Em 30 dias, o nível do sistema Paraopeba caiu 6,8%, conforme dados da Copasa. Na comparação do nível entre agosto do ano passado e agosto deste ano, o nível está 23% menor. A situação ocorre em meio a uma estiagem que perdura por 133 dias em Belo Horizonte e região metropolitana. No primeiro dia deste mês, o sistema contava com 71,5% de água, e nesta sexta-feira (30), a linha do nível chegou a 64,7%, o número mais baixo em quatro anos em comparação com o mesmo período. O nível anterior mais baixo foi de 53,2 registrado em janeiro de 2020, conforme site da Copasa.
De acordo com os dados da Copasa, não houve registro de nenhum milímetro de chuva em todo o sistema Paraopeba neste mês de agosto. Em agosto de 2023, a situação foi diferente: choveu 68,4 mm. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), há previsão de chuva para a capital para meados de setembro (perto do dia 10). Historicamente, o período mais chuvoso se concentra entre os meses de outubro e novembro, conforme o professor de Engenharia Sanitária e Ambiental Marcelo Libânio, da UFMG.
O sistema Paraopeba é responsável por abastecer mais de 3 milhões de pessoas, ou seja, mais da metade da população da região metropolitana de Belo Horizonte — que é de 5.7 milhões, conforme o censo do IBGE de 2022. O sistema é formado por três represas: rio Manso, em Brumadinho; a represa Serra Azul, em Juatuba; e a Várzea das Flores, localizada em Contagem.
Além destas, BH se beneficia predominantemente do rio das Velhas, a bacia hídrica mais relevante que atende a 42,5% da população da região metropolitana de Belo Horizonte. O rio nasce em Ouro Preto e deságua no rio São Francisco, em Várzea da Palma. “Atualmente, a Copasa seca praticamente o rio [das Velhas] todo em períodos de estiagem, porque o sistema Paraopeba, em Brumadinho, está parado há quatro anos — desde o rompimento da barragem da Vale não há captação no reservatório”, explica Libânio.
Alerta para desabastecimento
O coordenador do Projeto Manuelzão e presidente do Comitê da Bacia do Rio das Velhas, Marcus Polignano, afirmou que está preocupado e tem alertado a população por meio das redes sociais do projeto sobre o perigo de desabastecimento. “Atualmente, estamos com sinais de alerta quase chegando ao vermelho [aqui na região do rio das Velhas] em relação à crise hídrica. Se os níveis do reservatório continuarem caindo e as temperaturas e o tempo seco aumentarem, o consumo de água aumentará naturalmente. Portanto, essa queda será muito mais significativa do que o esperado”, enfatizou Polignano.
O coordenador conscientiza a população sobre o uso diário de água, evitando principalmente banhos demorados, torneiras abertas ao escovar os dentes e até lavar quintais e calçadas com mangueiras. “A água não sai da torneira. Ela continua sendo uma fonte natural limitada oriunda de mananciais. Portanto, ou preservamos o que temos aqui [água nas bacias] ou não temos para onde correr, afinal, não moramos perto do litoral”, acrescentou ele.
Para o especialista e professor da UFMG, Marcelo Libânio, ainda não é o momento para alarmismo e preocupações. Em 2015, por exemplo, houve uma espécie de racionamento de água quando o nível da represa Serra Azul estava em 5,8% e o Rio Manso estagnou em torno de 30% (bacias predominantes do reservatório do Paraopeba), exemplificou Marcelo.
“A situação do [rio] Manso seria melhor se a captação do Paraopeba não estivesse parada desde 2020 por causa do rompimento da barragem em Brumadinho [janeiro de 2019]. Nesse período de estiagem, para as quedas do reservatório melhorarem, o ideal seria utilizar o sistema do Paraopeba e, em momentos chuvosos, se beneficiar do rio Manso”, ressaltou o professor.
A reportagem entrou em contato com a Copasa e com o IGAM sobre a situação que enfrentamos diante de um possível desabastecimento de água; porém, até a publicação desta reportagem, não houve retorno.
Cento e trinta e sete cidades mineiras decretam estado de emergência devido à escassez hídrica
Diante da seca severa, 137 cidades decretaram situação de emergência em Minas Gerais, ou seja, cerca de 2 milhões de pessoas vivem consequências ligadas à estiagem. Para especialistas, o Estado está à beira de um verdadeiro colapso hídrico, fruto da interferência histórica do ser humano na natureza, ainda mais intensa nos últimos anos — ou seja, a ‘culpa’ não é só da falta de chuva. Embora oficialmente não tenha sido decretado nenhum tipo de racionamento estadual, parte da população já se vê obrigada a economizar água, diante da possibilidade de não vê-la mais saindo das torneiras em breve (veja abaixo a lista de municípios afetados).
De acordo com a Classificação e Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade), a seca é uma estiagem prolongada, durante o período de tempo suficiente para que a falta de chuvas provoque grave desequilíbrio hidrológico. Com o estado de emergência, as prefeituras podem solicitar recursos do governo federal para ações como compra de água mineral, cestas básicas, refeição para trabalhadores e voluntários, kits de limpeza de residência, higiene pessoal e dormitório, entre outros. Além disso, outros tipos de ações estão sendo feitas pelos órgãos competentes e pela própria população para evitar um desabastecimento ainda maior.
O idealizador do Projeto Manuelzão, Apolo Heringer, afirma que cada região de Minas Gerais deve ser avaliada de maneira individual, de acordo com suas características. Segundo ele, a chuva que cai no semiárido, por exemplo, de maneira geral poderia ser suficiente — mesmo que não abundante — para o abastecimento de água, mesmo em tempos de “vacas magras”. No entanto, é preciso encontrar condições favoráveis para isso, o que muitas vezes já não acontece. Conforme o especialista, nos últimos 50 anos, diversas ações dos seres humanos têm gerado esse tipo de situação, que só piora.
“A chuva traz a água, mas é preciso haver a preservação do solo e da mata. O sistema opera com a força da natureza e tudo o que se faz no sentido de afetar o funcionamento desse sistema vai trazer problemas. Atualmente, já temos o aquecimento global, mudanças em relação às chuvas e destruição das matas de recarga. Estamos flertando com o colapso hídrico. Nós estamos brincando com a natureza, e com a natureza não se brinca”, acrescentou Marcus Polignano, presidente do Projeto Manuelzão.
Veja a lista de cidades atingidas
- Almenara
- Aricanduva
- Arinos
- Berilo
- Berizal
- Bocaiúva
- Bonito de Minas
- Botumirim
- Brasilândia de Minas
- Buritizeiro
- Campo Azul
- Capitão Enéas
- Carbonita
- Catuti
- Chapada do Norte
- Chapada Gaúcha
- Cônego Marinho
- Coronel Murta
- Cristália
- Curral de Dentro
- Engenheiro Navarro
- Espinosa
- Felisburgo
- Francisco Dumont
- Francisco Sá
- Fruta de Leite
- Gameleiras
- Glaucilândia
- Grão Mogol
- Guaraciama
- Ibiaí
- Ibiracatu
- Icaraí de Minas
- Indaiabira
- Itacambira
- Itacarambi
- Jacinto
- Jaíba
- Januária
- Japonvar
- Jequitaí
- Jequitinhonha
- Joaquim Felício
- Jordânia
- José Gonçalves de Minas
- Josenópolis
- Juramento
- Juvenília
- Lontra
- Luislândia
- Mamonas
- Manga
- Mato Verde
- Minas Novas
- Mirabela
- Montalvânia
- Monte Azul
- Montezuma
- Ninheira
- Novo Cruzeiro
- Novorizonte
- Olhos-d'Água
- Padre Carvalho
- Pai Pedro
- Pedra Azul
- Pintópolis
- Pirapora
- Ponto Chique
- Ponto dos Volantes
- Porteirinha
- Riachinho
- Riacho dos Machados
- Rubelita
- Santa Cruz de Salinas
- Santo Antônio do Retiro
- São Francisco
- São João das Missões
- São João do Pacuí
- Serranópolis de Minas
- Taiobeiras
- Turmalina
- Ubaí
- Uruana de Minas
- Urucuia
- Vargem Grande do Rio Pardo
- Varzelândia
- Verdelândia
- Veredinha
- Virgem da Lapa
- Monte Formoso
- São João do Paraíso
- Águas Vermelhas
- Vazante
- Miravânia
- Leme do Prado
- Araçuaí
- Baldim
- Bertópolis
- Bonfinópolis de Minas
- Brasília de Minas
- Buenópolis
- Cachoeira do Pajeú
- Capelinha
- Carlos Chagas
- Coração de Jesus
- Diamantina
- Divisa Alegre
- Felício dos Santos
- Formoso
- Francisco Badaró
- Itamarandiba
- Itaobim
- Itinga
- Janaúba
- Jenipapo de Minas
- Joaíma
- Lagoa dos Patos
- Lassance
- Malacacheta
- Matias Cardoso
- Montes Claros
- Patis
- Pedras de Maria da Cruz
- Poté
- Resplendor
- Rubim
- Salinas
- Santa Fé de Minas
- Santa Helena de Minas
- São João da Lagoa
- Senador Modestino Gonçalves
- Três Marias
- Várzea da Palma
- São Romão
- Bugre
- Rio Pardo de Minas
- Setubinha
(Com colaboração de Juliana Siqueira)