Um advogado e contador de Belo Horizonte, de 52 anos, é alvo de denúncia do Ministério Público Federal (MPF) por evasão de divisas – envio de dinheiro para o exterior, sem declarar –, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O homem é acusado de comprar o título falso de vice-cônsul da Rússia por 30 mil dólares e usar o status para conseguir uma série de privilégios, evitar abordagens policiais e dar golpes em dezenas de empresários e nos seus próprios funcionários. O processo do MPF, ao qual O TEMPO teve acesso, detalha movimentações milionárias na Conta Corrente em Moeda Estrangeira (CCME) do Consulado Russo.
O advogado está sendo investigado pelas polícias Federal e Civil por viver de golpes. A denúncia assinada pela Procuradoria da República em Minas Gerais cita uma investigação que se prolonga por mais de uma década. Conforme o documento, o falso “vice-cônsul da Rússia” é um dos membros de uma organização criminosa de quatro homens, um deles tendo ocupado, de fato, o cargo de cônsul honorário da Rússia em BH. O representante deixou o posto em outubro de 2015, mas os desvios continuaram da mesma forma.
O grupo usava uma conta corrente do Consulado Russo aberta pelo advogado em Brasília. Por meio dela, os quatro faziam transações de milhares a milhões de reais para compra e venda de dólares no mercado paralelo e lavagem de dinheiro por empresas laranjas. Em um dos casos analisados, o falso vice-cônsul emprestou a conta para que um empresário de jogadores de futebol fizesse transferências entre países.
As transações eram tão suspeitas que instituições bancárias chegaram a emitir alertas. Em uma delas, feita pelo Itaú, foi dito que as movimentações financeiras do advogado de BH, realizadas na conta do Consulado, não condiziam com a função do órgão, pois não eram “rendas ou despesas de governos estrangeiros”.
A denúncia do MPF cita quase R$ 5 milhões creditados por pessoa jurídica de fachada (laranja) na conta do Consulado Honorário. “Montante que foi objeto de sucessivas operações de câmbio em moeda estrangeira”, escreveu o promotor de Justiça. O Ministério Público Federal (MPF) afirmou que não pode fornecer informações sobre o avanço do processo, uma vez que ele corre em sigilo.
‘Vive de dar golpes’, diz vítima
Uma das vítimas do advogado conversou com a reportagem em anonimato. Ela foi contratada para atuar no escritório de advocacia do homem na capital, mas foi enganada ao não ter o salário pago. “Ele se diz vice-cônsul, pós-doutor em direito econômico, cria um enredo de pessoa extremamente respeitada, mas é um golpista. Tem mais de 10 empresas abertas e vários processos trabalhistas. Ele engana que entrega vantagem econômica, diz que vai pagar valores altos, e vive disso. Está sendo investigado há anos e anos por lavagem de dinheiro e organização criminosa”, descreveu a vítima.
Pela Polícia Civil, advogado é investigado por estelionato
O acusado também é alvo de investigação pela Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG). A delegacia de Lagoa Santa é responsável pelo inquérito que apura casos de estelionato envolvendo o nome do homem. “Diligências estão sendo realizadas no sentido da apuração completa das denúncias”, afirmou a instituição para a reportagem nesta quinta-feira (18 de julho). O falso vice-cônsul usou do suposto prestígio do título para enganar empresários e funcionários das suas empresas – ele tem dois escritórios especializados.
Na denúncia do MPF, o promotor de Justiça cita o golpe que o advogado realizava contra empresários. O acusado se reunia com dirigentes, se apresentava como vice-cônsul da Rússia e dizia que intermediava os interesses de empresários russos interessados em investir no Brasil. Nesse momento, apresenta propostas de investimento irresistíveis.
“Ele dizia que, para receber os investimentos na forma de empréstimos a baixíssimos juros, [os empresários] teriam que transformar a natureza da pessoa jurídica para sociedade anônima e emitir debêntures privadas [título de dívida que gera um direito de crédito ao investidor], as quais seriam registradas no cartório de pessoas jurídicas e negociadas diretamente com os investidores, fora do ambiente da bolsa de valores”, descreve o documento. Vítimas assumiram, em depoimentos, que o Consulado Honorário da Rússia em BH figurava como comprador das debêntures.
“Ele [o advogado] cobrava um valor de R$ 100 mil, R$ 160 mil, para transformar uma empresa em sociedade anônima de capital fechado. O consulado, depois, compraria esses valores por cerca de R$ 3 milhões. Enganou vários e, até hoje, conseguiu se livrar”, denuncia a vítima ouvida pela reportagem.
Além dos investimentos não darem o retorno prometido, o advogado, que também é contador, convencia os dirigentes a usarem os serviços do seu escritório para alterar a natureza da empresa e conseguir crédito de investidor. “Dezenas de empresários foram alvos da proposta”, diz a denúncia do MPF. Como o crime é característico de estelionato, no entanto, foi encaminhado para a Justiça estadual.