"Profanação", "Barbaridades" e "Sacrilégio". Estes foram alguns dos termos usados por uma mulher, em um vídeo publicado nas redes sociais, para atacar o cantor mineiro, multiartista e Rei no Congado, Sérgio Pererê, somente pelo fato dele ter se apresentado dentro de uma igreja católica da cidade de Ouro Preto, na região Central de Minas Gerais. A publicação foi alvo de uma ação judicial movida pelo artista na última terça-feira (17 de junho), data em que os "Saberes do Rosário - Reinados, Congados e Congadas" foram reconhecidos como Patrimônio Cultural do Brasil.
Conforme divulgado pelo músico, o pedido liminar protocolado pede a retirada imediata de "um vídeo de conteúdo racista publicado contra ele e os povos negros de Reinado nas redes sociais". A reportagem de O TEMPO teve acesso ao vídeo, divulgado no último dia 9 de junho em diversas páginas católicas.
"Houve um show na frente do altar. E quando a gente entra no perfil do artista, e olha só, eu não estou aqui para falar mal do artista, que isso fique bem claro. O artista é livre para crer no que ele quiser, para fazer o show que ele quiser, mas fora da igreja católica, já que ele não é cristão. Ele se diz espiritualista, mas as músicas dele são denominadas samba de preto velho ou conversas de terreiro, entre outras barbaridades. Digo barbaridades porque, dentro da igreja católica, isso é sacrilégio, isso é blasfêmia, isso é pecado (...) Muitos usam o discurso da justiça social para justificar a profanação", diz a pessoa que aparece na postagem.
Em outro trecho, a mulher, que já foi identificada, pede para as pessoas que acreditam em religiões de matriz africana irem "para os terreiros". "Que vá para os terreiros, que busque esses lugares ou outros onde quer que queiram, menos dentro da igreja católica. Porque não gosta da igreja, não gosta dos dogmas, não gosta dos ensinamentos (...) mas quer usar a igreja como palco, como palanque e como sacrilégio", continua ela no vídeo.
Dias depois, Sérgio Pererê divulgou uma nota de repúdio ao conteúdo. "Enquanto artista negro, filho de benzedeira e Rei no Congado, é muito legítimo ocupar o espaço de uma igreja. Afinal, é sabido que as igrejas das cidades históricas de Minas Gerais foram construídas com a força, o coração e o sangue dos meus ancestrais”, destacou o músico.
Repercussão
A resposta do mineiro teve mais de 200 mil visualizações e recebeu o apoio de mais de 1.600 pessoas nos comentários. Além disso, a denúncia acabou chegando às autoridades, entre elas a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL) e a vereadora Cida Falabella (PSOL), que apoiaram a ação judicial movida pelo artista.
“Primeiramente, eu preciso agradecer por todo o apoio que tenho recebido, de pessoas que acompanham meu trabalho, de colegas da área artística, de integrantes do movimento negro, de membros da igreja”, agradeceu Pererê.
A apresentação atacada no vídeo fez parte do festival "Fado nas Cidades Históricas", ocorrido no dia 1º de junho. Pererê cantou no interior da Igreja de Nossa Senhora das Dores.
Leia aqui a nota de repúdio na íntegra:
No dia 1º de junho, eu tive a honra de fazer uma apresentação no “Festival de Fado”, dentro da Igreja de Nossa Senhora das Dores, em Ouro Preto. Foi um show leve e emocionante, assistido por um público afetuoso e de uma sensibilidade rara, no qual cantei o repertório de “Canções de Bolso”, um álbum que prezo muito.
Porém, nesta terça-feira, dia 10, me deparei com um vídeo no Instagram que chama a apresentação de “profanação da Igreja Católica” e questiona a legitimidade da minha presença naquele espaço sagrado.
Com um tom agressivo, a narradora do vídeo, publicado na página “Guerreiro da Santa Igreja”, afirma: “ele se diz espiritualista, mas as músicas dele são denominadas ‘Samba de Preto Velho’, ‘Conversas de Terreiro’, entre outras barbaridades”.
É evidente e revoltante como o discurso do vídeo é impregnado de racismo e intolerância religiosa, motivo pelo qual manifesto publicamente o meu repúdio.
Enquanto artista negro, filho de benzedeira e rei no Congado, é muito legítimo ocupar o espaço de uma igreja. Afinal, é sabido que as igrejas das cidades históricas de Minas Gerais foram construídas com a força, o coração e o sangue dos meus ancestrais.
A crítica feita a mim não me atravessa, porque caminho há muito tempo, na minha trajetória pessoal e artística, consciente do que eu proponho, do que eu acredito e de como meu trabalho chega às pessoas.
Contudo, acho extremamente importante trazer esse ataque a público para que possamos refletir sobre o racismo e a intolerância religiosa e buscar cada vez mais forças para, juntos, combatê-los.