BRASÍLIA - A Polícia Civil do Distrito Federal indiciou a advogada Adélia de Jesus Soares, que defende a influenciadora Deolane Bezerra, por suposto envolvimento em esquema com chineses para abrir empresas de fachada, permitindo exploração ilegal de jogos de azar no Brasil.
Indiciada pelos crimes de falsidade ideológica e associação criminosa, Adélia Soares teria atuado como "facilitadora" e "laranja" do grupo em golpe relacionado ao chamado Jogo do Tigrinho.
A investigação aponta que criminosos chineses enviaram emissários ao Brasil para "operacionalizar" cassinos online ilegais. Adélia Soares teria se associado ao grupo e aberto uma empresa para lavar dinheiro de jogos de apostas.
O esquema movimentou cerca de R$ 2,5 bilhões, sem anuência do Banco Central, segundo a Polícia Civil do DF. Por isso um relatório foi enviado à Polícia Federal, apar dar prosseguimento a investigação sobre suspeita de crimes financeiros.
Dona de escritório de advocacia que leva seu nome, Adélia Soares participou do Big Brother Brasil de 2016. Ela foi eliminada do reality show e ficou conhecida por causa de um meme, no qual chorava dentro do programa por estar com vontade de comer melancia.
Adélia tem mais de 2 milhões de seguidores nas redes sociais, onde publica dicas para influenciadores. Uma delas diz “como fazer sorteios e divulgar rifas sem ser preso em 2024”.
Já Deolane Bezerra, mais famosa cliente de Adélia Soares e que também tem milhões de seguidoras nas redes sociais, está presa em Pernambuco por envolvimento em um esquema de lavagem de dinheiro e prática de jogos ilegais.
A Polícia Civil do DF não informou se há relação entre os casos de Deolane Bezerra e Adélia Soares. Em nota, a defesa de Adélia negou qualquer envolvimento dela em crimes. “As acusações feitas contra ela são infundadas e resultam de um golpe praticado por terceiros, que utilizaram seu nome de forma indevida e criminosa”, ressalta trecho do texto.
Polícia diz que Adélia Soares mentiu e desapareceu
A equipe de O TEMPO em Brasília teve acesso à cópia do relatório da 9ª Delegacia de Polícia Civil do DF que culminou no indiciamento de Adélia Soares.
Entenda passo a passo a investigação, com informações do relatório da polícia brasiliense:
- O caso começou a ser apurado após um funcionário terceirizado da unidade policial, que fica no Lago Norte, área nobre de Brasília, ser vítima de um golpe.
- O trabalhador transferiu cerca de R$ 1,8 mil para uma conta de apostas do Jogo do Tigrinho. O pagamento foi feito à PlayFlow, que recebe o dinheiro das apostas ilegais.
- A empresa, que foi registrada na Junta Comercial de São Paulo em 11 de julho de 2024, tem como administradora Adélia de Jesus, segundo a Polícia Civil do DF.
- A PlayFlow foi criada com documentos falsificados de uma empresa fictícia das Ilhas Virgens Britânicas (no Caribe), a Peach Blossom River Technology LTD.
- A PlayFlow surgiu após quebra de contrato entre as empresas Okpayments e Anspacepay.
- O grupo chinês que fazia parte da parceria precisava de nova empresa para receber os pagamentos do Jogo Tigrinho no Brasil. Com isso surgiu a PlayFlow.
- Além da falsificação de documentos e da ilegalidade no jogo, a Polícia Civil apontou que PlayFlow fraudou operações de câmbio com CPFs de pessoas mortas para levar o dinheiro das apostas para o exterior.
- No relatório enviado à Justiça, é relatado que Adélia Soares não colaborou com as investigações e até ignorou os contatos e as intimações formais por parte da Polícia Civil do DF para prestar depoimentos e enviar documentos.
No relatório, a 9ª Delegacia de Polícia afirma que Adélia Soares se apresentou aos investigadores como advogada da empresa Okpayments, "banco que possibilitava a ação de uma das companhias criminosas no país". Depois, ela negou conhecer os donos da empresa.
No documento da Polícia Civil também está escrito que Adélia mentiu e desapareceu após ser questionada sobre a relação com a PlayFlow. Os investigadores garantem não haver dúvida sobre seu envolvimento com o grupo criminoso chinês.
"As claras falsidades da advogada Adélia de Jesus Soares, seu desaparecimento após os questionamentos e seu nome como administradora da PlayFlow demonstram inquestionavelmente que ela também foi cooptada a abrir empresas de fachada para o grupo criminoso chinês", diz trecho do documento.
"A empresa PlayFlow foi aberta de maneira totalmente irregular, tendo sido juntado um pdf inválido em inglês de supostos atos constitutivos de uma empresa sediada na Ilhas Virgens Inglesas e a Playflow foi criada na JUC-SP [Junta comercial de SP] como sendo uma representante dessa empresa internacional chamada PEACH BLOSSOM RIVER TECHNOLOGY LTD", completa o relatório.
Na nota enviada pela sua defesa, Adélia Soares garantiu que está “colaborando ativamente com as autoridades para esclarecer os fatos e responsabilizar os verdadeiros culpados, uma vez que apenas prestou suporte administrativo para a empresa em questão”.
Escritório destaca trabalho com influencers e assessoria a empresas de streaming e jogos online
O site do escritório Adélia Soares Advocacia diz que a dona tem mais de 20 anos de experiência em direito e a sede fica no Itaim Bibi, bairro nobre de São Paulo, com filial em Mogi das Cruzes.
O texto de apresentação do escritório diz também que Adélia Soares é graduada pela Universidade São Francisco, com especialização em direito do consumidor pelo Mackenzie e mestrado em direitos difusos e coletivos pela PUC de São Paulo.
“Em 2015, o escritório iniciou atendimento personalizado a artistas, influencers, youtubers e figuras públicas, adentrando no universo dos contratos artísticos e do direito digital”, ressalta o texto na página oficial do escritório, que foi fundado em 2013.
Além de Deolane Bezerra, com que tem várias fotos nas redes sociais, na lista de clientes celebridades de Adélia Soares constam os nomes de MC Mirella, Thomaz Costa e Deborah Albuquerque.
“Em 2020, enfrentando um novo desafio, passou a assessorar empresas de streaming e jogos online, adquirindo especialização em contratos internacionais, jogos eletrônicos e contratos de atletas eletrônicos”, prossegue a publicação.
Adélia Soares, que tem 44 anos, também foi diretora do Procon de Suzano e presidente do Instituto de Defesa ao Consumidor (Idecon) da cidade do interior de São Paulo.
Ela é casada com um engenheiro e tem uma casa em Orlando, na Flórida (EUA), que aparece em fotos nas redes sociai da esposa em algumas das mais caras cidades do mundo, em viagens a passeio.