Ameaça, injúria, preconceito de raça e de cor e produção, venda e distribuição de pornografia infantil. Esses são os atos infracionais mais cometidos por adolescentes na Internet, de acordo com o Relatório Estatístico da Vara Infracional da Infância e da Juventude divulgado nesta quarta-feira (23/7). Esta é a primeira vez que os atos análogos aos crimes cibernéticos foram contabilizados no documento. Os números mostram que eles correspondem a 1,72% do total em Belo Horizonte e na região metropolitana.

Juíza coordenadora do Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de BH (CIA-BH), Riza Nery afirma que o quadro é preocupante. “É preocupante esse número para nós porque tem ocorrido, a cada dia, mais casos, e a maioria acontecendo dentro das escolas. O adolescente tem acesso à rede social muito fácil e acaba utilizando essa rede para cometer essas infrações”, afirma.

O relatório também mostra que o tráfico de drogas é o ato infracional mais cometido pelos adolescentes (32,9%). Logo depois vêm furto (9,58%), ameaça (9,38%) e lesão corporal (7,86%). Os autores são majoritariamente do sexo masculino (85%), com idade entre 15 e 17 anos. Além disso, foram cometidos três homicídios em 2024, totalizando 0,12%. Os adolescentes infratores moram, sobretudo, nas regiões Leste (10,33%), Nordeste (10,33%) e Centro-Sul (9,84%). 

Promotor de Justiça, Lucas Rolla destaca que o tráfico de drogas costuma ter reincidências, e um dos motivos é a pressão sofrida pelos adolescentes. “Eles sofrem uma pressão muito forte. Porque eles perdem a droga que a polícia prendeu, e o traficante que coordena essa atividade fala para o menino: ‘Você precisa nos devolver o dinheiro. Não vou ficar no prejuízo’. Aí ele é obrigado a voltar para a atividade para poder recuperar aquele dinheiro e pagar aquele prejuízo que foi causado pela apreensão da polícia”, diz ele.

E mesmo que os adolescentes saiam da infração direta do tráfico, a juíza Riza Nery ressalta que eles acabam adquirindo outro tipo de ‘poder’ relacionado à prática. “Em vez de ficar vendendo, ele vai ficar como olheiro, vai captar usuários. Então, outro tipo de infração que não é considerada tráfico, mas é considerada como participação no tráfico”, diz ela. 

Perfil

O estudo ainda mostra que 5,29% dos adolescentes que cometeram atos infracionais têm filhos. Além disso, a maioria estudou até o primeiro ano do Ensino Médio (24,06%). Conforme o documento, 1,88% concluíram o Ensino Médio. Os números também revelam que 22,35% estavam trabalhando e a maioria (84.73%) recebia até um salário mínimo. A renda familiar dos adolescentes é majoritariamente de um a dois salários mínimos (19,11%). A maioria mora em casa própria (60,92%).

O relatório ainda mostra que grande parte dos adolescentes infratores usam drogas ou ingerem bebida alcoólica. O uso de maconha é o principal (49,91%), seguido por álcool (25,9%) e tabaco/cigarro (13,61%).

Atos em escolas

A Vara Infracional da Infância e da Juventude de Belo Horizonte também divulgou os dados de atendimento relacionados ao cometimento de atos infracionais ocorridos nas escolas da capital mineira. Em 2024, foram 324 registros. Os autores são, em geral, do sexo masculino (70%), com idade entre 14 e 16 anos.

A ameaça é o ato infracional mais cometido no ambiente escolar (24,01%). Logo depois vêm lesão corporal (21,86%), vias de fato (16,13%) e injúria (5,38%). Ainda conforme o documento, 93.42% dos adolescentes autores de atos infracionais relacionados ao ambiente escolar são primários. Já em relação às vítimas, os alunos são as principais (63,83%), seguidos por professores (12,46%) e funcionários (10,94%). Os atos acontecem sobretudo em instituições de ensino das regiões Nordeste (18,64%) e Centro-Sul (18,28%).

Violência contra adolescentes e jovens

O Relatório Estatístico da Vara Infracional da Infância e da Juventude também mostra dados relacionados à violência letal contra adolescentes e jovens. Segundo o documento, homens entre 15 e 29 anos apresentam o maior risco de serem vítimas de homicídios. A violência é a principal causa de morte nessa faixa etária. 

“Embora o número absoluto de homicídios tenha diminuído, a participação relativa (taxa) deste recorte etário, se comparados os anos de 2020 e 2023, aumentou. Ou seja, em 2020 foram 80 homicídios, reduzindo para 61 em 2023, enquanto que a taxa percentual aumentou de 29,96% para 32,80%. Isso indica que, apesar da redução geral das mortes, essa população passou a representar uma parcela proporcionalmente maior das vítimas”, diz o documento.

Em 2023, dos 61 adolescentes vítimas de homicídio em Belo Horizonte e municípios limítrofes, 81% eram negros. “A predominância de homicídios contra adolescentes e jovens negros é uma constante histórica, observada também no relatório de 2022, quando 66 adolescentes e jovens pretos ou pardos foram vítimas de homicídio, dos 79 ocorridos no ano contra este público”, afirma o documento.

Superintendente da Coordenadoria da Infância e Juventude (Coinj), do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a desembargadora Alice de Souza Birchal destaca que os dados do estudo são estratégicos para a formulação de medidas públicas. "O relatório, resultado de trabalho técnico, articulado e interinstitucional, não apenas fornece dados estatísticos sobre o fluxo de adolescentes no sistema socioeducativo, mas constitui instrumento estratégico para a formulação de ações preventivas e políticas públicas contextualizadas, sintonizadas com as peculiaridades territoriais e com os direitos humanos de crianças e adolescentes", destaca.