O Tribunal Superior de Justiça do Reino Unido viu "fundamentos razoáveis" e deu continuação, nesta quinta-feira (26 de junho), à ação judicial movida pelos municípios brasileiros atingidos pelo rompimento da barragem Fundão, em Mariana, na região Central de Minas Gerais, por "desacato criminal" que teria sido cometido pela mineradora anglo-australiana BHP — que divide com a Vale a responsabilidade pela Samarco. A ação aponta que a BHP teria financiado uma ação movida pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) no Supremo Tribunal Federal (STF).
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1178, que tramita no supremo brasileiro desde junho de 2024, questiona a possibilidade de municípios brasileiros apresentarem ações judiciais no exterior. Segundo o instituto que representa as empresas do setor, os processos movidos em outros países "ferem a soberania nacional".
Conforme divulgado pelo escritório Pogust Goodhead, que representa os municípios e mais 620 mil pessoas atingidas nas ações movidas no país europeu, o novo processo foi aberto ainda em outubro de 2024, sendo que, agora, a mineradora é acusada de tentar "obstruir" os tribunais ingleses ao financiar "ilimitadamente" a abertura da ADPF. "O objetivo da ADPF é impedir municípios de moverem ações no exterior, como a do Caso Mariana", informaram os advogados.
Com a decisão da Suprema Corte do Reino Unido de dar continuidade ao processo, a BHP passa a enfrentar um processo criminal em Londres, existindo a possibilidade da aplicação de "multa ilimitada".
Depois do escritório denunciar o "desacato criminal" ao tribunal, com base na omissão de informações sobre o financiamento da ação no STF, a BHP solicitou a extinção do processo, o que foi negado nesta quinta pelo juiz inglês Adam Constable, que decidiu pela continuação da ação.
“Há fundamentos razoáveis para argumentar que a estratégia da BHP ao instigar e financiar a ADPF 1178, junto com o novo pedido liminar que visava bloquear o acesso entre os requerentes e seus advogados, foi especificamente concebida com o objetivo, conforme alegado, de interferir na administração da justiça nestes Tribunais”, afirmou o juiz, segundo divulgado pela Pogust Goodhead.
Tom Goodhead, sócio-administrador e CEO do Pogust Goodhead, afirma que a decisão “é um passo importante para responsabilizar a BHP por seus esforços contínuos de minar a justiça e escapar da responsabilidade pelo maior desastre ambiental do Brasil”.
A reportagem de O TEMPO procurou o Ibram e a BHP sobre a decisão. O instituto informou que, como o processo judicial envolve diretamente a BHP, não se posicionaria sobre o tema. Já a empresa afirmou que já tomou conhecimento da movimentação no processo no tribunal inglês. "A decisão de hoje não trata do mérito das alegações, que serão objeto de audiência futura. A BHP continuará com sua defesa em relação a esse procedimento", completou.
Funcionário da Vale admitiu "financiamento" da BHP
Ainda conforme divulgado pelo escritório de advocacia britânico, inicialmente a BHP teria negado na Suprema Corte qualquer relação com a ADPF 1178. Entretanto, após os advogados apresentarem atas públicas de reuniões do Ibram com solicitação direta da BHP sobre isso, a mineradora teria sido "forçada a admitir que instigou o pedido e se comprometeu a financiá-lo integralmente". Além disso, o financiamento teria sido confirmado em testemunho à Corte Inglesa dado por um alto funcionário da Vale.
"Além disso, Alexandre D’Ambrósio, Vice-Presidente de Assuntos Corporativos e Externos da Vale, admitiu em testemunho à Corte Inglesa que havia sido informado por Emir Calluf Filho, atual CEO da BHP Brasil e então Vice-Presidente Jurídico das Américas da BHP, sobre a intenção da BHP de pedir ao IBRAM que ingressasse com a ADPF no Brasil, com o objetivo de impedir municípios de continuarem litigando no exterior. A Vale é sócia da BHP na joint venture da Samarco", escreveu o escritório.
A Vale também foi procurada por O TEMPO, mas ainda não se manifestou.