A médica neurologista Claudia Soares Alves, de 42 anos, flagrada em câmeras de segurança sequestrando uma recém-nascida no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU), no Triângulo Mineiro, vai responder pelos crimes de falsidade ideológica e tráfico de pessoas. Foi o que concluiu o inquérito da Polícia Civil de Goiás, conforme divulgado pela instituição nesta terça-feira (6 de agosto). As penas, somadas, podem chegar a mais de 10 anos de reclusão. A suspeita está presa preventivamente desde o dia 25 de julho.
A investigação apontou que a médica havia premeditado o crime meses antes. A investigada mentiu que estava grávida à própria família, enquanto procurava aliciar pais em situação de vulnerabilidade para adotar uma criança de forma ilegal. "Ela comprou enxoval para bebês, e procurou, em outros estados da federação, crianças aptas a serem adotadas ilegalmente por ela, utilizando, nessa última conduta, de fraude e aliciando pessoas vulneráveis para entregarem seus recém-nascidos", informa a Polícia Civil.
Dessa forma, as roupinhas de bebê e bolsas da cor de rosa, encontradas no carro da suspeita no dia do sequestro, faziam parte do plano. Ainda conforme o inquérito policial, a mulher conquistou o direto de adotar e entrou no Cadastro Nacional de Adoção, apesar dos laudos médicos psiquiátricos alegados pela defesa de Cláudia. "O processo judicial indicou aptidão psicológica favorável a ela, inclusive se baseando em documentação fornecida por ela durante o feito [processo de adoção]", afirma a instituição.
Falsidade ideológica
A investigação considerou que, no dia do crime, a neurologista Cláudia Soares fraudou a própria identidade para conseguir acesso facilitado ao Hospital das Clínicas. Conforme a PC: "a Indiciada usou um nome falso para entrar no hospital e, também, se prevaleceu da sua condição de professora universitária daquela instituição, o que facilitou a entrada dela no local sem levantar suspeitas dos servidores".
O que diz a defesa da médica?
"Como o processo está em segredo de justiça, a única coisa que podemos falar é que independentemente do teor do indiciamento ou até mesmo de eventual denuncia acreditamos que a questão será resolvida no incidente de insanidade da acusada que já está em andamento", informou o advogado Vladimir Rezende, que realiza a defesa da suspeita.
O crime de tráfico de pessoas no Código Penal:
- Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:
I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;
II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;
III - submetê-la a qualquer tipo de servidão;
IV - adoção ilegal; ou
V - exploração sexual. - Pena: reclusão, de quatro a oito anos, e multa.
- § 1º A pena é aumentada de um terço até a metade se:
I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las;
II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência;
III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou
IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional. - § 2º A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa.
O crime de falsidade ideológica no Código Penal:
- Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
- Pena: reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público,
e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular. (Lei nº 7.209, de 1984) - Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena.
Entenda o caso
Sequestro
O crime começou às 23h23, quando a sequestradora chegou ao local. Ela se apresentou na portaria como sendo uma funcionária do hospital de nome Amanda, foi à ala da maternidade e, após dizer que é médica, pegou a criança dos pais alegando que a levaria para se alimentar e fugiu com a pequena dentro de uma mochila. De acordo com o boletim de ocorrência, a ação da mulher dentro do hospital durou cerca de 30 minutos.
Atitude suspeita
A suspeita foi identificada após uma funcionária desconfiar da atitude da mulher e entrar em contato com os seguranças e com o setor de clínica médica para saber se, de fato, uma profissional chamada Amanda cobriria a falta de alguém. Ela foi informada, entretanto, de que a equipe do setor estava completa.
Segundo a PM, um dos vigilantes do hospital contou que, após ser informado pela portaria sobre a atitude suspeita, abordou a mulher logo após ela sair de um banheiro. Ele teria perguntado se ela "precisava de alguma coisa" e recebeu como resposta da autora que ela já estava de saída, pois faria um plantão no local, mas havia sido informada de que o quadro de funcionários já estava completo.
O trabalhador disse aos militares que acompanhou a mulher até a saída, pois não tem permissão para revistar pessoas que entram na unidade de saúde. Conforme a ocorrência, o vigilante disse que o sumiço da recém-nascida só foi informado após a criminosa deixar o hospital. A partir daí, a PM foi acionada.
Pai desconfiou de sequestro
PM, o pai da menina contou que descansava com a esposa quando a sequestradora se identificou como médica e disse que levaria a recém-nascida para tomar leite no "copinho". O homem disse que a autora entrou em uma sala em frente ao quarto onde eles estavam e fechou a porta, enquanto ele esperava no corredor.
De acordo o relato do pai, após alguns minutos, a mulher deixou a sala com um cobertor nas mãos e uma mochila amarela nas costas e afirmou que uma enfermeira dava leite à criança. Com a demora e após a sequestradora sair do local, ele perguntou sobre a filha a uma funcionária, mas foi informado de que nenhum profissional teria pegado a bebê. No mesmo instante, o pai da criança também procurou a equipe de segurança para relatar o desaparecimento da filha.
Prisão
A partir do relato dos funcionários e do pai da criança, a Polícia Militar (PMMG) iniciou buscas à procura da sequestradora, que seguiram por toda a madrugada. Imagens rastrearam a passagem da médica, em um veículo Toyota Corolla, pela rodovia BR-365, ao passar por um pedágio para chegar a Itumbiara.
A suspeita só foi localizada na manhã desta quarta-feira (24 de julho), na cidade de Itumbiara, em Goiás, que fica a cerca de 134 km da cidade onde o crime ocorreu. Conforme o delegado Marcos Tadeu, quando a equipe da polícia chegou na casa da médica, encontrou uma funcionária com a criança. Questionada, a mulher disse que Cláudia tinha ido viajar. Uma equipe da Polícia Civil permaneceu no imóvel, enquanto outra levou a recém-nascida para o hospital. Passado um período, a médica voltou para casa, onde recebeu voz de prisão.
No carro da mulher, os policiais civis encontraram roupinhas da criança, sapatos e duas bolsas.
Quem é a sequestradora?
Segundo a Polícia Civil de Goiás, a sequestradora é uma médica, de 42, e foi autuada em flagrante delito pelo crime de sequestro. Nas redes sociais, onde acumula mais de 9 mil seguidores, a mulher se identifica como uma neurologista apaixonada por medicina.
No currículo divulgado pela médica, ela descreveu que fez residência na Clínica Médica da Universidade Federal de Uberlândia e é especialista em Medicina Interna e Neurologia. Também é professora da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Goiás (UEG) desde 2019.