As mulheres gestantes estão no topo da preocupação das autoridades sanitárias com o aumento de notificações de febre oropouche em Minas Gerais e em todo o Brasil. O Ministério da Saúde anunciou que investiga oito casos de transmissão vertical da doença, isto é, da mãe para o recém-nascido durante o parto. Eles ocorreram em Pernambuco, na Bahia e no Acre: metade dos bebês nasceu com anomalias – como microcefalia – e a outra metade morreu. Em Minas Gerais, conforme a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), duas gestantes passaram por investigação na região do Vale do Aço, onde se concentram a maioria das notificações no Estado. Os riscos chamam atenção por serem documentados pela primeira vez em mais de 60 anos do conhecimento da febre oropouche no Brasil. Em um país que superou a epidemia da microcefalia nos anos 2015-2016, os novos registros, ainda em investigação, reacendem um medo coletivo.
O ineditismo da transmissão da febre oropouche da mãe para o bebê movimenta uma força-tarefa das pastas de Saúde focada em estudar os casos e notificar novas suspeitas. O MS vai promover, nesta semana, um seminário científico nacional sobre o tema. O secretário de Minas Gerais, Fábio Bacheretti, já elencou a doença como prioridade até 2025.
Ele fez um alerta especial às gestantes: "Elas devem andar de mangas longas para evitar a picada. Essa doença pode estar vinculada a malformações cerebrais do feto e morte fetal. Estamos reforçando a vigilância", disse em coletiva de imprensa, conforme noticiado por O TEMPO. “A SES-MG está trabalhando nas estratégias de vigilância para investigação epidemiológica e laboratorial, e assistência aos casos suspeitos, inclusive em gestantes”, acrescentou a pasta.
A última morte de recém-nascido ligada à febre oropouche foi notificada na quinta-feira (8 de agosto). O Ministério da Saúde registrou o falecimento de um bebê após 47 dias de vida. Ele nasceu com microcefalia, malformação das articulações e outras anomalias congênitas. O caso aconteceu no Acre. De acordo com o órgão, a mãe, de 33, teve erupções na pele e febre no segundo mês de gravidez.
Os exames laboratoriais no pós-parto deram positivo para oropouche, e o Instituto Evandro Chagas identificou material genético do vírus no recém-nascido. “No entanto, a correlação direta da contaminação vertical de Oropouche com as anomalias ainda precisa de uma investigação mais aprofundada, que vem sendo acompanhada pelo Ministério da Saúde e Secretaria do Estado de Saúde do Acre”, informou o MS. Antes, outra morte havia sido registrada em Pernambuco, de um feto de 30 semanas – os exames descartaram outras hipóteses que não a febre oropouche.
Diagnóstico em grávidas não é óbvio
Os nascimentos com anomalias são um desafio porque, conforme o diretor de Promoção à Saúde e Vigilância Epidemiológica de Belo Horizonte, Paulo Roberto Corrêa, muitas gestantes podem não apresentar sintomas ou terem reações mínimas que passam despercebidas. “Muitas dessas infecções que geram condições como a microcefalia, como a zika, não manifestam sintomas enquanto o feto é cometido. A doença só é descoberta depois do nascimento do bebê ou da morte do feto. Por isso é tão importante o acompanhamento pré-natal”, alerta.
A capital ainda não registrou nenhum caso de febre oropouche, mas, segundo o diretor, já iniciou a qualificação das equipes da rede SUS-BH, principalmente dos postos de saúde, para identificar suspeitas e fazer o diagnóstico correto. “Há um risco potencial da doença chegar até BH”, analisa Côrrea. No Brasil, são 7.497 casos da febre em 2024, conforme o último boletim do Ministério da Saúde, de 6 de agosto. O número é 802% maior que o notificado em todo o ano passado.
Em Minas, são 148 diagnósticos. O Estado mineiro está, de acordo com o MS, cercado por divisas que sofrem com o aumento da doença: Espírito Santo, com 432 casos, e Bahia, com 842. “Não há dúvida que essa situação exige que as autoridades de saúde estejam alertas. O vírus assumiu um novo comportamento. Só esse ano, o Brasil já reportou 80% do total de casos dos últimos 10 anos. Além do aumento de ocorrências, a expansão geográfica da doença, as primeiras mortes e a possibilidade de transmissão materno-fetal são agravantes. É o momento para uma investigação criteriosa”, pondera o médico Marco Aurélio Sáfadi, presidente do Departamento Científico de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Reação hemorrágica nas mortes por oropouche é alerta para gestantes
As investigações mudaram a percepção que se tinha, até o momento, sobre a febre oropouche – antes tida como uma “versão mais leve da dengue”. Na análise do médico Júlio Couto, membro do Comitê de Gravidez de Alto Risco e Medicina Fetal da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), um risco potencial às gestantes infectadas está nos distúrbios hemorrágicos.
“Nos dois casos de mortes pela febre na Bahia, as mulheres morreram por uma coagulopatia. Ou seja, houve um problema de coagulação do sangue, elas tiveram sangramento, queda de plaquetas e comprometimento do fígado, o que levou à morte. Ainda não há relatos desse tipo com gestantes, mas, partindo desse pressuposto, pela própria sobrecarga que é imposta ao sistema de coagulação e ao fígado na gravidez, as grávidas estão mais propensas a terem essas complicações”, alerta.
De fato, as primeiras duas mortes no mundo por febre oropouche foram confirmadas pelo Ministério da Saúde na Bahia, no final de julho. As vítimas são mulheres com idades abaixo de 25 anos e sem comorbidades. Essa “reação hemorrágica”, apontada pelo médico Júlio Couto, é típica da infecção por uma dengue grave: a paciente entra em choque quando uma quantidade de plasma do sangue é perdida por extravasamento ou sangramento.
“Ainda é um risco hipotético, porque esses casos de febre oropouche em grávidas são novos e ainda estão sendo estudados. A preocupação da medicina é que se repita essa forma hemorrágica da doença como acontece com a dengue. No momento, a prevenção é a melhor caminho”, aconselha o especialista. Um terceiro falecimento por febre oropouche é investigado em Santa Catarina, na região Sul.
Para mãe de criança com microcefalia, medo é ver o passado se repetir
Juliana Lima, de 37, com sua filha Ana Júlia, de 7 anos. Fonte: Arquivo pessoal
A microcefalia é uma realidade na vida da assistente social Juliana Lima, de 37 anos, desde que sua filha Ana Júlia, hoje com 7 anos, nasceu com a condição rara. A mãe, mineira de Sabará, pegou zika durante a gravidez, mas só descobriu no pós-parto, após uma investigação identificar a causa da malformação na filha. Para Juliana, acompanhar as notas do Ministério da Saúde sobre a possível relação da febre oropouche com a microcefalia é como repetir o passado.
“É uma situação complicada e assustadora. O medo é que, se isso vier a ser comprovado, outras famílias vão passar por todo o sofrimento que nós, mães de crianças com microcefalia, passamos até hoje. Estamos esquecidas, sem uma assistência adequada, vendo várias mortes. A febre também é uma arbovirose, e o controle do vetor deveria ser política pública. Só sei sentir preocupação e revolta”, lamenta.
Prevenção para gestantes: saiba como evitar febre oropouche
Ainda não existe tratamento para a infecção por febre oropouche. Por isso, o controle do vetor e os métodos de prevenção são medidas cruciais para evitar a doença. “O mosquito-pólvora, transmissor da febre, é muito atraído por matéria orgânica. Então, locais com acúmulo de lixo, água, próximos a mata aberta, são de risco. Manter as residências e os quintais limpos é uma forma de prevenção”, orienta o diretor de Promoção à Saúde e Vigilância Epidemiológica de Belo Horizonte, Paulo Roberto Corrêa.
Orientações às gestantes, segundo a SES-MG:
- Uso de roupas que cubram as pernas e os braços;
- Evitar atividades ao ar livre em regiões de existência do vetor;
- Proteção das casas com mosquiteiros de malha fina nas portas e janelas para prevenir os arbovírus;
- Redobrar a limpeza nos ambientes internos e externos à residência, de forma a eliminar os focos do vetor;
- Uso de repelentes que contenham DEET, IR3535 ou icaridina, que podem ser aplicados na pele ou nas roupas expostas.
Dados
- UF / Casos
- AC - 265
- AL - 6
- AM - 3.227
- AP - 7
- BA - 842
- CE - 95
- DF - 0
- ES - 432
- GO - 0
- MA - 23
- MG - 148
- MS - 1
- MT - 17
- PA - 78
- PB - 1
- PE - 109
- PI - 28
- PR - 3
- RJ - 79
- RN - 0
- RO - 1.709
- RR - 242
- RS - 0
- SC - 168
- SE - 10
- SP - 5
- TO - 2
- Total: 7.497
Fonte: Ministério da Saúde