Aprovado na última quarta-feira (19) pela Comissão de Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, o projeto de lei que autoriza o funcionamento de cassinos e bingos no Brasil traz discretamente em seu texto um outro “detalhe” relevante: a volta dos fumódromos, espaços proibidos no Brasil desde 2011 pela lei 12.546. Agora, entidades ligadas à saúde criticam o trecho do PL e afirmam que isso pode prejudicar a luta contra o cigarro no país. 

A medida está prevista nos artigos 58 e 65 do projeto de lei, cujos estabelecimentos autorizados à exploração de jogos de bingo e jogos de cassino deverão possuir áreas reservadas para fumantes.

Para o médico pneumologista Ricardo Martins, secretário-geral da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), a medida pode colocar em risco os funcionários dos locais de apostas e frequentadores não fumantes que inalariam fumaça “por tabela” ao estarem em locais fechados com outros fumantes. 

“É gravíssimo e vai contra as recomendações do Ministério da Saúde. A curto prazo, esse fumo passivo pode provocar alergias e bronquites. A longo prazo, pode causar diversos tipos de câncer. A pessoa que optou por não fumar acaba tendo os mesmos problemas de quem decidiu fazer uso do cigarro. É um atentado à saúde pública”, afirma. 

De acordo com o texto do projeto de lei, será autorizada a instalação de cassinos em polos turísticos ou em complexos integrados de lazer, como resorts e hotéis de alto padrão, além de restaurantes, bares e locais para reuniões e eventos culturais. Embarcações marítimas e navios fluviais também estão incluídos. 

Segundo dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), projeto do Ministério da Saúde, o percentual de 2023 de não fumantes expostos passivamente à fumaça no ambiente de trabalho é de 7%. Assim, a eventual aprovação do projeto “colocaria em risco a saúde dos trabalhadores e frequentadores dos estabelecimentos”.

Já a ACT Promoção da Saúde, organização não governamental que atua na promoção e defesa de políticas de saúde pública, alerta que mais de 20 mil pessoas morrem anualmente no Brasil em razão do tabagismo passivo. No mundo, são cerca de 1,3 milhão de pessoas.

“Não há níveis seguros de exposição à fumaça dos produtos fumígenos derivados ou não do tabaco. A exposição passiva à fumaça carcinogênica e tóxica destes produtos adoece e mata precocemente os indivíduos”, afirma a entidade em nota. 

Outro ponto levantado por Ricardo Martins é que os mecanismos de engenharia, tais como a ventilação, a troca do ar e o uso de áreas exclusivamente destinadas para fumar, não protegem contra a exposição à fumaça do tabaco. “Não traz proteção real e, mesmo com esses recursos, ainda há resíduos de fumaça no ambiente.”

Para ele, a medida também colocaria em risco a luta antitabagista no país, uma vez que a proibição dos fumódromos é justamente um dos fatores mais importantes para a redução no número de fumantes. 

“Quando a pessoa não pode fumar em lugar fechado, geralmente ela é estimulada a parar e busca um tratamento. Locais com jogos de azar estimulam a ansiedade e, se o cigarro for liberado, é muito provável que a pessoa vá fumar. Somos um dos países mais eficientes na luta contra o tabaco, reduzindo o número de fumantes em 30% desde 2011. Não podemos colocar isso em risco”, afirma. 

Em Belo Horizonte, de acordo com dados da Vigitel, o número de fumantes caiu de 15,7%, em 2006, para 9,6%, em 2023, o que representa uma redução média de 3,6% ao ano.  

A ACT Promoção da Saúde também reforça que ambientes livres da fumaça do cigarro contribuem para a redução da prevalência de fumantes, evita mortes e impacta positivamente a economia.

“A carga do tabagismo para o sistema de saúde é de R$ 112,2 bilhões de reais em decorrência de custos diretos com tratamento de doenças relacionadas ao fumar e indiretos por incapacidade e morte prematura. Já o tabagismo passivo e outras causas custam R$ 7,7 bilhões”, aponta a entidade. 

O projeto de lei 

O Projeto de Lei número 2.234, de 2022, foi aprovado nesta semana pela Comissão de Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado por 14 votos a 12. Ele autoriza o funcionamento de cassinos e bingos no Brasil, legaliza o jogo do bicho e permite apostas em corridas de cavalos. O texto segue agora para votação no Plenário do Senado, onde precisa dos votos da maioria dos 81 senadores para seguir adiante.

O projeto de lei já foi aprovado pela Câmara dos Deputados. Na CCJ do Senado, recebeu voto favorável do relator, o senador Irajá (PSD-TO), que acolheu emendas sugeridas e propôs ajustes. O texto original foi apresentado na Câmara em 1991. Desde então foi sendo alterado, até chegar ao projeto de 2022.