O Governo de Goiás interditou nesta quinta-feira (19) um aterro controlado onde uma montanha de lixo desmoronou na quarta (18) em Padre Bernardo, cidade localizada no entorno do Distrito Federal. As autoridades dizem que o desabamento contaminou um córrego e um rio próximos ao lixão.

De acordo com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), duas pessoas foram hospitalizadas com suspeitas de intoxicação. O estado de saúde delas não foi detalhado. O órgão do governo federal participou em conjunto de operação estadual para a interdição do aterro Ouro Verde.

O ICMBio disse que o lixão funcionava ilegalmente dentro da zona de conservação da APA (área de proteção ambiental) da Bacia do Rio Descoberto, que abastece parte do Distrito Federal. A empresa foi notificada a iniciar um processo de mitigação e recuperação ambiental.

"Durante a vistoria, foram encontrados diversos tipos de resíduos irregulares, incluindo lixo hospitalar. Os técnicos constataram que a operação do aterro vem causando contaminação no rio do Sal, integrante da Bacia do Tocantins", disse o órgão, em nota.

Procurado via advogada, o aterro Ouro Verde não respondeu.

A Semad (Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás) afirmou que análise preliminar de seu laboratório confirmou a contaminação de água superficial do córrego Santa Bárbara, afluente do rio do Sal.

"A primeira análise realizada com um equipamento chamado sonda multiparamétrica identificou grande alteração na condutividade da água, na salinidade e na presença de sólidos totais dissolvidos (TDS). A detecção desses sólidos totais é um forte indicativo da presença de metais pesados, que são característicos do chorume", afirmou a pasta.

Além do embargo à operação do lixão, a secretaria apreendeu cinco máquinas que trabalhavam no local, exigiu do aterro um plano para o recolhimento do material que se deslocou e montou um gabinete de crise com outros órgãos estaduais.

Os moradores de residências rurais que costumam consumir a água do córrego foram informados por agentes da Defesa Civil e por envio de SMS do risco de contaminação.

O lixão já havia sido alvo de penalidades do ICMBio, que chegou a aplicar uma multa de R$ 1 milhão em 2023, e do governo goiano, que diz ter aplicado sanções desde 2016 por supostas irregularidades ambientais no local.

Em 2021, os ministérios públicos federal e de Goiás ajuizaram ação civil pública requerendo a interdição do aterro.

Uma liminar chegou suspender a operação do aterro, mas foi derrubada por decisão do Tribunal Regional Federal. Desde então, a Promotoria afirma que o lixão permaneceu em operação sem apresentar estudos ambientais adequados.

"É a situação mais esdrúxula que eu conheço. Queríamos evitar a tragédia, mas ela veio e comprova o que o Ministério Público apontou no início: que aquela é uma região muito sensível e que o aterro nunca funcionou de forma adequada", explica a promotora Daniela Haun Serafim, coordenadora da área de meio ambiente do Ministério Público de Goiás.

Segundo ela, o empreendimento se declara como aterro mas funciona como lixão por adotar práticas que implicam em crimes ambientais como derramamento de chorume no solo, poluição das águas do rio e emissão de odores que prejudicam as comunidades locais.

Enquanto aterros sanitários são grandes obras de engenharia com localização restrita e sistemas de proteção do solo e das águas contra a poluição derivada da decomposição dos resíduos, lixões e aterros controlados não têm essas proteções, podem contaminar lençóis freáticos, atraem vetores causadores de doenças e emitem gases de efeito estufa responsáveis pela crise climática.

O PNRS (Plano Nacional de Resíduos Sólidos) de 2010 previa o fim de todos os lixões do país em agosto de 2024. Naquela data, o país ainda contava com pelo menos 1.572 lixões e quase 600 aterros controlados (que alguns especialistas chamam de "lixões com cerca e portões").

A responsabilidade pelo fim dos lixões é das prefeituras que contratam seus serviços ou que despejam seus resíduos em locais inadequados.

O empreendimento de Padre Bernardo atende, segundo o Ministério Público e o Governo de Goiás, grandes geradores do Distrito Federal. "Isso faz dele um lixão rico", afirma a promotora.

Serafim explica que o lixão se instalou em Padre Bernardo com uma autorização ambiental municipal. "O município não tem competência para isso, e o MP entrou com uma ação de primeiro grau. O empreendimento firmou um compromisso com o Estado para se regularizar e aí se iniciou a ação civil pública do MP com o Ministério Público Federal em que contestamos sua localização e modo de funcionamento."

Haun afirma que a perícia técnica do Ministério Público goiano produziu uma série de evidências técnicas sobre os problemas do lixão que nunca foram contestadas pelo empreendimento. "Eles sempre tumultuaram o processo com recursos protelatórios, fazendo com que o caso demorasse. E era previsível que isso iria acontecer."

Em 2023, um juiz federal concedeu uma liminar que suspendia o funcionamento do local. Quatro meses depois, outro juiz reverteu a decisão e permitiu que o lixão continuasse atuando.

"Foram leis ambientais frágeis que permitiram que a coisa chegasse a este ponto. E estamos numa situação muito delicada atualmente porque querem fragilizar ainda mais o licenciamento ambiental, o que significa legalizar esse tipo de desastre", avalia. "Essa tragédia é uma amostra do que está por vir, de forma legalizada, se as leis forem fragilizadas."

A Prefeitura de Padre Bernardo disse, em nota, que requereu a atuação da Semad-GO para a fiscalização e adoção de providências legais para mitigar qualquer impacto ambiental e social decorrente da possível instabilidade do aterro.