Um estudo inédito da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), em parceria com o Corpo de Bombeiros, traçou o perfil dos acidentes de trânsito no Estado, responsáveis por parte da sobrecarga na rede do Sistema Único de Saúde (SUS). Em Belo Horizonte (MG), a rede pública enfrentou superlotações graves ao menos duas vezes neste ano — em janeiro e abril —, com destaque para as cirurgias de urgência em trauma-ortopedia, típicas desses casos. Em nível nacional, uma vítima de acidente de trânsito dá entrada no SUS a cada dois minutos, e o problema vem sendo classificado por especialistas como uma "epidemia silenciosa".

O Estado divulgou nesta quinta-feira (8 de maio) os primeiros resultados do estudo. Ao todo, foram analisados 2 milhões de registros de acidentes de trânsito em Minas Gerais, entre 2019 e 2025. Os dados revelam que cerca de 70% dos sinistros ocorrem em vias urbanas, mas os mais letais estão nas rodovias — onde o risco de morte é 2,7 vezes maior.

Homens jovens lideram as estatísticas de acidentes no Estado: 71% das vítimas são do sexo masculino, e 23% têm entre 20 e 29 anos. Além disso, a região metropolitana de Belo Horizonte apresenta a maior taxa de letalidade. O governo não divulgou números exatos. “A SES-MG e o Corpo de Bombeiros fizeram uma análise profunda da dinâmica dos acidentes: onde ocorrem, quais os mais comuns e letais. Isso nos permite direcionar ações integradas com municípios, governo e sociedade”, afirma o secretário de Estado de Saúde, Fábio Baccheretti. 

Impacto dos acidentes de trânsito na rede SUS-MG

Em janeiro, a Secretaria de Saúde de Belo Horizonte ativou um Plano de Contingência na rede SUS diante do aumento de 233% na demanda por internações ortopédicas de urgência, causadas, em sua maioria, por acidentes de trânsito. Para desafogar os hospitais, as cirurgias eletivas foram suspensas por duas semanas.

O pronto-socorro do Hospital Risoleta Tolentino Neves, na região de Venda Nova, precisou interromper ou reduzir os atendimentos devido à superlotação em duas ocasiões neste ano — algo inédito. Já o Hospital João XXIII, uma das principais unidades de urgência do Estado, operou em nível 3 de ocupação, também em razão da alta demanda.

Em nível nacional, uma pesquisa das Associações Brasileiras de Medicina do Tráfego (Abramet) e de Medicina de Emergência (Abramede) apontou que, nos últimos dez anos, o SUS registrou 1,8 milhão de internações por sinistros de trânsito, conforme dados oficiais do Ministério da Saúde. As despesas hospitalares diretas com esses atendimentos somaram R$ 3,8 bilhões — montante suficiente, por exemplo, para construir até 64 hospitais de médio porte.

Um exemplo da demanda por internações no SUS-MG é o caso de Lucimeire da Costa Pereira, de 40 anos. Ela seguia de moto para o trabalho em Nova Lima quando, em 3 de janeiro de 2025, sofreu um grave acidente no Anel Rodoviário que resultou na amputação das duas pernas. “Foram segundos. Eu caí, e logo depois veio o baú. Ele passou por cima das minhas pernas. Em seguida, mais dois carros. Quando dei por mim, já não sentia nada. Eles seguiram viagem”, lamenta.

Lucimeire ficou internada por 52 dias e passou por cinco cirurgias. Desde então, é acompanhada pelo Hospital das Clínicas da UFMG e aguarda reabilitação para uso de próteses.

Faixas exclusivas para motocicletas?

Para o secretário de Estado de Saúde, Fábio Baccheretti, o problema é multidisciplinar, envolvendo não só a saúde, mas também mobilidade, segurança pública e urbanismo. Por isso, ele defende ações integradas de controle do trânsito. "Atuamos junto ao DER-MG, localizando zonas quentes — com mais registros — e implementando medidas como redutores de velocidade e melhorias nas pistas. Nos municípios, fomentamos iniciativas como faixas exclusivas para motocicletas, para agir antes que o pior aconteça", afirma.

Outro ponto de atenção são os acidentes com produtos perigosos, concentrados nas BR-262, BR-040 e BR-116, sobretudo durante o dia e em dias úteis, o que amplia o risco para a população e o meio ambiente. “Trabalhar de forma integrada com instituições como Bombeiros, Polícia Militar, PRF e Samu é fundamental para enfrentarmos o problema com inteligência e coordenação”, completa Baccheretti.

Evandro Lana, da Assessoria de Tecnologia e Informação da SES-MG, destaca que a iniciativa é um desdobramento da integração entre instituições, fortalecida durante a pandemia. “É um estudo de médio e longo prazo, em constante aprimoramento. Com ele, vamos propor políticas mais precisas, com atuação pontual e coordenada”, reforça.

Comitê pela Vida no Trânsito

Na próxima semana, o governo de Minas deve publicar uma Resolução Conjunta que formaliza o Comitê de Governança e Gestão do Programa Mineiro para Vida no Trânsito (PMVT). Entre as atribuições do grupo estão o planejamento e a avaliação de ações para redução de mortes e lesões no trânsito, fomento a parcerias com a sociedade civil e instituições de ensino, e estratégias de comunicação.

O comitê será coordenado pela Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão, com participação das secretarias de Saúde, Educação, Infraestrutura e Mobilidade, Justiça e Segurança Pública, Comunicação Social, além do DER-MG, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar.