“É assim: se eu lavar roupa, não consigo lavar as vasilhas. Já cheguei a ficar quatro dias sem água. Quando não tem água na caixa d’água, temos que tomar banho com a água mineral que a Vale fornece.” Esse é o relato de Beatriz Rosa Silva, de 59 anos, que, em meio a uma das piores secas registradas no Estado, enfrenta o desabastecimento de água no distrito de Tejuco, localizado em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. Ela e outras centenas de pessoas convivem com a escassez desde 2020. A crise de abastecimento se acentuou após o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. A tragédia ocorreu no dia 25 de janeiro de 2019 e matou 272 pessoas.

Beatriz Rosa Silva, de 59 anos, relata seu problema com a dificuldade de abastecimento de água na região. Fotos: Flavio Tavares/O Tempo

O operador de máquinas Evandro França de Paula — que é integrante do quilombo Família Sanhudo, localizado no povoado (que tem aproximadamente 120 pessoas) — corrobora o relato da vizinha Beatriz. “Pouca água sai do chuveiro, e a água esquenta demais; a gente não sabe o que fazer porque não tem água. É a roupa que usaríamos, mas não foi lavada,” conta. Em dezembro de 2020, a manutenção de uma estrada resultou na deposição de sedimentos dentro da caixa d’água da comunidade. A Vale, então, passou a fornecer água para o povoado. Conforme a mineradora, o incidente não teve relação com as atividades minerárias. No entanto, o que os moradores relatam é a escassez.

Segundo Evandro, que também é líder quilombola, a água falta até para o básico, como o banho. Agricultores chegam em casa após o trabalho, por exemplo, e não conseguem se lavar. O operador de máquinas, que também cultiva hortaliças em casa — como alface, couve e cebola — já precisou recorrer aos vizinhos para irrigar suas plantas. “Ficamos totalmente dependentes da Vale para ter o mínimo necessário de água nas nossas torneiras. A Vale vem até o local, verifica a pressão da água e diz: ‘se até a tarde não resolver, voltamos aqui’. Mas o ‘até a tarde’ deles é sempre no dia seguinte. Ficamos sem saber o que fazer e sem entender o motivo, pois antes do rompimento da barragem tínhamos água com qualidade e em quantidade suficiente para todos. E agora, por que não temos mais?” questiona Evandro. A mineradora, por sua vez, nega que haja desabastecimento na área.

A dona de casa Dirlene Oliveira, de 50 anos, também considera que o fornecimento de água é insuficiente. Ela precisa fazer escolhas diárias para usar bem a água que chega em suas torneiras. “Perdi uma máquina de lavar por falta de água. Às vezes, temos que decidir se lavamos roupa ou vasilhas, e as tarefas ficam todas atrasadas,” contou.

Mineração é problema antigo

O advogado e diretor da Associação Quilombola de Defesa da Serra dos Três Irmãos da Comunidade de Sanhudo/Tejuco, Marco Antônio Moreira, explica que a comunidade sofre com a questão da água há vinte anos devido ao avanço da mineração na região. Mas, até o rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, os moradores da região conseguiam captar água dos cursos d’água da região. Por outro lado, a Vale, em nota, não relacionou a escassez de água na região ao rompimento da estrutura. Um acordo firmado entre a Copasa e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), no dia 10 de novembro de 2023, determina que uma adutora seja construída e que a companhia passe a gerir o fornecimento de água para o bairro. A Copasa informou que o projeto para a construção da adutora está em fase de elaboração e não há data para o início das obras. No entanto, o diretor defende outra solução: a recuperação das nascentes e a gestão comunitária da água.

A associação quilombola tem se mobilizado para que a Justiça respeite a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que leva em consideração a cultura dos povos indígenas e tribais. De acordo com a convenção, a população precisa ser consultada e informada em relação às resoluções que estejam ligadas ao seu cotidiano; é direito dos povos e comunidades tradicionais serem consultados pelos governos quando estes realizam ou permitem que terceiros façam alterações que afetam o modo de vida tradicional. “O futuro está ameaçado. Não há mais espaço para mineradoras. Já são demais. As pessoas estão doentes, física e emocionalmente. Estamos contaminados e ficamos sem água. Não é razoável, nem justo. Todo mundo precisa respeitar a comunidade quilombola, que tem sua própria organização. Necessitamos de respeito do Estado e das mineradoras. Vamos continuar na comunidade, lutando para preservar o mais importante: nossas tradições e a natureza. Sem elas, não somos nada,” declarou o diretor da associação.

 A comunidade relata que sofre com problemas de abastecimento de água devido ao avanço da mineração na região. Fotos: Flavio Tavares/O Tempo

A prefeitura de Brumadinho não se posicionou sobre o assunto, apesar de ter sido demandada. Já a Vale informou que realiza a captação da água no sistema de abastecimento da Copasa e realiza o abastecimento do povoado 24 horas por dia, 7 dias por semana. “O nível desses reservatórios também é acompanhado pelos órgãos de controle, e a empresa mantém um canal de comunicação frequente com os líderes comunitários,” informou a mineradora. Com relação à comunidade quilombola, a Vale garantiu que mantém diálogo direto com o povoado.

Veja o posicionamento da Vale

A Vale esclarece que, em dezembro de 2020, ocorreu um incidente de deposição de sedimentos, proveniente da atividade de manutenção de via pela empresa, e que não guarda relação com atividades minerárias. Foram realizadas pela mineradora a desobstrução da rede, manutenção adequada e limpeza de todas as caixas d’água dos moradores da comunidade de Tejuco. Desde então, a mineradora fornece água potável, por caminhões-pipa, aos reservatórios comunitários, que, por sua vez, distribuem a água por meio da rede preexistente.

Os caminhões captam água diretamente do sistema de abastecimento da Copasa, que atende à região metropolitana de Belo Horizonte. Toda a atividade é acompanhada por órgãos públicos e instituições de justiça, inclusive em termos de qualidade da água. A entrega ocorre 24 horas por dia, 7 dias por semana, abastecendo integralmente a demanda da comunidade. O nível desses reservatórios também é acompanhado pelos órgãos de controle, e a empresa mantém um canal de comunicação frequente com os líderes comunitários.

A Vale também fornece, de forma complementar, água mineral em Tejuco. Com relação à comunidade quilombola Família Sanhudo, a Vale mantém diálogo aberto para receber as demandas e fazer as devidas apurações sobre os atendimentos realizados. A empresa reforça que mantém o abastecimento integral de água potável para o quilombo, cujos membros residem na área urbana do bairro Tejuco, por meio de caminhões-pipa e complementação com água mineral.