O consumo de água em Belo Horizonte é o dobro do considerado ideal pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Enquanto o índice per capita caracterizado como ótimo pela entidade é de 100 l por dia, o gasto médio da população da capital fica em torno de 200 l, segundo informações da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa).
Em alguns pontos da cidade, o valor é ainda maior e chega a 600 l. O dado é preocupante se considerada a previsão do Painel Intercontinental de Mudanças Climáticas (IPCC), que aponta para cenários de variações no clima que vão afetar a disponibilidade de água no mundo.
O uso racional do recurso é um dos temas a serem abordado hoje, Dia Mundial do Meio Ambiente. Segundo a OMS, o índice de 100 l per capita por dia garante condições de consumo e higiene satisfatórias.
De acordo com o gerente de macrooperação da Copasa, Sérgio Neves Pacheco, apesar de a média de consumo para a capital ser de 200 l, esse dado pode ainda variar dependendo da região analisada.
"Situações de desperdício podem ser notadas em alguns casos, mas acabam sendo definidas pelo padrão da construção", afirmou. Ele disse que dentro de uma mesma região, como a Centro-Sul de Belo Horizonte, é possível identificar um gasto que varia de 100 l a até picos de 600 l per capita por dia.
Nessa região, por exemplo, o superintendente explica que existem áreas como vilas e favelas com construções com menos de 50 metros quadrados, onde o gasto fica entre 80 l e 100 l.
Mas há também prédios do setor de serviços " com consumo que varia de 50 l a 100 l " e condomínios de luxo que atingem 600 l. Segundo Pacheco, a maior parte da água utilizada nos domicílios é destinada à higiene pessoal e limpeza doméstica.
"Como os prédios mais luxuosos possuem grandes espaços como piscinas, playgrounds, jardins e garagens para vários carros, são os que mais consomem. Essas disparidades dependem do tipo de ocupação e de renda. A renda estabelece a questão do consumo e do saneamento", conclui.
Apesar disso, ele afirmou que o desperdício, do ponto de vista ambiental, pode ser visto em todos os níveis econômicos e não só nas casas de quem tem mais recursos. "As pessoas desperdiçam água em qualquer região de Belo Horizonte", disse.
Imediatismo
Para a superintendente da Associação Mineira do Ambiente (Amda), Maria Dalce Ricas, o consumo excessivo está ligado à falta de preocupação com a escassez.
"A sensação de abrir a torneira e ter água sempre limpa e em abundância nos faz muito imediatistas. Só vemos as necessidades do dia-a-dia. É difícil mudar o comportamento porque ainda não existe escassez. Se a população continuar crescendo e não se tomar providências de preservação das nascentes e bacias, essa situação pode fazer parte de nossa realidade num futuro não muito longe", disse.
Segundo Maria Dalce, há uma cultura histórica do desperdício. Para ela, a falta de preocupação sobre o futuro da água parte tanto da população quanto do poder público.
"A prefeitura e a Copasa deveriam conscientizar, fiscalizar e punir quem tivesse práticas de desperdício ou que utilizassem o recurso em níveis elevados. Quem pode se dar ao luxo de consumir 400 l por dia deveria pagar mais por isso", afirmou.
A mudança no valor da tarifa também é partilhada pelo gerente de usos múltiplos da Agência Nacional de Águas (Ana), Devanir Garcia. Ele explicou que providências como medição individual nos prédios " para que cada condômino saiba do valor do consumo " e campanhas de conscientização devem ser adotadas.
Garcia afirmou que, somente com as mudanças de hábito é que uma situação de falta d"água poderá ser revertida.
"Qualquer descaso pode dobrar o gasto. É preciso ficar atento para vazamentos e para o uso que fazemos da água", alertou. De acordo com o superintendente comercial da Copasa, Cláudio Gomes, a empresa já pratica tarifa diferenciada para faixas diferentes de consumo.
Saneamento reduz doença em até 80%
A incidência de diarréia em áreas do aglomerado da Serra, na região Centro-Sul da capital, onde o acesso ao saneamento básico é 80% menor se comparado aos locais desprovidos do recurso.
É o que apontou pesquisa feita pelo Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em três diferentes áreas do aglomerado.
O estudo mostrou ainda que a ocorrência de desnutrição crônica pode ser evitada em até 32% em áreas com esgoto e 46% com saneamento básico completo.
De acordo com a pesquisadora Eloísa Azevedo, mestre em saneamento, meio ambiente e recursos hídricos, 80% de todas as enfermidades dos países em desenvolvimento são atribuídas à carência de água segura e aos meios apropriados para disposição dos excretas.
Essas doenças afetam cerca de metade da população mundial, segundo a pesquisadora. A pesquisa foi desenvolvida entre 2001 e 2003 em locais com água e com esgoto, com água e sem esgoto e sem água e sem esgoto.
De acordo com Antônio João Ramos, presidente da Associação de Moradores da Vila Marçola, no aglomerado da Serra, a maior parte das redes de esgoto é clandestina e foi feita pelos próprios moradores.
Situação que pode ser vista ao lado da casa da faxineira Marinalva Saturno da Silva, 22, na rua da Passagem, na vila Marçola. No local passa um "rio" de esgoto. "É difícil morar aqui. O cheiro é muito forte e, além disso, tem muito rato, barata e mosquitos", disse.
Ela afirmou que, por causa da exposição à sujeira, já teve problemas intestinais e de pele.
De acordo com a Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (Urbel), o programa Vila Viva, de urbanização de vilas e favelas, já está em execução e contemplará as ações de saneamento em todo o aglomerado da Serra. As obras estão previstas para serem concluídas em três anos.