melhores happy hours, onde o spritz corre abundante. Numa boa osteria, por meros 5 euros pode-se passar das 16h às 19h comendo sem parar uma infinidade de cichetti, com ombras a menos de 2 euros e spritz a cerca de 5 euros. A Osteria Antica Adelaide é um desses templos.

Na categoria “enobar” costuma-se encontrar os bares mais sofisticados da cidade, mas nem sempre. Geralmente são gastrobares que focam suas baterias nos bons vinhos italianos e nos petiscos de mais alto gabarito. É o caso do excelente Enobar Ostinati.


Clima despojado em Roma

Nos tempos mais ancestrais do Império, um dos limites da cidade de Roma eram as margens do rio Tevere. Portanto, o lado de lá do rio, o Trastevere, já foi terra hostil. Hoje, Trastevere é um dos 21 bairros de Roma, mas não apenas. É o mais boêmio da cidade.

Se quem tem boca vai a Roma, quem tem sede vai a Trastevere. E quem vai a Trastevere tem que passar pela praça San Calisto. Ali, o bar que leva o nome da praça funciona há 70 anos como uma espécie de Baixo Gávea dos romanos. Não há quem não tenha passado pelo menos uma vez na vida nesse simpático botequim onde ninguém fala inglês, as cervejas Peroni (a Skol deles) são servidas sem copo, e multidões de todas as idades se acotovelam no balcão para pedir o sorvete de limão de 1, provavelmente o mais barato de toda a Europa. Que durante a noite pode ser servido também numa tacinha, misturado com vodca ou espumante.

O clima totalmente despojado do San Calisto é o mais popular da boemia de Trastevere, que tem muitos outros bares a oferecer, para todos os gostos. Perto dali, o Bacanalle mistura shots de uísque, taças de vinho, hambúrgueres e trilha sonora movida a rock durante toda a madrugada. Mais adiante e bem mais escondido, o Lettere Cafè foge completamente ao roteiro turístico do bairro para abrigar quase que exclusivamente moradores em sessões semanais de jazz e literatura, com taças de vinho a preços populares e porções generosas de batatinhas servidas de cortesia.

Cortesia é a tônica dos bares populares de Roma. Do outro lado do rio, no gueto judeu, o antiquíssimo Totó oferece um banquete de aperitivos para quem pede duas taças de vinho. Tudo por menos de 8 euros.